Eleições: construção, desconstrução, reconstrução
02/10/2014
- Opinión
Diante da perda de ímpeto da candidatura de Marina Silva, passou-se a falar da “desconstrução” de sua persona política. Segundo alguns arautos da mídia conservadora essa “desconstrução”chegaria às raias da “perversão” por parte da campanha da presidenta Dilma Rousseff. Cheguei a ler apelos indisfarçáveis, embora disfarçados, para que o ainda naquela altura “outro” candidato, Aécio Neves, não exagerasse nas suas críticas, para não ajudar a “desconstrução” perversa de Marina empreendida pelo PT, inviabilizando o segundo turno.
Na verdade foi a própria candidatura de Marina, depois da morte de Eduardo Campos, que encontrou dificuldades para se construir. Ela deu um passo em falso muito complicado e grave ao recuar e se diminuir diante das ameaças do pastor Malafaia. Depois vieram outros passos em falso. A insistência na tecla da falciosa “independência do Banco Central” a tornou dependente da linha pessedebista: grudou-a, praticamente, na sombra de Aecio Neves.
Chorar por causa de críticas também não a favoreceu: a população sabe que a política dentro e fora do Brasil é uma selva – às vêzes uma jaula – cheia de tigres, leões, hienas, sucuris e jibóias, sem falar nos ratos de plantão. Quem quer se candidatar a entrar na jaula tem que se mostrar capaz de enfrentar as feras. A atitude de Marina lembrou demais a de Romário chorando diante do Felipão em 2010 por não ter sido convocado. Aí mesmo é que ele próprio se cortou da seleção.
Diante das fraquezas da candidatura Marina, cada vez mais expostas à medida em que ela se expunha, Aécio começou a reconstruir a sua. Pode ser que chegue ao segundo lugar, mas ainda tem muito chão para correr, tirando votos da rival na candidatura a vice. Precisaria tirar-lhe, puxando-os todos para si, pelo menos uns quatro milhões de votos. Ou então captar quase todos os indecisos e capturar mais alguns milhões de eleitores de Marina.
Na verdade, quem agüentou um longo e desgastante processo de “desconstrução” foi a presidenta Dilma Rousseff. Este processo sempre atingiu o PT, desde sempre: Tem razão Lula ao dizer que a mídia o crucificou (o termo é meu, não dele) durante seus oito anos de presidência. Os ataques vinham de antes, inclusive.
Mas agora no caso da presidenta que disputa a reeleição, a coisa “recrudesceu”, como diria o ex-presidente Figueiredo. Recrudesceu porque a hipótese de mais quatro anos de PT no Planalto, com Dilma, exacerbou vários medos e ódios. Medo do desossamento do PSDB, como aconteceu com o DEM. Nesta altura é quase certo que o PSDB vai ficar sem Minas, reduzindo seu arraial consideravalmente. Medo de perder a “boca” que representa o pré-sal, além de outras. E o ódio: as políticas sociais do governo, ao darem certo, exacerbaram o ódio de classe, em todas as frentes. A “desconstrução” de Dilma e do governo tornou-se mais raivosa e odienta do que nunca, alimentada também por uma onda de indisfarçável, mesmo que disfarçada, de machismo.
Não só se procurou desqualificar sistematicamente o governo e a presidenta como corrupto ou conivente com a corrupção (“o mais corrupto da história”), como a partir de 2014 a mídia conservadora, dentro e fora do Brasil, entrou por uma campanha de “desconstrução” do próprio país e do povo brasileiro. O mote central desta campanha foi a nossa propalada “incompetência” para organizar a Copa do Mundo, uma verdadeira “inapetência” para o sucesso devido a sermos um país de favelados, corruptos, narcotraficantes ou narcotraficados, desorganizados, pobretões e vocacionados para a miséria eterna.
Não deu certo.
E com a campanha, enquanto Aecio se enrolava e Marina (depois de suceder a Campos) se enrolava na medida mesma em que se desenrolava, a presidenta Dilma passou a se reconstruir.
Sua reconstrução, até o momento, teve uma palavra-chave: futuro. O futuro é e continua sendo a grande palavra-chave do Brasil. É o futuro do emprego contra o futuro do desemprego, por exemplo. É a confiança versus a desconfiança no futuro. E a presidenta conesguiu, até o momento, captar a confiança de um grande número de brasileiros no futuro que ela oferece e simboliza.
Esperemos que isto se confirme de vez neste domingo, ou mesmo no segundo turno, se ele acontecer.
03/10/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/103896
Del mismo autor
- 2020: marcas e cicatrizes 16/12/2020
- A espionagem de hoje segundo Edward Snowden 27/11/2019
- As novas tendências dos golpes na América Latina 18/11/2019
- Neoliberalismo é religião. E da pior espécie, a messiânica 24/10/2019
- A extrema-direita europeia afia as armas para a eleição do Parlamento da UE 20/05/2019
- 2018: um ano 'desbalançado' 21/12/2018
- A futura posição do Brasil na geopolítica deste e do outro mundo 13/12/2018
- Alertas, fiascos e significados dos 100 anos do fim da Primeira Grande Guerra 12/11/2018
- A extrema-direita europeia comemora duas vezes nesta semana: Bolsonaro e Merkel 31/10/2018
- Algumas sandices da eleição brasileira 05/10/2018