Manual do candidato

22/07/2002
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Trate de se apresentar muito bem preparado para os discursos. Numa campanha eleitoral, você deve se dedicar a obter o apoio dos amigos e o apreço do povo. Deve constituir amizades de todos os tipos: para ter uma boa imagem, homens com carreira e nomes ilustres (os quais, mesmo se não têm interesse em declarar seu voto, ainda assim conferem prestígio ao candidato); e para garantir a proteção da lei, magistrados. Três coisas levam os homens a se sentirem cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea. Graças aos mais insignificantes favores, as pessoas são levadas a julgar que há motivo suficiente para declarar seu apoio. Quanto aos que são atraídos pela esperança, aja de modo a parecer pronto e disposto a prestar ajuda, e também de forma a perceberem que você é um observador cuidadoso das tarefas executadas por eles. O terceiro tipo é o apoio espontâneo, que será preciso consolidar expressando agradecimentos, adaptando os discursos aos argumentos que parecem seduzir cada adepto isoladamente, dando mostras de retribuir-lhes a mesma simpatia, sugerindo que a amizade pode transformar-se em íntima e habitual. No desenrolar da campanha eleitoral, inúmeras e utilíssimas amizades são adquiridas, porque, apesar de seus muitos inconvenientes, ser candidato tem isso de bom: você pode, de maneira honesta ­ o que é impossível no resto da vida ­ atrair à amizade todos que quiser. Volte sua atenção para a cidade inteira, todas as associações, todos os distritos e bairros. Se você atrair à amizade seus líderes, facilmente terá nas mãos, graças a eles, a multidão restante. Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que, em suas respectivas localidades, cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos. Homens de cidades pequenas e da zona rural, se os conhecemos pelo nome, acham que privam de nossa amizade. O empenho dos mais jovens em cabalar votos, visitar eleitores, trazer notícias, acompanhá-lo nas passeatas, é algo admiravelmente importante e prestigioso. Agora, deve tomar o maior cuidado com o seguinte: se alguém lhe prometeu fidelidade e você ouvir falar ou descobrir que tem duas caras, como se diz, finja que não ouviu ou percebeu isso; se alguém, julgando que você suspeita dele, quiser atestar inocência, garanta com firmeza que nunca desconfiou do apoio que recebe nem tem por que desconfiar. É fundamental saber que intenção cada pessoa tem em mente, para poder decidir até que ponto confiar em cada uma. Convença-se de que você deve ensaiar, até que pareça agir naturalmente; com efeito, não lhe falta a cortesia apropriada a um homem bom e gentil; porém, é preciso mais que isso, uma certa bajulação, a qual mesmo sendo viciosa e torpe no restante da vida, é imprescindível numa campanha eleitoral. De fato, quando a bajulação é usada para corromper, é vil; quando é para aproximar pessoas amistosamente, não é tão execrável, é necessária, na verdade, para um candidato cujo humor, semblante e discurso devem mudar e se acomodar às convicções e desejos de cada pessoa que encontra. Outro conselho diz respeito a um pedido ao qual não seja capaz de atender: nesse caso, negue de modo simpático ou, então, não negue de jeito nenhum; a primeira atitude é de um bom homem; a segunda, de um bom candidato. Todas as pessoas, no íntimo, preferem uma mentira a uma recusa. Cuide para que sua campanha inteira seja repleta de pompa, que seja brilhante, esplêndida e popular, que tenha uma imagem e um prestígio insuperáveis. E também, nesta eleição, deve-se acima de tudo ficar atento e gerar uma esperança otimista na política, bem como uma opinião honorável a seu respeito. Como o maior de todos os vícios da sociedade reside no fato de que, quando entram em campo a corrupção e o suborno, ela costuma esquecer-se da moral e da dignidade, trate de se conhecer bem, isto é, perceba que você é quem pode provocar em seus concorrentes o mais intenso pavor de um processo e uma condenação. Faça com que eles saibam que os vigia e os observa. Desejo que este manual às eleições seja considerado perfeito sob todo e qualquer ponto de vista. * Não há, no texto acima, uma palavra de minha autoria. Foi escrito por Cícero, em Roma, há 2064 anos, e endereçado a seu irmão, Marco Cícero, candidato, em 63 a.C., ao mais alto cargo da república, o de cônsul, equivalente ao de nosso presidente. Neste resumo, que revela quão desafiador é fazer política com transparência, adaptei- o à linguagem jornalística, suprimindo frases e períodos. Sua íntegra, traduzida do latim por Ricardo da Cunha Lima, encontra-se na edição bilingüe lançada pela Nova Alexandria, intitulada "Cícero", que reúne o "Manual do Candidato às Eleições", a "Carta do Bom Administrador Público" e "Pensamentos Políticos Selecionados". * Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de "Essa Escola chamada Vida" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106164
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