Samuel Pinheiro Guimarães:
EUA apostam em Marina
07/09/2014
- Opinión
“Os estrategistas dos Estados Unidos seguramente estão de acordo com as diretrizes da política externa defendida pela candidata Marina Silva. Se ela for eleita, será a vitória de um modelo diplomático similar ao que tivemos nos anos 90”, declarou à Carta Maior o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do Itamaraty no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Junto do ex-chanceler Celso Amorim e do assessor Marco Aurélio Garcia, Pinheiro Guimarães integrou a troika responsável por planejar de diplomacia com sotaque nas relações Sul-Sul aplicada entre 2003 e 2010. Premissas que “tiveram continuidade a partir de 2011 durante o mandato da presidenta Dilma Rousseff, que adotou medidas muito corretas sobre o Mercosul e contra a Inteligência norte-americana no escândalo da NSA, e resistiu às pressões para a compra de aviões de guerra norte-americanos”, afirmou Pinheiro Guimarães.
No programa de governo apresentado uma semana atrás por Marina, foram formuladas propostas em alguns casos antagônicas às dos governos de Dilma e Lula, além de formular críticas enredadas ao que define como uma diplomacia “ideologizada” e “partidarizada” durante as três gestões petistas.
Embaixador, estamos diante do risco de serem restaurados princípios diplomáticos que dominaram a segunda metade dos anos 90?
Considero que a candidata Marina Silva encarne a anulação do progresso conquistado nestes 12 anos. Ela e os setores que representa buscam outro modelo de inserção internacional. Um pensamento que se traduz no propósito de enfraquecer o Mercosul com o pretexto de torná-lo aberto ao mundo.
Será o fim de qualquer aspiração de uma diplomacia independente?
Até agora, a única vez que escutei Marina falar de independência foi para mencionar a independência do Banco Central (risos).
Washington aposta em Marina ou Aécio?
Não estou em Washington para dizer o que pensam. Agora, há interesses dos Estados Unidos que foram prejudicados durante os governos de Lula e Dilma, e é claro que o candidato de que mais gostavam era o Aécio.
A Embaixada norte-americana adotou um perfil muito discreto nas eleições, mas isso não deve se confundir com o fato de estarem alheios ao que acontece. Quando o Aécio fica fora do jogo, os Estados Unidos se inclinam para a Marina, por pragmatismo e porque ela representa o oposto ao PT. Além disso, é alguém sem quadros próprios e, segundo dizem, tem bons contatos nos Estados Unidos, e que demonstrou estar aberta para desmontar o Estado, reduzir sua capacidade e autonomia internacional. Interessa aos Estados Unidos que o Mercosul sejam desmontado e que projetos da era tucana sejam retomados, não nos enganemos: nestas eleições, está em jogo a retomada do processo privatizador, parcial ou total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
Como a Marina implementaria esse desmantelamento do Mercosul?
Avalio que possa começar com a eliminação da cláusula que obriga os países do Mercosul a negociar conjuntamente acordos de livre comércio com outros blocos. Este ponto, que até agora não conseguiram derrubar, é uma cláusula que vem desde o Tratado de Assunção (assinado em 1991, na formação do Mercosul).
E depois de terminada esta limitação, o que aconteceria?
Uma vez eliminada essa cláusula, o caminho estará aberto para a assinatura de acordos do Brasil com a União Europeia, sem a participação dos outros quatro integrantes do Mercosul. Mas se a cláusula continuar em pé, seria igualmente perigoso um pacto entre todo o Mercosul e a União Europeia. E essa negociação, que já se iniciou mas avança lentamente, provavelmente será acelerada durante o governo de Marina.
Quais consequências um acordo com a UE traria?
Muitas, uma delas é a redução considerável das tarifas [de importações] industriais europeias afetando nossas fábricas. Defendo faz tempo que esta aproximação, que agrada os economistas da Marina, é o passo inicial rumo ao fim do Mercosul.
Vou resumir assim: a assinatura de um acordo entre os dois blocos significará uma extraordinária vantagem para empresas europeias que poderão exportar para cá sem que cobremos taxas, enquanto não haverá grandes benefícios para os exportadores sul-americanos.
E acrescento que se este acordo acontecer, afetará outra instituição fundamental do Mercosul, que é a Tarifa Externa Comum, fixada para terceiros países. Se isto acontece, a união aduaneira é pulverizada, qualidade central do Mercosul. E uma vez que chegarmos à hipotética assinatura do pacto de livre comércio com os europeus, os Estados Unidos reaparecerão.
De que maneira?
Os meios e os grupos de interesses brasileiros que se sentirem representados pela Marina só falam de um acordo com a União Europeia por oportunismo, pela boa imagem dos europeus, que seriam maravilhosos, educados, que nos abririam as portas do primeiro mundo. Uma retórica para ocultar que o acordo será prejudicial para nós. Quem quiser saber o que nos espera com esse acordo que pergunte aos gregos e aos espanhóis como a velha Europa é tratada.
Agora tudo isso nos leva ao começo desta conversa, que são os Estados Unidos. Por quê? Porque uma vez assinado o pacto UE-Mercosul, no outro dia, Washington vai querer igualdade de condições comerciais que europeus conquistaram, exigindo de nós um acordo de livre comércio. Os Estados Unidos nunca se esqueceram do espírito da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).
MAR DEL PLATA, NOVEMBRO DE 2005
No começo da década passada, FHC sancionou Pinheiro Guimarães por ter se oposto publicamente à assinatura da ALCA, que seria enterrada durante a Cúpula das Américas, celebrada em novembro de 2005 no balneário argentino de Mar del Plata, graças a uma frente formada pelos presidentes Lula, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Evo Morales, apoiados por outros líderes sul-americanos diante de um atônito George Walker Bush e de seu aliado, o mexicano Vicente Fox, ex-gerente da Coca Cola com um grande bigode.
A tese da ALCA pode ser recriada com outro nome. É possível que a Marina, FHC e a inteligência neoliberal reciclem o projeto?
Tudo me leva a pensar que o projeto norte-americano de integração hemisférica comercial, de eliminação de barreiras, de sanção de um sistema de leis que privilegiam suas multinacionais etc continua em vigor. É preciso prestar atenção na Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile).
Entendo que os Estados Unidos se preparem para retomar essa proposta em caso de a Marina ganhar. Porque suas posições sobre política externa refletem as aspirações se setores empresariais, de banqueiros e grandes meios de comunicação que demonstraram certa saudade da dependência colonial.
Com Marina voltaremos ao passado anterior ao encontro de Mar del Plata?
A candidata parece estar muito aberta a essas ideias. Mas o interessante é que ela não está sozinha.
No seu entorno, se expressa esse espírito anterior à reunião de Mar del Plata. Eu me refiro ao professor André Lara Rasende, ao professor Eduardo Giannetti da Fonseca, à senhora Maria Alice Setúbal (Banco Itaú). Além disso, me parece natural que depois do primeiro turno (5 de outubro) se somem outras pessoas com pensamento similar e que hoje estão junto do candidato Aécio. Estou falando o professor Armínio Fraga, do professor Pedro Malán.
DILMA REELEITA
O senhor acredita que, apesar da subida de Dilma, a Marina será a futura presidenta?
Não, pelo contrário, acredito que, apesar de toda esta comoção, a presidenta Dilma será reeleita. Acredito que, ao longo destes dois meses, as ideias da ex-senadora vão ficar em evidência.
Neste caso, quais seriam os objetivos de sua política externa em um segundo mandato?
Em primeiro lugar, deve-se mencionar que sua política externa não teve diferenças coma de Lula, apesar de Dilma não ter o mesmo estilo de fazer política externa. Trabalho para reforçar os BRICS, impulsionou o banco dos BRICS, foi firme a favor da entrada da Venezuela no Mercosul, apesar de os Estados Unidos terem manifestado abertamente seu interesse em substituir o governo venezuelano, postura que encontra eco na grande imprensa brasileira, no FHC e nos dirigentes tucanos
No segundo mandato, a presidenta deveria ter como objetivo reduzir a vulnerabilidade externa do país, a dependência de capitais especulativos para o pagamento da dívida e tudo isto cria um círculo vicioso que aumenta as taxas de juros. É falso, é um mito que as taxas sobem para combater a inflação.
Ou seja, as alianças diplomáticas devem continuar, mas são necessárias mudanças na estratégia econômica internacional?
Sim, e está completo o comentário dizendo que em um segundo governo a presidenta Dilma terá que trabalhar para diversificar nosso comércio exterior, para reduzir nossa vulnerabilidade comercial devido ao crescimento das exportações de produtos primários cujos preços não somos nós quem decidimos. Quando digo diversificar penso em base para reforçar exportações industriais porque o Brasil corre o risco de seguir rumo a uma especialização regressiva na produção agropecuária e mineral, acompanhada de uma contração do setor industrial, aliada a uma atrofia de sua capacidade tecnológica.
Junto do ex-chanceler Celso Amorim e do assessor Marco Aurélio Garcia, Pinheiro Guimarães integrou a troika responsável por planejar de diplomacia com sotaque nas relações Sul-Sul aplicada entre 2003 e 2010. Premissas que “tiveram continuidade a partir de 2011 durante o mandato da presidenta Dilma Rousseff, que adotou medidas muito corretas sobre o Mercosul e contra a Inteligência norte-americana no escândalo da NSA, e resistiu às pressões para a compra de aviões de guerra norte-americanos”, afirmou Pinheiro Guimarães.
No programa de governo apresentado uma semana atrás por Marina, foram formuladas propostas em alguns casos antagônicas às dos governos de Dilma e Lula, além de formular críticas enredadas ao que define como uma diplomacia “ideologizada” e “partidarizada” durante as três gestões petistas.
Embaixador, estamos diante do risco de serem restaurados princípios diplomáticos que dominaram a segunda metade dos anos 90?
Considero que a candidata Marina Silva encarne a anulação do progresso conquistado nestes 12 anos. Ela e os setores que representa buscam outro modelo de inserção internacional. Um pensamento que se traduz no propósito de enfraquecer o Mercosul com o pretexto de torná-lo aberto ao mundo.
Será o fim de qualquer aspiração de uma diplomacia independente?
Até agora, a única vez que escutei Marina falar de independência foi para mencionar a independência do Banco Central (risos).
Washington aposta em Marina ou Aécio?
Não estou em Washington para dizer o que pensam. Agora, há interesses dos Estados Unidos que foram prejudicados durante os governos de Lula e Dilma, e é claro que o candidato de que mais gostavam era o Aécio.
A Embaixada norte-americana adotou um perfil muito discreto nas eleições, mas isso não deve se confundir com o fato de estarem alheios ao que acontece. Quando o Aécio fica fora do jogo, os Estados Unidos se inclinam para a Marina, por pragmatismo e porque ela representa o oposto ao PT. Além disso, é alguém sem quadros próprios e, segundo dizem, tem bons contatos nos Estados Unidos, e que demonstrou estar aberta para desmontar o Estado, reduzir sua capacidade e autonomia internacional. Interessa aos Estados Unidos que o Mercosul sejam desmontado e que projetos da era tucana sejam retomados, não nos enganemos: nestas eleições, está em jogo a retomada do processo privatizador, parcial ou total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
Como a Marina implementaria esse desmantelamento do Mercosul?
Avalio que possa começar com a eliminação da cláusula que obriga os países do Mercosul a negociar conjuntamente acordos de livre comércio com outros blocos. Este ponto, que até agora não conseguiram derrubar, é uma cláusula que vem desde o Tratado de Assunção (assinado em 1991, na formação do Mercosul).
E depois de terminada esta limitação, o que aconteceria?
Uma vez eliminada essa cláusula, o caminho estará aberto para a assinatura de acordos do Brasil com a União Europeia, sem a participação dos outros quatro integrantes do Mercosul. Mas se a cláusula continuar em pé, seria igualmente perigoso um pacto entre todo o Mercosul e a União Europeia. E essa negociação, que já se iniciou mas avança lentamente, provavelmente será acelerada durante o governo de Marina.
Quais consequências um acordo com a UE traria?
Muitas, uma delas é a redução considerável das tarifas [de importações] industriais europeias afetando nossas fábricas. Defendo faz tempo que esta aproximação, que agrada os economistas da Marina, é o passo inicial rumo ao fim do Mercosul.
Vou resumir assim: a assinatura de um acordo entre os dois blocos significará uma extraordinária vantagem para empresas europeias que poderão exportar para cá sem que cobremos taxas, enquanto não haverá grandes benefícios para os exportadores sul-americanos.
E acrescento que se este acordo acontecer, afetará outra instituição fundamental do Mercosul, que é a Tarifa Externa Comum, fixada para terceiros países. Se isto acontece, a união aduaneira é pulverizada, qualidade central do Mercosul. E uma vez que chegarmos à hipotética assinatura do pacto de livre comércio com os europeus, os Estados Unidos reaparecerão.
De que maneira?
Os meios e os grupos de interesses brasileiros que se sentirem representados pela Marina só falam de um acordo com a União Europeia por oportunismo, pela boa imagem dos europeus, que seriam maravilhosos, educados, que nos abririam as portas do primeiro mundo. Uma retórica para ocultar que o acordo será prejudicial para nós. Quem quiser saber o que nos espera com esse acordo que pergunte aos gregos e aos espanhóis como a velha Europa é tratada.
Agora tudo isso nos leva ao começo desta conversa, que são os Estados Unidos. Por quê? Porque uma vez assinado o pacto UE-Mercosul, no outro dia, Washington vai querer igualdade de condições comerciais que europeus conquistaram, exigindo de nós um acordo de livre comércio. Os Estados Unidos nunca se esqueceram do espírito da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).
MAR DEL PLATA, NOVEMBRO DE 2005
No começo da década passada, FHC sancionou Pinheiro Guimarães por ter se oposto publicamente à assinatura da ALCA, que seria enterrada durante a Cúpula das Américas, celebrada em novembro de 2005 no balneário argentino de Mar del Plata, graças a uma frente formada pelos presidentes Lula, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Evo Morales, apoiados por outros líderes sul-americanos diante de um atônito George Walker Bush e de seu aliado, o mexicano Vicente Fox, ex-gerente da Coca Cola com um grande bigode.
A tese da ALCA pode ser recriada com outro nome. É possível que a Marina, FHC e a inteligência neoliberal reciclem o projeto?
Tudo me leva a pensar que o projeto norte-americano de integração hemisférica comercial, de eliminação de barreiras, de sanção de um sistema de leis que privilegiam suas multinacionais etc continua em vigor. É preciso prestar atenção na Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile).
Entendo que os Estados Unidos se preparem para retomar essa proposta em caso de a Marina ganhar. Porque suas posições sobre política externa refletem as aspirações se setores empresariais, de banqueiros e grandes meios de comunicação que demonstraram certa saudade da dependência colonial.
Com Marina voltaremos ao passado anterior ao encontro de Mar del Plata?
A candidata parece estar muito aberta a essas ideias. Mas o interessante é que ela não está sozinha.
No seu entorno, se expressa esse espírito anterior à reunião de Mar del Plata. Eu me refiro ao professor André Lara Rasende, ao professor Eduardo Giannetti da Fonseca, à senhora Maria Alice Setúbal (Banco Itaú). Além disso, me parece natural que depois do primeiro turno (5 de outubro) se somem outras pessoas com pensamento similar e que hoje estão junto do candidato Aécio. Estou falando o professor Armínio Fraga, do professor Pedro Malán.
DILMA REELEITA
O senhor acredita que, apesar da subida de Dilma, a Marina será a futura presidenta?
Não, pelo contrário, acredito que, apesar de toda esta comoção, a presidenta Dilma será reeleita. Acredito que, ao longo destes dois meses, as ideias da ex-senadora vão ficar em evidência.
Neste caso, quais seriam os objetivos de sua política externa em um segundo mandato?
Em primeiro lugar, deve-se mencionar que sua política externa não teve diferenças coma de Lula, apesar de Dilma não ter o mesmo estilo de fazer política externa. Trabalho para reforçar os BRICS, impulsionou o banco dos BRICS, foi firme a favor da entrada da Venezuela no Mercosul, apesar de os Estados Unidos terem manifestado abertamente seu interesse em substituir o governo venezuelano, postura que encontra eco na grande imprensa brasileira, no FHC e nos dirigentes tucanos
No segundo mandato, a presidenta deveria ter como objetivo reduzir a vulnerabilidade externa do país, a dependência de capitais especulativos para o pagamento da dívida e tudo isto cria um círculo vicioso que aumenta as taxas de juros. É falso, é um mito que as taxas sobem para combater a inflação.
Ou seja, as alianças diplomáticas devem continuar, mas são necessárias mudanças na estratégia econômica internacional?
Sim, e está completo o comentário dizendo que em um segundo governo a presidenta Dilma terá que trabalhar para diversificar nosso comércio exterior, para reduzir nossa vulnerabilidade comercial devido ao crescimento das exportações de produtos primários cujos preços não somos nós quem decidimos. Quando digo diversificar penso em base para reforçar exportações industriais porque o Brasil corre o risco de seguir rumo a uma especialização regressiva na produção agropecuária e mineral, acompanhada de uma contração do setor industrial, aliada a uma atrofia de sua capacidade tecnológica.
- Darío Pignotti (@DarioPignotti)
Créditos da foto: Agência Brasil
06/09/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/103139?language=en
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