Propostas para um mundo melhor
17/07/2001
- Opinión
Gênova, Itália.
Por iniciativa da França e da Alemanha, o G-7 foi criado em 1975 como
fórum das metrópoles mundiais para debater a gestão do sistema
monetário internacional. Em 1998, admitiu-se a Rússia como o oitavo
membro do seleto clube, não tanto por força de sua economia, que anda
mal das pernas, e sim devido ao seu poderio bélico.
O que os senhores do G-8 não podiam imaginar é que se sentissem
obrigados a abrir a sua agenda para temas sociais. Dentro de poucos
dias eles aqui estarão para decidir como criar um fundo anti-Aids
para a África, no valor de US$ 1 bilhão. Metade, dinheiro do G-7,
pois a Rússia não tem como contribuir. A outra metade viria de
empresas transnacionais. O fundo seria gerido pelo Banco Mundial.
A fome continua matando mais do que a Aids, mas os governantes da
aldeia global nem querem ouvir falar em taxa Tobin ou anulação da
dívida dos países mais pobres. Por que a Aids sensibiliza os ricos do
mundo e a fome não?, perguntam os manifestantes anti-G-8. A razão é
simples, e cínica: a fome só atinge os miseráveis. A Aids não faz
distinção de classes sociais.
Dos 6 bilhões de habitantes da Terra, 1,2 bilhão sobrevivem hoje com
menos de US$ 1 por dia. E 2,8 bilhões com menos de US$ 2/dia. Ao
todo, são 4 bilhões de pessoas na pobreza, dos quais 826 milhões de
famintos, segundo a ONU. A cada oito segundos morre uma criança de
fome.
Os críticos da globalização querem uma estratégia global de redução
da pobreza. Mas não alimentam a ilusão que será desta vez que o G-8
se empenhará nesta direção.
A globalização, como diria Fernando Sabino, "é uma faca de dois
legumes". De um lado, aprofundou as desigualdades entre os ricos e os
pobres do mundo. De outro, quebrou as distâncias que, antes, impediam
que manifestações em Seattle, Porto Alegre, Barcelona ou Gênova,
ocorressem como se fossem ruas de uma mesma cidade.
Nenhum país desenvolvido têm mais de 15% de sua população vivendo com
menos de US$ 2 por dia. Em geral, possuem apenas focos de pobreza.
Porém, no Terceiro Mundo, eufemisticamente qualificado de bloco dos
"países emergentes", a pobreza ameaça de 30 a 80% da população, como
é o caso da América Latina. No Brasil, o índice é de 47% da
população: 52 milhões com renda inferior a US$ 60 por mês, e 28
milhões com menos de US$ 30 por mês.
A proposta do manifesto das associações católicas que trouxeram para
Gênova 5 mil jovens, e que será entregue ao G-8, é que se crie um
sistema capaz de regular o comércio internacional, equalizando trocas
e preços. A taxa Tobin, sobre as transações financeiras, deve ser
adotada, e os paraísos fiscais, riscados do mapa. Se os governos
punem como crime a sonegação interna, como aceitar que haja esta
odiosa exceção para os especuladores transnacionais?
No que concerne ao desemprego, enfatiza-se uma melhor aplicação da
legislação internacional aprovada pela OIT, de modo a evitar o
paradoxo avanço da tecnologia e redução dos postos de trabalho. A
confirmação imediata do Protocolo de Kyoto é o ítem principal quanto
ao meio ambiente.
Na comunicação, dar um basta aos monopólios, assegurar a livre
informação a todos os segmentos da sociedade, tanto como receptores
quanto como emissores, e garantir total transparência na informação
sobre organismo geneticamente modificáveis.
Quanto à tecnologia, propõe-se maior financiamento às pesquisas de
recursos medicinais locais, e a produção e a distribuição de
medicamentos a custo sustentável pelo Terceiro Mundo.
Muitos outros temas importantes não constam da pauta dos "Papa
boy's", como é chamada essa garotada que rouba a cena das
tradicionais organizações anti-G-8, como a esterilização de mulheres
de nações pobres. Ninguém imagina que os oito senhores do mundo terão
sequer tempo hábil para cumprir a pauta oficial em três dias,
sobretudo considerando os salamaleques preparados por Silvio
Berlusconi, o anfitrião, que entende como ninguém de jogo de cena.
Duas perguntas que todos aqui fazem produziram uma anedota. Em que
lugar do planeta será a próxima reunião do G-8? Por que a Rússia
participa se não tem dinheiro? Ora, a Rússia desenvolveu a tecnologia
de estações orbitais, que permite a permanência, durante meses, de
astronautas no espaço. Possivelmente sua maior contribuição a seus
pares será oferecer as condições de um próximo encontro surdo aos
clamores daqueles que Fannon chamou de "condenados da Terra".
https://www.alainet.org/pt/articulo/105252
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