A luta das mulheres, o Direito e a Justiça do Trabalho
11/09/2014
- Opinión
O Direito do Trabalho surgiu para ajudar a corrigir as profundas desigualdades acirradas pelo modo de produção capitalista, que até hoje atingem mais as mulheres, especialmente negras. No programa de Marina, é clara a proposta de redução do papel da Justiça do Trabalho, retirando-a dos conflitos coletivos e reduzindo-a a mero árbitro
Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você…
(Noel Rosa, Três Apitos, 1932).
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você…
(Noel Rosa, Três Apitos, 1932).
Os versos que Noel escrevera à namorada Fina registram um tempo em que as mulheres brasileiras, par i passu ao processo de industrialização e de sistematização das normas sociais de proteção aos trabalhadores da indústria e do comércio, começavam a ser reconhecidas como sujeito de direitos trabalhistas.
Operárias que ao som do apito das fábricas de tecidos dirigiam-se ao trabalho “livre”, subordinado e remunerado. Mulheres que em 1932 conquistaram o direito ao voto, à limitação da jornada, à obtenção da carteira de trabalho, podendo buscar perante as Juntas de Conciliação e Julgamento a reparação de direitos lesados sem a outorga do marido, exigência, aliás, expressa no Código Civil de 1916.
Isso em uma sociedade em luta para superar suas heranças escravocratas, patriarcais e monocultoras para afirmar-se como Nação moderna.
Mas se em meio a esse processo o Brasil foi o 4º país do hemisfério ocidental em que as mulheres conquistaram o direito de votar, muitas foram as fogueiras anteriores em que arderam como “bruxas” ao clamarem por direitos iguais.
O movimento se espraiou pelo mundo. Rendeu frutos. No Brasil de hoje, apesar de a discriminação não ter sido superada e de as mulheres, em especial as negras, continuarem a ocupar os postos de trabalho mais precários e com menores salários, as transformações são reais.
Os índices do mercado de trabalho e de desigualdade apresentam sensíveis melhoras. Por outro lado, temos uma mulher na Presidência da República e, no curso do atual processo eleitoral, outra desponta com destaque nas pesquisas, Marina Silva.
E é sobre o programa dessa candidata que focarei alguns aspectos relacionados ao Direito e à Justiça do Trabalho.
Justiça que, instituída pela Constituição Federal de 1934, regulamentada em 1939, instalada em 1941 e integrada ao Poder Judiciário em 1946, nasceu com a incumbência, no âmbito individual e coletivo, de dizer e tornar efetivo um direito novo que se constituía: o Direito do Trabalho que, compreendendo as profundas desigualdades acirradas pelo novo modo de produção capitalista, buscava compensá-las, fundamentando-se no princípio da proteção.
E é para que os eleitores do século 21 que desfrutam dessa proteção tenham claro o que está escrito no programa da candidata que abordo algumas de suas propostas. Aliás, localizadas no campo ultraliberal do pensamento e conectadas com a “prometida” autonomia do Banco Central. Autonomia essa fundamentada em teorias que levaram a finança global ao colapso, como abordou recentemente Luiz Gonzaga Belluzzo.
No eixo 06, página 240 em diante é clara a proposta de redução do papel da Justiça do Trabalho, retirando-a dos conflitos coletivos e reduzindo-a a mero árbitro. Par i passu, edulcorada por retórica sedutora, vê-se a promessa de que o Estado dotará as representações sindicais de condições suficientes para que a negociação coletiva seja a fonte dos direitos visando à “segurança jurídica e aos investimentos.”
Seguem transcrições do programa e alguns comentários. Os grifos são nossos:
1. Insiste na instalação de um FÓRUM NACIONAL TRIPARTITE para redesenhar as relações de trabalho, com ênfase na negociação coletiva e com críticas ao “modelo corporativo” de Getúlio, reproduzindo antiga catilinária;
2. Na página 240, diz que a reforma sindical não se pode limitar a introduzir a “livre negociação” afirmando: …parece inadequada a reforma trabalhista que vise só à desregulamentação pura e simples do mercado de trabalho sem estabelecer condições para que a negociação coletiva, entendida agora como fonte de normas e condições de trabalho seja maior. Ou seja, admite a desregulamentação, a qual, no entanto, enfatiza que não pode ser pura e simples, mas acompanhada de outros elementos que a seguir enuncia;
3. A seguir afirma: O que precisamos é construir, por meio do diálogo tripartite, as condições para que o marco do direito do trabalho traga mais segurança jurídica para as partes. Ou seja, nega o caráter de disputa entre classes, ínsito à relação capital e trabalho, apostando no encontro das vontades “livres” e “iguais”, em espaço tripartite, para definir as normas trabalhistas, ao gosto de um receituário que mostrou seus efeitos deletérios no final do século 19 e início do 20 e que, aos ventos neoliberais, culminou na crise de 2008;
4. Mais adiante: O novo modelo diminuiria o papel do Estado na solução dos conflitos trabalhistas coletivos e a Justiça do Trabalho se limitaria à nova função de arbitragem pública. Por outro lado, ao Estado caberia dotar as representações de trabalhadores, inclusive judiciais, para a plena efetividade de seus direitos. Embora não creiamos que a reforma resultaria num modelo ideal, não é demasiado concluir que nosso Direito do Trabalho daria passo importante para democratizar as relações de trabalho e dar maior efetividade aos direitos trabalhistas e à segurança jurídica, indispensável aos investimentos. Portanto, atribui às organizações sindicais a incumbência de dar plena efetividade aos direitos. A Justiça do Trabalho, assim, teria seu papel reduzindo para que a “segurança jurídica”, “indispensável aos investimentos”, se concretize. Já vimos isso, não?
5. Já a terceirização irrestrita, como fomento à “produtividade” e à “eficiência”, está nas páginas 75 e seguintes. Como salientou o Maximiliano Garcez em Programa de Marina Silva defende grave ataque aos trabalhadores: Terceirização precarizante ampla e irrestrita, essa proposta apresenta potencial altamente destrutivo da representação sindical, discrimina, reduz salários, amplia os acidentes e desrespeita direitos conquistados, com impacto negativo na economia, na Previdência e no FGTS;
6. Nesse cenário, a autonomia do Banco Central é pressuposto.
O que está em questão é o redesenho da Justiça do Trabalho e das normas de proteção social conquistadas a ferro e fogo neste país de mil e tantas misérias.
Ao acenar às representações sindicais condições para que a negociação coletiva produza as normas que regerão as relações de trabalho, atribuindo-lhes o papel de dar-lhes efetividade, reintroduz a vencida proposta do “negociado sobre o legislado”, encaminhada ao Parlamento no período FHC e arquivada pelo Presidente Lula em 2003.
É isso que a sociedade brasileira deseja? Lembra-se, invocando novamente Belluzzo, que o direito que nasce das relações mercantis não reconhece nenhum outro fundamento, nenhuma legitimidade, senão a igualdade entre os produtores de mercadorias
- Magda Barros Biavaschi é desembargadora aposentada do TRT4, doutora e pós-doutora em Economia Aplicada, IE-Unicamp/SP, pesquisadora do CESIT/IE/Unicamp, professora colaboradora/Pós-graduação do IE e IFCH/Unicamp
12/09/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/103307
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