Terra encharcada de sangue

26/07/2001
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Em 25 de julho comemoramos o Dia do Agricultor. Todos comemos o que aquele planta. Mas nem sempre retribuímos com um bom prato de sopa de letrinhas, como o fizeram John Steinbeck, em "As vinhas da ira"; Juan Rulfo, em "A planície em chamas"; José Lins do Rego, em "Fogo Morto"; Graciliano Ramos, em "Vidas Secas", Deonísio da Silva, em "Os guerreiros do campo". A vida brota de duas lavras: a da enxada e a das artes, bens materiais e simbólicos. A primeira dá sustento; a segunda, sentido. O Brasil é gordo de terras. São 600 milhões de hectares cultiváveis. Arguto, Pero Vaz de Caminha logo atinou que, aqui, "em se plantando dá". Muitos ainda não entenderam o recado. Preferem o "em se cercando, ninguém tasca". Há muita terra neste país para pouca gente. Basta dizer que 44% pertencem a apenas 1% dos proprietários rurais. E há muita gente sem-terra. São cerca de 15 milhões de pessoas deambulando por estradas e acampamentos, teimando em sonhar que, entre tanta terra ociosa, hão de encontrar o pedaço de chão que os redima da indigência e do risco de favelização na cidade. Este país nunca conheceu uma reforma agrária. Trôpego, apóia-se num capitalismo arcaico, distante da modernidade. E dos belvederes das ilhas de opulência, o latifúndio contempla a multidão de excluídos. Não se pode abusar muito da paciência dos pobres, enfatiza a doutrina social da Igreja. Aqui, cansados de esperar, eles se organizam no MST. Por seu trabalho educativo (cerca de 100 crianças e jovens), o movimento já recebeu o prêmio UNICEF-Itaú. Por sua atuação em favor da reforma agrária, premiou-o a casa real da Bélgica. Por manter mais de 1.500 assentamentos, além de uma rede de cooperativas, ganhou também o Nobel alternativo, o "The right livelihood Award". Na escravatura, que oficialmente ensanguentou 350 anos da história do Brasil, dizia-se que os negros eram rebeldes. Custou à elite dirigente entender, como Nabuco, que o problema não estava no negro, mas no chicote e no pelourinho. Com as Ligas Camponesas, satanizou-se Francisco Julião. Quarenta anos depois, o Nordeste está mais seco de água e justiça, e uma espécie infra-humana brotando à sombra do mandacaru: o flagelado. Sob o regime militar, todos nós que resistimos fomos tratados de "terroristas". Hoje, a história reconhece os verdadeiros vilões, aqueles que deram o golpe de Estado, suprimiram a ordem democrática e instauraram a tortura e o desaparecimento de prisioneiros, como fizera Vargas nos anos 30. Hoje, é o MST o alvo de quem não suporta o clamor dos pobres e se cala diante de uma estrutura fundiária injusta. Onde anda a Justiça diante dos 21 que tombaram sob balas assassinas em Eldorado dos Carajás? A impunidade escancara as portas à criminalidade. 25 de julho é dia de tantas mortes anunciadas enquanto não houver reforma agrária e Justiça que não pise no direito dos pobres. O Brasil não merece ser uma terra encharcada de sangue. Frei Betto é escritor, autor do romance "Entre todos os homens" (Ática), além de outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107923
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