Lula e o funeral da terceira via
06/07/2003
- Opinión
Lula viaja a Londres para participar de uma reunião da finada
Terceira Via, rebatizada de Governança Global, para ver se
ganha algum oxigênio – buscado justamente em Lula. FHC já
foi o convidado exótico dessas reuniões, em que Blair e
Clinton tratavam de mostrar que havia vida inteligente – isto
é, na época, Terceira Via – também na periferia do
capitalismo. Agora o lugar será ocupado por Lula.
O presidente brasileiro tem que se deslocar tanto, porque por
estas paragens a Terceira Via teve uma morte prematura.
Nascida em torno do documento chamado "Consenso de Buenos
Aires", teve a assinatura de futuros mandatários, como
Vicente Fox, Ricardo Lagos, Fernando de la Rúa, assim como a
participação na sua elaboração do PT e do então candidato a
presidente, Ciro Gomes. O documento, elaborado por Jorge
Castañeda – depois ministro de relações exteriores de Fox – e
por Mangabeira Unger, era uma espécie de "humanização do
neoliberalismo", incorporando as teses do ajuste fiscal como
uma conquista indispensável, mas prometendo – apesar disso –
políticas sociais, retomada do desenvolvimento, geração de
empregos, bem de acordo com a nova política do Banco Mundial.
Foi lá mesmo, em Buenos Aires, que o projeto teve seu
fracasso mais estrepitoso, com a queda espetacular de de la
Rúa. No entanto, este foi apenas um final mais drástico do
fracasso a que também se condenaram Lagos e Fox. Estes
cometem o mesmo pecado que posteriormente seria repetido por
Jorge Battle no Uruguai e Alejandro Toledo no Peru, com o
mesmo destino precoce – não saíram do modelo econômico
liberal, que fracassou em todas suas promessas. Tendo usado a
América Latina como seu laboratório – o modelo foi inaugurado
na Bolívia e no Chile de Pinochet -, é aqui que a ressaca da
farra especulativa que promoveu se faz mais profunda e
extensa.
Na sua maré ascendente, o modelo liberal permitia eleger e
reeleger presidentes no primeiro turno – como Menem, FHC,
Fujimori. Na sua fase descendente, condena os governantes que
insistem em mante-lo – com justificativa que é indispensável
e/ou que estão preparando as condições de saída dele, não
importa – ao fracasso.
Aquele que já foi o mandatário escolhido por Washington para
ser seu líder no continente, Vicente Fox, chega ao final de
seu mandato, jogando o destino de seu governo nas eleições
parlamentares de hoje, mas seu governo já fracassou.
Fracassou porque jogou todas suas fichas nas relações
privilegiadas com o governo dos EUA e só recebeu farpas de
retorno. A recessão norte-americana e as medidas de segurança
tomadas depois dos atentados de 2001 pioraram e não
melhoraram a situação dos 14 milhões de trabalhadores
mexicanos nos EUA, ao contrário do que Fox e Castañeda
prometiam, pelas relações estreitas que mantêm com Bush. Por
outro lado, aquela recessão fez com que a economia
mexicana, que com o Nafta, tornou-se totalmente dependente da
economia do vizinho do norte – com exportações e importações
superiores a 90% com os EUA – sofra os duros reflexos da
profunda e prolongada estagnação norte-americana. Além disso,
Fox não fez nenhuma das reformas que prometia, para libertar
o Estado mexicano do domínio de sete décadas do PRI. Ao
contrário, hoje seu agora ex-ministro de relações exteriores,
Jorge Castañeda, promove o retorno pleno ao país e à vida
política do ex-presidente do PRI, Salinas de Gortari – até a
pouco refugiado na Escandinávia para fugir da prisão a que
está submetido seu irmão, por escândalos de corrupção de seu
governo liberal -, em troca do apoio de Salinas a reformas –
entre elas a previdenciária, lá, como aqui e na França,
conforme receituário da segunda geração de reformas do Banco
Mundial – do governo Fox. Seria inédito, dado que no México
os ex-presidentes ficam condenados ao ostracismo político,
depois dos seis anos de governo.
Ao invés de comemorar os três anos de sua eleição, indo de
gerente geral da Coca-Cola à presidência do país, Fox deve
amargar uma derrota nas eleições parlamentares, não
conseguindo a maioria que necessita, diante do PRI e do
esquerdista PRD. Resta-lhe então fazer abertamente uma
aliança com o PRI, prenunciando possivelmente a volta deste à
presidência. Não há Terceira Via, nem Governança Democrática
que resista a um modelo econômico liberal esgotado e à Alca
de lá, chamada de Nafta.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107825
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