Pobre política
04/08/2003
- Opinión
Pobre política dos tapinhas nas costas, mãos ansiosas por punhais
sob sorrisos amarelos desenhados nos potes de mágoas derramados no
coração.
Pobre política do "ouvi dizer", das maledicências esgueirando-se por
gabinetes, a corroer dignidades, esgarçar patrimônios morais e
aspergir cizânia nos campos da decência.
Pobre política da pose maquiada para a foto, abraço descosturado de
afetos, olhar altivo, o papagaio de pirata empoleirado sobre o
alpiste da fatura de votos.
Pobre política das entrevistas repletas de palavras e vazias de
sentido, dos discursos adjetivados de promessas vãs, das recepções
encharcadas de venenos retóricos, das audiências purgatoriais, das
homenagens alinhavadas, às costas, pelo próprio homenageado.
Pobre política que soma votos subtraindo princípios, faz conchavos
inconfessáveis e promove acertos guardados no cofre de sigilos
inomináveis. E das coligações órfãs de projetos, do balcão
empregatício, dos presentes perfumados de sedução.
Pobre política da clonagem de salários e remunerações, vantagens e
voragens, garimpeira de influências e alpinista luxenta de quem
abomina a própria origem.
Pobre política da voz elevada rebaixando secretárias e contínuos, da
máscara da autoridade cuspindo fel, da pessoa refém da função, do
apego desmesurado ao poder, da mendicância cotidiana de atenções e
agrados.
Pobre política das portas trancadas à turba que perturba, dos
tapetes alérgicos à poeira das sandálias e botinas, das cerimônias
que içam o ego e afogam o dever de bem governar.
Pobre política a sacrificar, no altar da pátria, a vida em família,
o lazer, as amizades. E que impede o prazer de nada fazer, só ser.
Pobre política do corporativismo eleitoreiro, do repasse escuso de
recursos, do partido de aluguel, do caixa dois e do silêncio dos
inocentes.
Pobre política da conquista iníqüa de bens sonegados aos pobres, das
mesuras cínicas, das mulheres convidadas a emoldurar a sala, da
atitude déspota de quem sequer cumprimenta ascensoristas,
motoristas, porteiros e garçons.
Pobre política destituída de conteúdos históricos, atolada na
rasteira trivialidade de costuras inócuas, indiferente ao sacrifício
e à luta de tantos que padeceram para imprimir à convivência entre
humanos a marca gêmea da liberdade e da justiça.
Pobre política da competição mesquinha, cega aos horizontes
utópicos, enredada na burocracia farisaica que coa mosquitos e
engole camelos, farsa pusilânime que, no proscênio, esconde a
tragédia de tantas esperanças fraudadas.
Pobre política dos discursos desajuizados, proferidos na veemência
despida de ética, ecoando rancores. E das aleivosias moldadas pela
conveniência, disfarçadas de firmeza enquanto os pés chafurdam no
lodo das negociatas.
Pobre política da veneração desmesurada ao poder, do desfibramento
ideológico, da despolitização dos eleitores, da indigência de
estratégias imunes ao calendário do próximo pleito.
Pobre política da prepotência de quem ignora que cargos não alongam
estaturas, nem a moral, e enche o peito de virtuais medalhas
concedidas pela própria vaidade de quem se julga acima da média.
Pobre política insensível à dor inaudível, ao tresloucado no
trampolim do desespero, ao endividado, ao demente, e ao que, embaixo
do viaduto, aguarda a intervenção divina.
Pobre política? Podre política.
* Frei Betto é escritor, autor do romamce "Alucinado Som de Tuba"
(Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108012
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