Onde erramos?
02/09/2005
- Opinión
Conquistamos demais e cuidamos de menos. Para onde isso nos poderá
lervar? Analistas vindos das ciências da Terra nos advertem que o
tempo atual se assemelha muito às épocas de ruptura no processo de
evolução, épocas de extinções em massa. Não porque sobre nós pesa
alguma ameaça cósmica, mas por causa da atividade humana altamente
depredadora da natureza. Chegamos a um ponto em que a biosfera está
à mercê de nossa decisão. Se queremos continuar a viver temos que
querê-lo e garantir as condições adequadas. Estimativas otimistas
estabelecem a data-limite, o ano 203O. A partir dai, a
sustentabilidade do sistema-Terra não estaria mais garantida. E ai
iríamos ao encontro de uma crise geral cujo desfecho é imponderável.
Por que chegamos a isso? A resposta mais imediata se prende às
revoluções inciadas no neolítico, há dez mil anos: a agrícola, a
industrial e a do conhecimento/comunicação. Estas revoluções
modificaram a face da Terra para bem e para mal. Por um lado,
trouxeram imensas comodidades e prolongaram consideravelmente a
expectativa de vida. Por outro, depredaram o sistema-Terra pela
monocultura tecnológica e material e pela desumanização das
relações.
A segunda resposta, mais elaborada, procura saber: que sonho o ser
humano perseguia com esse imenso processo técnico-científico e
cultural? Era o sonho da prosperidade material a ser conseguida pelo
poder-dominação sobre a natureza, sobre as riquezas dos povos, sobre
a mulher e sobre exploração da força de trabalho. Esta prosperidade
trouxe satisfação mas não felicidade, pois foi mais material que
espiritual. Destruiu o sentido cordial das coisas e legou-nos
devastador vazio existencial. Esse sonho ocupa a agenda central de
qualquer governo também do nosso. E a seguir o ritmo atual, vamos ao
encontro de um impasse.
Mas estas respostas, embora objetivas, não vão suficientemente à
raiz da questão. Há uma causa mais profunda: a auto-afirmação
excessiva sem a integração necessária num todo maior. Auto-afirmação
e integração sempre devem vir juntas. Mas predominou a primeira,
produzindo a quebra da re-ligação com tudo e com todos. Perdemos o
sentido da corrente única da vida e de sua imensa diversidade.
Olvidamos a teia das interdependências e a comunhão de todos com a
Fonte originária de tudo. Colocamo-nos num pedestal solitário a
partir donde pretendemos dominar a Terra e os céus. Eis onde
erramos, eis a doença de nosso modo de ser: a centração só no ser
humano,no homem sem a mulher e sem a integração no Todo.
Urge refazer o caminho de volta, como filhos pródigos, rumo à
comunidade de vida e irmanarmo-nos com todos os seres. Temos que
restaurar a re-ligação com o Todo, unir auto-afirmação com
integração, numa visão co-evolutiva.
O velho sonho da humanidade é viver sem medo e em paz. A paz é a
plenitude que resulta das relações adequadas com tudo, consigo mesmo
e com a Fonte. Para isso precisamos nos reencantar com o mistério e
a natureza. Esse reencamento nasce de um novo sentido de ser, de uma
nova experiência espiritual. Sua elaboração se dá no âmbito do
feminino nos homens e nas mulheres. É o feminino que nos torna
sensíveis, espirituais, abertos à cooperação e ao Todo. Ele nos
ensina a cuidar de tudo com zelo e amor.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108369
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