O século do imperialismo
22/02/2000
- Opinión
O fenômeno mais abrangente, aquele que cruzou todo o século XX e se consolidou
no seu transcurso, foi o imperialismo. Como previam os seus teóricos, no final
do século XIX, o capitalismo ingressou numa nova etapa de sua história, mediante
a monopolização, a fusão que gerou o capital financeiro, a conclusão da divisão
mundial entre as grandes potências e sua disputa por meios violentos. Não deu
outra, com as duas guerras mundiais - na realidade uma só, dividida em duas
partes. Nenhuma previsão sobre o século XX foi tão certeira e nenhuma continua
tão vigente, com mudanças em sua forma.
Mudou a forma da dominação imperial, da exportação de mercadorias para a de
capital, aumentou o peso do monopólio tecnológico e, no final da década, a
hegemonia do capital financeiro deu o formato mais atualizado do imperialismo e
o monopólio na grande mídia sua expressão comunicativa. O fim da URSS não deu
lugar a um mundo multipolar - "wishfull thinking" de tantos - mas à dominação
absoluta dos EUA. Desconhecer esse fator determinante do mundo contemporâneo é
colocar-se à margem da sua compreensão.
Pode-se até mesmo dizer que, em última instância, ao longo do século - e
marcantemente no seu final - as interpretações do mundo se dividem entre as que
se assentam na existência do imperialismo como fator estruturante das relações
de poder em todas as suas dimensões e aquelas que buscam desconhece-lo, propondo
o mercado como seu articulador. Quando afirma que "o imperialismo acabou", FHC
se filia definitivamente à corrente liberal de mercado, abandonando qualquer
possibilidade de entendimento das relações que não apenas estruturam o mundo,
como também do que é o Brasil na virada do século.
Alegar, como faz ele em entrevista recente (Veja, edição 1629), que, os "EUA não
precisam mais da força do Estado para invadir. Os Estados Unidos invadem pela
cabeça, via meios de comunicação, tecnologia" e considerar que, com isso, o
imperialismo terminou é reduzir o fenômeno às suas dimensões econômicas e em seu
formato inicial. Já na sua versão da teoria da dependência, FHC demonstrava uma
incompreensão da extensão e profundidade do fenômeno, como sua polêmica com Ruy
Mauro Marini evidenciou. Agora ele tenta justificar seu erro crasso de saudar a
globalização em sua forma atual como um "novo Renascimento" para a humanidade.
Se os erros do intelectual passaram batidos, os do presidente jogaram o Brasil
no rol dos países globalizados, fazendo da década de 90 um período ainda pior
que o da década anterior.
Se o século XX iniciou-se com o imperialismo ainda com tintes coloniais - com as
guerras dos boers, na África do Sul, e dos boxers, na China -, a hegemonia
deslocou-se da Inglaterra para os EUA, assumindo a exportação de capitais e a
dominação tecnológica e financeira um papel preponderante. Na década final, a
guerra contra o Iraque evidenciou a modalidade de hegemonia norte-americana
depois da bipolaridade mundial - a combinação entre a superioridade militar e o
monopólio nos meios de comunicação: se faz a guerra e se conta para o mundo como
é a guerra.
Tendo como base a economia mais forte do mundo - fundada no mercado mais rico,
no desenvolvimento tecnológico de ramos estratégicos, na super-exploração dos
trabalhadores norte-americanos, na repatriação de lucros, na possibilidade de
emissão da moeda mundial e no controle do sistema financeiro internacional -, os
EUA apoiam sua hegemonia na indiscutível superioridade militar e na capacidade
de moldar as consciências, as formas de vida, os valores e os estilos de
consumo, ao produzir setenta por cento das imagens difundidas pelo mundo.
Quem não se vale desse elemento central para abordar o mundo contemporâneo, será
incapaz de entende-lo. Fará frases de efeito, escreverá livros, artigos e dará
entrevistas, ocupará espaços na grande mídia, mas se condenará ao fracasso na
análise do mundo e do lugar do Brasil no mundo.
Num mundo estruturado em torno dos três mega-mercados mundiais, que congregam a
85% da riqueza em 20% da sua população - em contrapartida a 15% da riqueza
pessimamente distribuídos por 80% da população no hemisfério sul -, e que
definem os rumos da humanidade através das reuniões dos "7 grandes", do Banco
Mundial, do FMI, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, da OTAN, da OMC, de
Federal Reserve e de outros organismos criados e dirigidos pelas grandes
potências capitalistas - reina o imperialismo, na sua forma contemporânea. Quem
quiser desconhece-lo, será sua vítima inconsciente ou de ma fé. Quem quiser
lutar por um mundo mais justo, mais humano, mais solidário, terá que se ver às
voltas com esse fenômeno, que continuará a dominar o mundo na entrada do novo
século.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105209
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