Reconstruir o Bem Comum
20/12/2002
- Opinión
Um dos efeitos mais avassaladaores do capitalismo globalizado e de sua
ideologia, o neo-liberalismo, é a demolição da noção de bem comum ou de bem-
estar social. Sabemos que as sociedades civilizadas se constroem sobre duas
pilastras fundamentais: a participação (cidadania) e a cooperação.Juntas criam
o bem comum. Mas este foi enviado ao limbo da preocupação política. Em seu
lugar, entraram as noções de rentabilidade, de flexibilização, de adaptação e
de competividade. A liberdade do cidadão é substituida pela liberdade das
forças do mercado, o bem comum, pelo bem particular e a cooperação, pela
competitividade.
A participação e a cooperação asseguravam a existência de cada pessoa e a
vigência dos direitos. Negados esses valores, a existência de cada um não está
mais socialmente garantida nem seus direitos afiançados. Logo, cada um se
sente constrangido o garantir o seu: o seu emprego, o seu salário, o seu carro,
a sua família. Ninguém é levado, portanto, a construir algo em comum. A única
coisa em comum que resta, é a guerra de todos contra todos em vista da
sobrevivência individual.
Neste contexto, quem vai pensar o destino comum da espécie humana e da única
casa coletiva, a Terra? Quem cuidará do interesse geral dos 6,3 bilhões de
pessoas? O neoliberalismo é surdo, cego e mudo a esta questão fundamental.
Seria contraditório suscitá-la, pois defende concepções políticas e sociais
diretamente em oposição ao bem comum. Seu propósito básico é: o mercado tem que
ganhar e a sociedade deve perder. Pois é o mercado que vai regular e resolver
tudo. Se assim é por que vamos construir coisas em comum? Deslegitimou-se o
bem-estar social.
Ocorre, entretanto, que o crescente empobrecimento mundial resulta das lógicas
excludentes e predadoras da atual globalização competitiva, liberalizadora,
desregulamentora e privatizadora. Quanto mais se privatiza mais se legitima o
interesse particular em detrimento do interesse geral. É o triunfo do killer
capitalismo. Quanto de perversidade social e de barbárie aguenta o espírito?
Que é o bem comum? No plano infra-estrutural é o acesso justo de todos à
alimentação,à saúde, à moradia, à energia, à segurança e à expressão
artística. No plano humanístico é o reconhecimento, o respeito e a convivência
pacífica. Porque sob a globalização competitiva foi desmantelado, o bem comum
deve agora ser reconstruido. Para isso, importa dar hegemonia à cooperação e
não à competição. Sem essa mudança, dificilmente se manterá a comunidade humana
unida e com um futuro que valha a pena.
Ora, essa reconstrução constitui o núcleo do projeto político do PT e de Lula
Presidente. Entrou pela porta certa: Fome Zero. Colocou o fundamento seguro: a
repactuação social a partir dos valores da cooperação e a boa-vontade de
todos. Afirma uma convicção humanística de base: não há futuro a longo prazo
para uma sociedade fundada sobre a falta de justiça, de igualdade, de
fraternidade, de cuidado e de cooperação. Ela nega o anseio mais originário do
ser humano desde que emergiu na evolução, milhões de anos atrás. Lula articula
esse anseio ancestral e é dai que haure sua força convocatória. Se não for o PT
e Lula, serão outros atores em outros tempos que o farão. Mas "agora é Lula"
que suscita esse sonho bem-aventurado. Cooperação se reforça com cooperação que
devemos oferecer incondicionalmente.
* Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/pt/articulo/106781
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