A ofensiva militar dos Estados Unidos na América Latina

07/07/2003
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A consolidação do domínio econômico e militar da América Latina tem sido uma das principais prioridades do governo dos Estados Unidos. O crescente processo de militarização no Continente tem como objetivo assegurar o controle de recursos naturais, principalmente na região amazônica, e manter a dependência econômica dos países latino- americanos. No âmbito financeiro, a dependência latino-americana se perpetua através de uma dívida externa ilegítima e da criação de novos mecanismos de dominação econômica, como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). A vertente financeira do imperialismo estadunidense é apoiada por um grande aparato militar. Após os atentados em Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001, o governo de George W. Bush acelerou sua escalada militar em todo o mundo. Na América Latina, a estratégia dos Estados Unidos inclui a instalação de novas bases militares e o reforço de bases já existentes, o treinamento de militares latino-americanos, a venda de armas, a instalação de sistemas de vigilância e espionagem, além da influência sobre o poder judiciário em países latino-americanos. Essa política visa manter o modelo neoliberal, defender os interesses de grandes empresas e garantir o controle de recursos naturais, principalmente petróleo, água e biodiversidade. A poderio militar dos EUA é um dos principais instrumentos de recolonização da América Latina. O crescente processo de militarização no continente tem gerado o aumento das violações de direitos humanos e da repressão a movimentos sociais, o deslocamento e a migração forçada de milhões de pessoas, a destruição do meio-ambiente, a perda da soberania e da autodeterminação dos povos. O principal mecanismo dos EUA para garantir seu domínio econômico e geopolítico é expandir sua força militar em todo o mundo—o que representa um grande perigo para a humanidade. Além do grande aumento do orçamento do Pentágono, que chega a 400 bilhões de dólares, o governo de Bush tem dado sinais claros de seu autoritarismo. Por exemplo, a administração de Bush rechaçou a Convenção de Armas Biológicas e, ao mesmo tempo, realiza testes ilegais com essas armas, além de recusar o acesso de inspetores em seus laboratórios. Os Estados Unidos rechaçaram também o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, a Convenção da ONU sobre Tortura (para evitar a investigação de tortura contra prisioneiros na Base de Guantánamo), e pretende violar o Tratado Contra Testes Nucleares. Além disso, a CIA reforça suas operações clandestinas, e inclusive admite a possibilidade de assassinar governantes, como já declarou em relação a Saddam Hussein. O governo estadunidense necessita manter uma situação de "guerra infinita" para justificar a existência de seu aparato militar e consolidar sua posição de império. Na América Latina, os EUA intensificam esse processo através da instalação de bases militares como no caso de Manta (Equador), Três Esquinas e Letícia (Colômbia), Iquitos (Peru), Rainha Beatrix (Aruba) e Hato (Curaçao). Essas bases complementam o cerco dos EUA no Continente, que também possui bases militares em Porto Rico (Vieques), Cuba (Guantánamo) e Honduras (Soto de Cano). Os EUA pretendem ainda construir bases militares em El Salvador e na Argentina (na Terra do Fogo), assim como controlar a base de Alcântara, no Brasil. A estratégia militar dos Estados Unidos na região inclui o treinamento de militares latino-americanos, como no caso da Operação Cabañas, realizada na Argentina com a participação de 1500 oficiais dos EUA, Chile, Brasil, Bolívia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai. Segundo documentos do governo argentino, o objetivo desse treinamento seria criar um "comando militar unificado" para combater o "terrorismo na Colômbia, além de um campo de batalha composto por civis, organizações não-governamentais e agressores potenciais". A mídia estadunidense colabora com esse processo. Por exemplo, um artigo de 23 de outubro de 2002, publicado no jornal Miami Herald, defende a necessidade da criação de uma Força Militar Sul-Americana para lutar contra a guerrilha na Colômbia e para "lidar com ameaças internas semelhantes no futuro". Esse comando atuaria ainda na região da Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. A autorização para a entrada de tropas estadunidenses na América Latina inclui garantias de imunidade diplomática, o que significa que soldados norte-americanos suspeitos de crimes ou violações de direitos humanos não poderiam ser julgados em países latino-americanos. Além disso, os EUA continuam treinando militares latino- americanos na Escola das Américas e criaram a Academia Internacional para o Cumprimento da Lei, na Costa Rica, com o objetivo de influenciar a legislação dos países da região em benefício de seus interesses políticos, econômicos e militares. Outra forma de controle por parte dos Estados Unidos é a instalação de mecanismos como o SIVAN (Sistema de Vigilância da Amazônia), um projeto de 1.4 bilhões de dólares, realizado pela empresa norte-americana Raytheon, com capacidade de monitorar 5,5 milhões de Km. O SIVAN prevê ainda a compra de aviões de guerra, como o Tucano A- 29. Na Argentina, o Pentágono também planeja criar o Plano Nacional de Radarização, como parte de um Sistema Internacional de Vigilância. Essa escalada militar fortalece a indústria bélica norte- americana. Por exemplo, a estrutura da Base de Manta, com capacidade de controlar o espaço aéreo em um raio de 400 Km, está sob a responsabilidade da empresa DynCorp, acusada de envolvimento com a CIA. A Base de Manta será equipada com grandes jatos E-3 Awacs, com caças F-16 e F-15 Eagle, para controle da região Amazônica, do Canal do Panamá e da América Central. Outras empresas bélicas e de tecnologia militar, como a Raytheon e a Northop, estimam um aumento de 50% em seu lucro esse ano. Os Estados Unidos aceleram também o Plano Colômbia, que inclui um aparato de 1.3 bilhões de dólares, sendo que o Secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, pretende garantir mais US$731 milhões para financiar a participação do Equador, Bolívia e Peru nas operações militares. Os principais focos de violência na Colômbia, que causam a expulsão da população indígena e camponesa de suas terras, coincidem com as regiões mais ricas em biodiversidade. O número de refugiados internos na Colômbia chega a dois milhões de pessoas, sendo que 75% são mulheres e crianças. A ofensiva militar do governo dos Estados Unidos tem gerado protestos por parte de movimentos sociais em todo o Continente. Essa resistência está refletida na Campanha Continental contra a ALCA, que assumiu a luta contra a militarização como um de seus principais objetivos. É cada vez mais clara a necessidade de denunciar a ligação entre o domínio econômico e militar do governo estadunidense na América Latina. Portanto, a Campanha Continental contra a ALCA propõe: - Denunciar a dominação militar dos EUA na América Latina e suas consequências, como as violações de direitos humanos, a destruição ambiental e a perda da soberania e da auto-determinação dos povos. - Denunciar a relação entre o controle militar e econômico dos EUA na América Latina, através de mecanismos como a dívida externa e a ALCA. - Realizar mobilizações, investigações e ações jurídicas contra o aparato militar dos EUA e em defesa dos direitos humanos. - Apoiar os movimentos sociais em cada país, que lutam por sua terra, sua cultura, seu trabalho e sua dignidade. - A construção de um modelo econômico baseado na justiça social e na solidariedade entre os povos. - A construção de uma alternativa igualitária e sustentável para a integração latino-americana. *Maria Luisa Mendonça é jornalista, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e membro da coordenação do Grito dos Excluídos Continental.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107962
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