Dez conselhos para os militantes de esquerda
20/01/2002
- Opinión
1. Mantenha viva a indignação.
Verifique periodicamente se você é mesmo de esquerda. Adote o critério de
Norberto Bobbio: a direita considera a desigualdade social tão natural quanto
a diferença entre o dia e a noite. A esquerda encara-a como uma aberração a
ser erradicada.
Cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus social-democrata, cujos
principais sintomas são usar métodos de direita para obter conquistas de
esquerda e, em caso de conflito, desagradar aos pequenos para não ficar mal
com os grandes.
2. A cabeça pensa onde os pés pisam.
Não dá para ser de esquerda sem "sujar" os sapatos lá onde o povo vive, luta,
sofre, alegra-se e celebra suas crenças e vitórias. Teoria sem prática é
fazer o jogo da direita.
3. Não se envergonhe de acreditar no socialismo.
O escândalo da Inquisição não faz os cristãos abandonarem os valores e as
propostas do Evangelho. Do mesmo modo, o fracasso do socialismo no Leste
europeu não deve induzi-lo a descartar o socialismo do horizonte da história
humana.
O capitalismo, vigente há 200 anos, fracassou para a maioria da população
mundial. Hoje, somos 6 bilhões de habitantes. Segundo o Banco Mundial, 2,8
bilhões sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. E 1,2 bilhão, com menos de US$
1 por dia. A globalização da miséria só não é maior graças ao socialismo
chinês que, malgrado seus erros, assegura alimentação, saúde e educação a 1,2
bilhão de pessoas.
4. Seja crítico sem perder a autocrítica.
Muitos militantes de esquerda mudam de lado quando começam a catar piolho em
cabeça de alfinete. Preteridos do poder, tornam-se amargos e acusam os seus
companheiros(as) de erros e vacilações. Como diz Jesus, vêem o cisco do olho
do outro, mas não o camelo no próprio olho. Nem se engajam para melhorar as
coisas. Ficam como meros espectadores e juízes e, aos poucos, são cooptados
pelo sistema.
Autocrítica não é só admitir os próprios erros. É admitir ser criticado
pelos(as) companheiros(as).
5. Saiba a diferença entre militante e "militonto".
"Militonto" é aquele que se gaba de estar em tudo, participar de todos os
eventos e movimentos, atuar em todas as frentes. Sua linguagem é repleta de
chavões e os efeitos de sua ação são superficiais.
O militante aprofunda seus vínculos com o povo, estuda, reflete, medita;
qualifica-se numa determinada forma e área de atuação ou atividade, valoriza
os vínculos orgânicos e os projetos comunitários.
6. Seja rigoroso na ética da militância.
A esquerda age por princípios. A direita, por interesses. Um militante de
esquerda pode perder tudo a liberdade, o emprego, a vida. Menos a moral. Ao
desmoralizar-se, desmoraliza a causa que defende e encarna. Presta um
inestimável serviço à direita. Há pelegos disfarçados de militante de
esquerda. É o sujeito que se engaja visando, em primeiro lugar, sua ascensão
ao poder. Em nome de uma causa coletiva, busca primeiro seu interesse
pessoal.
O verdadeiro militante como Jesus, Gandhi, Che Guevara é um servidor,
disposto a dar a própria vida para que outros tenham vida. Não se sente
humilhado por não estar no poder, ou orgulhoso ao estar. Ele não se confunde
com a função que ocupa.
7. Alimente-se na tradição da esquerda.
É preciso oração para cultivar a fé, carinho para nutrir o amor do casal,
"voltar às fontes" para manter acesa a mística da militância. Conheça a
história da esquerda, leia (auto)biografias, como o "Diário do Che na
Bolívia", e romances como "A Mãe", de Gorki, ou "As Vinhas de Ira", de
Steinbeck.
8. Prefira o risco de errar com os pobres a ter a pretensão de acertar sem
eles.
Conviver com os pobres não é fácil. Primeiro, há a tendência de idealizá-los.
Depois, descobre-se que entre eles há os mesmos vícios encontrados nas demais
classes sociais. Eles não são melhores nem piores que os demais seres
humanos. A diferença é que são pobres, ou seja, pessoas privadas injusta e
involuntariamente dos bens essenciais à vida digna. Por isso, estamos ao lado
deles. Por uma questão de justiça.
Um militante de esquerda jamais negocia os direitos dos pobres e sabe
aprender com eles.
9. Defenda sempre o oprimido, ainda que aparentemente ele não tenha razão.
São tantos os sofrimentos dos pobres do mundo que não se pode esperar deles
atitudes que nem sempre aparecem na vida daqueles que tiveram uma educação
refinada. Em todos os setores da sociedade há corruptos e bandidos. A
diferença é que, na elite, a corrupção se faz com a proteção da lei e os
bandidos são defendidos por mecanismos econômicos sofisticados, que permitem
que um especulador leve uma nação inteira à penúria.
A vida é o dom maior de Deus. A existência da pobreza clama aos céus. Não
espere jamais ser compreendido por quem favorece a opressão dos pobres.
10. Faça da oração um antídoto contra a alienação.
Orar é deixar-se questionar pelo Espírito de Deus. Muitas vezes deixamos de
rezar para não ouvir o apelo divino que exige a nossa conversão, isto é, a
mudança de rumo na vida. Falamos como militantes e vivemos como burgueses,
acomodados ou na cômoda posição de juízes de quem luta.
Orar é permitir que Deus subverta a nossa existência, ensinando-nos a amar
assim como Jesus amava, libertadoramente.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105563
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