Política como cuidado

25/07/2002
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Grande parte da atividade política atual se ordena a chegar ao poder e uma vez no poder, a promover reeleição. Deforma-se assim a natureza da política como busca comum do bem comum. Pior, ela se coloca para além do bem e do mal. Só faz o bem quando possível e o mal sempre que necessário. Mas importa denunciar: trata-se do exercício perverso do poder político. Max Weber em seu famoso texto A Política como Vocação já nos havia advertido:"Quem faz política busca o poder. Poder, ou como meio a serviço de outros fins ou poder por causa dele mesmo, para desfrutar do prestígio que ele confere". Esse último modo de poder político foi exercido historicamente por nossas elites a fim de se beneficiar dele, esquecendo o sujeito de todo o poder que é o povo. Precisamos resgatar o poder como meio a serviço de objetivos humanos. Só este é ético. É imperativo, pois, eleger políticos que não façam do poder um fim em si e para seu proveito, mas uma mediação necessária para realizar o bem comum, a partir de baixo, dos excluidos e marginalizados. O páleo-cristianismo chamava a isso de liturgia que significava: serviço ao povo, agradável a Deus. É neste contexto que queremos recuperar a figura ímpar de político dos tempos modernos, Mahatma Gandhi. Para ele, a política "é um gesto amoroso para com o povo" que se traduz pelo cuidado com o bem-estar de todos a partir dos pobres. Ele mesmo confessa:"Entrei na política por amor à vida dos fracos; morei com os pobres, recebi párias como hóspedes, lutei para que tivessem direitos políticos iguais aos nossos, desafiei reis, esqueci-me das vezes que estive preso". Nestes tempos de eleições, saber quais são os projetos que se propõem cuidar do povo, constitui critério para se escolher um Presidente que precisamos. Na verdade, o Brasil precisa de quem cuide do povo. Até agora predominava uma política que cuidava da estabilização monetária, da inflação, da dívida externa e de nossa inserção no projeto-mundo. Tudo sem escutar o povo. Que não se diga que tal diligência representa cuidado com o povo. Sua situação piorou, praticamente, em todos os itens sociais. O que significa que nunca teve centralidade. Cuidado meticuloso e materno houve, sim, para com os bancos e o sistema financeiro que tiveram lucros exorbitantes. Em lugar de cuidado, houve na política administração das demandas populares, atendidas de forma paliativa, mais para abafar a inquietação e afogar a revolta justa do que atacar as causas da devastação que padece. O cuidado para com o povo exige conhecer suas entranhas por experiência, sentir seus apelos, compadecer-se de sua miséria, encher-se de iracúndia sagrada e escutar, escutar e escutar. Deveria haver um Ministério da Escuta. Ai deveriam estar os discípulos de Paulo Freire e não os seguidores de Pavlov e de Skinner. Escutar as sagas do povo, as soluções que encontrou, o Brasil que quer. Ele quer bem pouca coisa: trabalhar e com o trabalho dignamente pago, comer, morar, educar os filhos, ter segurança, saúde, cultura e lazer para torcer pelos seus times e fazer suas festas e cantorias nos fins de semana. O povo merece esse cuidado, essa relação amorosa que espanca o medo, confere confiança e realiza o sentido mais alto da política. *Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/pt/articulo/106165
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