A plataforma dos movimentos sociais
22/08/2003
- Opinión
Exposição apresentada na Plenária Regional Sudeste da
Coordenação dos Movimentos Sociais, ocorrida em 23 de
agosto, na capital paulista, com a presença de 138
entidades e cerca de 500 lideranças da CUT, MST, UNE,
entre outros movimentos populares e progressistas da
sociedade.
1- O documento "Soberania nacional, desenvolvimento, trabalho,
distribuição de renda e inclusão social", que será lido e
debatido pelos lutadores sociais presentes nesta plenária,
está em processo de construção. Não é um texto acabado, mas um
passo inicial na estruturação da Coordenação dos Movimentos
Sociais (CMS). Ele será enriquecido com as contribuições dos
cinco encontros regionais de agosto e também de outros
interessados. Foi elaborado por uma comissão coordenada pelos
companheiros Plínio de Arruda Sampaio (Correio da Cidadania) e
Valdemar Rossi (Pastoral Operária). Ele teve como base as
primeiras cinco reuniões nacionais de montagem da CMS, que
fixaram os eixos centrais unificadores das lutas do povo
brasileiro, visando fortalecer o pólo da mudança vitorioso nas
eleições de outubro passado.
O texto parte da avaliação, amplamente majoritária nos
movimentos sociais, de que o Brasil vive um novo tempo,
carregado de possibilidades, mas cheio de entraves. Este novo
ciclo político, decorrente da derrota eleitoral do
neoliberalismo, representou uma sensível alteração na
correlação de forças no país, hoje mais favorável às lutas
populares. Dois riscos, porém, devem ser evitados. Por um
lado, os movimentos sociais não podem cair numa postura
passiva, de apoio acrítico, ao novo governo. Por outro, devem
evitar leituras voluntaristas, que erram no alvo dos inimigos
principais. O que nos une na criação da CMS é a decisão de
unificar e fortalecer o protagonismo dos movimentos sociais.
Esta visão unitária e generosa deve servir de antídoto contra
qualquer tentativa de tornar este espaço numa arena de
demarcação de campos, de disputa amesquinhada e partidista. A
sólida unidade e a ativa mobilização social devem ser as
marcas da CMS.
2- O documento serve como uma plataforma mínima alternativa,
como contraponto à agenda neoliberal e à ortodoxia do "deus
mercado", que tentam enquadrar o novo governo e impor o medo
sobre a esperança expressa pelos brasileiros nas urnas. Ele
procura refletir a diversidade dos movimentos sociais, com
suas bandeiras específicas e cronogramas próprios de luta; ao
mesmo tempo, ele centra em bandeiras unitárias, que congregam
o vasto espectro de forças que compõem a CMS. Com base nas
reuniões já realizadas e na profícua elaboração da esquerda
social e política construída nas últimas décadas, o documento
fixou três eixos centrais para unificar as ações do movimento
popular no próximo período da luta de classes no país.
3- Primeiro: defesa da soberania nacional. Sem romper com a
lógica do imperialismo, principalmente do estadunidense, o
Brasil não tem futuro; continuará sendo uma nação aviltada,
periférica, colonizada. Todo o esforço produtivo do seu povo
será tragado pelo capital, principalmente o especulativo-
financeiro – que hoje impõe sua ditadura fascista no mundo.
Sem superar a dependência externa, não haverá projeto de
desenvolvimento viável para o país e, muito menos,
possibilidade efetiva de inclusão dos milhões de brasileiros
desamparados – sem terra, sem teto, sem emprego, sem tudo.
A questão nacional, no quadro da globalização neoliberal,
adquire centralidade. Deverá pautar as ações do novo governo.
De imediato, ocorrem as negociações com o FMI. O último
acordo, assinado em setembro de 2002, encerra sua vigência em
dezembro. Ele restringiu os gastos públicos, impôs a agenda da
reforma da Previdência, taxou investimentos como despesas. A
rompimento deste acordo é vital para garantir as mudanças no
país. Outro tema relevante será o da Alca – esse projeto de
anexação do continente que tem como alvo o Brasil e que
inviabiliza qualquer política independente. Há também a
questão da ilegítima da dívida externa, que exige auditoria.
Sem enfrentar estes desafios, mesmo os aspectos positivos da
política externa do atual governo, elogiados por vários
setores do campo progressista, ficarão inviabilizados.
4- Segundo: superação do modelo neoliberal para viabilizar o
desenvolvimento. O projeto neoliberal, tão badalado pelo
"latifúndio da mídia", estagnou a economia e quase levou o
nosso país à insolvência. Endividamento, privatização,
desnacionalização, corte dos gastos públicos, entre outras
chagas impostas por esta política, só agravaram a crise
brasileira. De um crescimento médio anual acima de 4% entre
1901/40 e de mais de 6% ao ano entre 41/80, o país desabou
para taxas medíocres de 2,1% nos últimos anos. Os
investimentos públicos e privados, indispensáveis ao
desenvolvimento, também sofreram queda continuada no período:
3% do PIB entre 91/94; 2,4% de 95/98; e apenas 1,9% de 99/01.
Até o polêmico investimento externo direto caiu – em 2003 será
de cerca de US$ 10 bilhões, metade do ano passado.
Diante das adversidades externas, da herança maldita de FHC e
da ausência da maioria institucional, o governo Lula manteve
até agora, no essencial, a política econômica anterior. O
tripé neoliberal – juros altos, superávit primário e livre
fluxo de capital – continua a produzir estragos. O desemprego
superou a marca dos 20%, os rendimentos desabaram, o
desaquecimento do comércio é generalizado, a quebradeira do
parque produtivo nacional é visível. Sem entrar no mérito de
se foi ou não "necessário manter este remédio amargo", a
questão é que a sua preservação só aumentará o desastre
econômico e tende a gerar a desagregação da base social de
apoio do atual governo. A mudança de rumo é urgente!
Como afirmou o mestre Celso Furtado, durante a solenidade de
reativação da Sudene, no final julho, esta alteração depende
de convicção política. "Os nossos desafios são de natureza
política e não propriamente econômica", afirmou. Sem superar o
perverso modelo neoliberal não haverá crescimento econômico e,
como desdobramento natural, não haverá geração de emprego e
renda. Estudos indicam que a economia precisaria crescer, em
média, 5% ao ano, durante uma década, para reduzir o "estoque"
de desempregados e para dar oportunidade aos 1,7 milhão de
jovens que a cada ano se tornam aptos a ingressar no trabalho.
4- Terceiro: valorização do trabalho e inclusão social. O
crescimento econômico deve ter como meta a distribuição de
renda e riqueza, a melhoria do bem estar social do povo
brasileiro. Sem esta idéia-força, o crescimento pode servir –
como já serviu no passado – apenas para algumas frações da
própria burguesia, que também reivindicam queda dos juros,
abertura de crédito, etc. A unidade do setor produtivo contra
o setor especulativo, que selou alianças na campanha
eleitoral, não elimina a necessidade da independência dos
setores populares. Este documento procura agregar as
principais bandeiras deste campo. É uma plataforma mínima,
sentida pela população, com capacidade de empolgar amplos
setores da sociedade.
Ela não fica apenas na negação. Apresenta propostas concretas,
pela positiva. Ela reflete a passagem da resistência à
alternativa, a combinação necessária destes dois pólos. Ao
mesmo tempo em que incorpora a diversidade e a riqueza dos
movimentos sociais, contemplando várias das suas
reivindicações específicas, enfatiza a luta contra o
desemprego – propondo a defesa da redução da jornada sem
redução de salário ou flexibilização laboral. A luta pelo
emprego é a demanda mais sentida dos brasileiros. O desemprego
hoje vitima cruelmente a juventude, como indica recente estudo
do economista Marcio Pochmann. Em 2001, cerca de 3,7 milhões
jovens estavam sem trabalho, o que corresponde a 47% do total
de desempregados do país. A taxa de desemprego aberto nesta
faixa etária é o dobro da média nacional. Além disso, dos 33
milhões de jovens brasileiros, como idade entre 15 e 24 anos,
mais da metade (17 milhões) está fora da escola. Dos que
estudam, 57% dos jovens não estão na série escolar
correspondente a sua idade.
5- Disputa da hegemonia na sociedade. O documento apresentado
pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) é um excelente
instrumento de ação política. Entre outros méritos, esta
plataforma mínima possibilita unir os movimentos sociais,
superando a compartimentação existente e evitando que fiquem
presos à lógica atomizada de suas demandas. Ela também permite
disputar a hegemonia na sociedade, apresentando um projeto
alternativo factível e viável no quadro atual de correlação de
forças no mundo e no Brasil. Por fim, ela visa acumular forças
nos movimentos socais, intensificando suas lutas imediatas e
futuras. É um instrumento pedagógico e de ação direta.
Do ponto de vista imediato, ela permite pavimentar um campo de
pressão popular que force o rumo das mudanças exigidas nas
urnas. Diante das ameaças e chantagens do "deus mercado", o
movimento social precisa cumprir seu papel. As elites
neoliberais perderam a eleição, mas não perderam o poder.
Tentarão, a todo custo, enquadrar o novo governo para evitar
as mudanças. Procurarão transformar a derrota eleitoral numa
vitória política, mantendo a sua hegemonia. Cabe aos setores
populares, responsáveis maiores pela vitória de outubro,
pavimentar o campo da mudança. Do ponto de vista futuro, a
experiência da CMS adquire um caráter estratégico. Ela
permite, na luta imediata contra o neoliberalismo, forjar uma
sólida unidade e construir o seu programa máximo para a
superação da exploração capitalista.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108245
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