Análise de conjuntura - Setembro de 2005

28/09/2005
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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL Conselho Episcopal de Pastoral - 17ª Reunião Brasília DF 27 a 29 de setembro de 2005 Análise de conjuntura - Setembro de 2005 - Não é documento oficial da CNBB - Apresentação A mídia consagra horas e páginas à crise política, novela que a cada capítulo atrai um público ávido de escândalos. Nos bastidores deste espetáculo, estão os que continuam apostando no jogo do mercado financeiro, cuja estabilidade é louvada por aliviados comentaristas. Nesta Análise buscaremos ver mais claro o que representa essa estabilidade da economia, a apresentação da crise política pela mídia e seus efeitos nos setores populares organizados em movimentos e no seu principal conduto político, o PT. Apontaremos também a grave crise que se anuncia nas relações internacionais entre ricos e pobres. Concluiremos com uma breve notícia sobre a questão da terra indígena Raposa Serra do Sol e uma apreciação mais alongada sobre os últimos acontecimentos no Congresso Nacional. A desigualdade social no Brasil O estudo intitulado " Eqüidade e Desenvolvimento " , há pouco divulgado pelo Banco Mundial, fala da " armadilha da desigualdade " no país. Dos 129 países incluídos na pesquisa, o Brasil ocupa o 125º lugar e que tem mecanismos que perpetuam essa situação. Oportunidades desiguais persistem de geração a geração, pois os fatores raça, região de nascimento, educação dos pais e ocupação paterna reproduzem as condições de discriminação da grande massa da população. O estudo encontrou no Brasil poucos fatores e mecanismos atuando no sentido contrário, de integração entre ricos e pobres. Alguns avanços notados pelo Banco Mundial foram a implantação do programa Bolsa-Escola no governo FHC, ampliado com o Bolsa-Família no governo Lula. O Banco constata que não há como aumentar impostos para subsidiar os pobres, já que a carga tributária é uma das mais altas do mundo (36 % do PIB). Aqui, o relatório cai num silêncio hipócrita, pois essa arrecadação vai primeiro para os titulares da dívida pública e só o que sobra tem destino social. Como nota o relatório, o Estado é eficiente ao taxar o conjunto da população para quitar seus débitos, mas em vez de transferir recursos dos ricos para os pobres, subsidia os ricos. O estudo elogia os municípios com orçamento participativo, que aplicam mais recursos em serviços que afetam os pobres. Mas esta ainda é uma prática administrativa pouco difundida e com recursos de pequena monta. O Banco Mundial defende ampliar acesso dos pobres aos serviços de saúde, à educação, ao emprego e à terra. Mas os senhores da terra, que detém o poder econômico, ocupam os bastidores do poder executivo, legislativo e judiciário, criando e mantendo mecanismos financeiros e legislativos que garantem seu comando e suas vantagens. É o que o Banco Mundial chama " armadilha da desigualdade " . Segundo seu economista-chefe, o desenvolvimento requer clima favorável para investimentos no país e concessão de poderes econômicos e sociais para os mais pobres. Sem políticas que reduzam as desigualdades e melhorem a distribuição de renda, o Brasil não conseguirá superar a pobreza. Em outras palavras, conclui que não basta haver crescimento econômico, pois o mercado por si só não reduz as desigualdades sociais. Ricos e Pobres nos 60 anos da ONU Para celebrar seus 60 anos, a ONU promoveu uma assembléia especial, para confirmar a realização dos " Objetivos de Desenvolvimento do Milênio> " , reformar as estruturas da ONU, ampliar o Conselho de Segurança e promover a defesa dos Direitos Humanos. Foi grande a mobilização de preparação, pois a Cúpula era uma oportunidade de defender o multilateralismo em favor da paz, essencial para lutar contra a pobreza. A partir de um considerável trabalho de consulta, em março de 2005 mais de 1.000 peritos apontaram os caminhos concretos para alcan çar as previstas para 2015. Uma rede agrupando 900 organizações de mais de 70 campanhas nacionais, de todos os países pressionava seus governos, repetindo " chega de promessas; é tempo de agir ". Em agosto, porém, o presidente Bush nomeou um ' falcão ' como embaixador na ONU e ele fez centenas de emendas, desfigurando inteiramente o texto inicial e produzindo um novo texto. Assim, o que devia ser um importante compromisso internacional para atingir os desafios do desenvolvimento sustentável, promover a segurança e os direitos humanos e reformar a ONU, foi esvaziado. O documento final de 36 páginas está cheio de generalidades e ambigüidades. Houve disputas sobre quais palavras utilizar para condenar o terrorismo. É terrorismo a resistência de um povo ocupado por um exército estrangeiro? O compromisso, feito há 30 anos e nunca realizado, dos países ricos de dedicar 0,7% do seu PIB para a ajuda aos países mais pobres, ficou no ar. A promessa feita pelo G8 de anular a dívida multilateral de 18 países ficou suspensa, dependendo de decisão do FMI e Banco Mundial. O comércio deve ser ' livre ' ou ' justo'? Ponto tão importante, em particular para os mais pobres, foi remetido à decisão da OMC em dezembro. Era importante para a ONU ampliar o Conselho de Segurança para poder cumprir melhor sua missão de paz. Brasil, Índia, Japão e Alemanha queriam um assento permanente; Nigéria e África do Sul também, para representar a África. Não houve acordo entre os seis candidatos. Os EUA e a China se opuseram. Só houve um acordo para substituir a atual Comissão dos Direitos Humanos (que se reúne apenas 6 semanas por ano) por um Conselho permanente dos DH, mas não foram definidas suas modalidades (mandato, funções, tamanho, composição e método de trabalho). Os representantes da sociedade civil, decepcionados pela mediocridade do texto final, organizaram uma encenação em praça pública. Dez homens - Bernardo entre eles - elegantemente vestidos atuavam como goleiros, enquanto crianças, mulheres, estudantes e ativistas tentavam marcar gols com bolas trazendo os objetivos de cortar a pobreza e a fome, promover a igualdade dos gêneros, saúde e educação, proteção do meio ambiente, etc. Os homens, representando os lideres do mundo, bloqueavam todos os chutes, impedindo a realização dos objetivos do milênio em 2015. Crise na Política e estabilidade na Economia Para entender esse paradoxo, vamos analisar a crise sob dois aspectos: as tendências da economia brasileira (sempre elogiadas) e seu divórcio (de conveniência) com a política. Isso permitirá entender melhor os bastidores da crise política espetacularizada pela mídia e suas conseqüências para a sociedade brasileira, principalmente os pobres. Tendências da economia brasileira A economia brasileira vai relativamente bem, se a comparamos com tempos passados. Não é apenas uma propaganda do governo, como dizem certos críticos, mas uma constatação. O problema continua sendo, é claro, para quê e para quem ela vai bem. Há sinais positivos de crescimento, embora menor que a média mundial e de nossos vizinhos da América, devido à drenagem de reservas pelo cumprimento de seus compromissos (financeiros) externos. Em termos das transações por atacado e interindustriais, o Brasil tende claramente para a deflação (queda de preços) ainda que inferior a 1%. Para o comum dos mortais, a notícia da deflação pode soar desconcertante e irreal: os preços ao consumidor continuam crescendo, ainda que a taxas menores. Nesta situação, perde sentido o pretexto oficial de que os juros devem continuar altos para deter a inflação. Enfim, o poder público está conseguindo arrecadar mais. De Janeiro a Agosto de 2005, arrecadou 6,2% mais que em igual período de 2004. Comparados agosto e agosto, em 2005 se arrecadaram 9,1% mais que em 2004. Não parece haver dúvidas de que a sonega> ção (que segue alta, maior que a média mundial) está sendo reduzida. Medidas de unificação, coordenação e racionalização da Receita certamente ajudaram. Enfim, o governo garante o pagamento dos juros, embora altíssimos. O divórcio (de conveniência) entre economia e política O relativo sucesso da atual política econômica parece dar razão a quem separa a economia da política. Para estes, a política é uma atividade senão indecorosa, pelo menos interesseira: só os " políticos " - que, mostram as pesquisas, pouco merecem a confiança da população - fazem " política " . Estamos diante de um pensamento único que descarta os questionamentos como emocionais ou irrealistas " . Até mesmo cidadãos eleitos por terem prometido criar alternativas autônomas, equânimes, participativas e populares, devem se render à razão de PhDs que afirmam ser " inexistente " uma alternativa viável à economia comandada pelo mercado mundializado. Em plena crise política gerada pelas denúncias de corrupção, o Brasil lança no Exterior - com êxito - títulos de sua dívida pública em Reais. Coisa impensável anos atrás. Ainda não estamos como os Estados Unidos, que se endividam na sua moeda nacional em centenas de bilhões, é verdade, mas algo novo está acontecendo. O mercado se sente seguro no Brasil apesar da crise política, ou será por causa dela? O capital financeiro internacional considera ser rentável emprestar ao Brasil recebendo o pagamento em Reais. Certamente, está bem seguro de seu poder aqui dentro. Fragilizada a principal força de contestação à política econômica por ele imposta na última década e reforçada pelos acordos com o FMI, o capital financeiro não se abala com as intempéries no Congresso e no Poder Executivo, pois a ele basta a estabilidade no Ministério da Fazenda e no Banco Central. E isso, no dizer de seus intelectuais, não é fazer política... A espetacularização da crise e a sociedade organizada O maior dano que a mídia pode fazer à opinião pública em país de frágil cultura política democrática, não é necessariamente a mentira, mas o foco: a seleção, o ocultamento e a desqualificação de focos alternativos. Revistas como " Carta Capital " , que informam as elites dirigentes, empresariais ou intelectuais, têm a liberdade de focalizar a corrupção endêmica, apontando como em governos anteriores ela superou em termos quantitativos a atual. Já a TV e os jornais destinados ao grande público não fazem o mesmo. Os fatos relatados pela mídia podem até ser verdadeiros, mas acusações ainda não verificadas são lançadas no ar e divulgadas, criando idéias que dificilmente se desfazem. Fala-se, com razão, da " espetacularização " da atual crise política. Mais que os fatos, cuja investigação merece toda seriedade, buscam-se eventos capazes de produzir sempre novas sensações. O povo torna-se espectador da desilusão nacional, escandalizado mas impotente diante do espetacular desfile de políticos sem decoro e sem ética. Quem resiste a essa posição tem pouco mais do que o "grito dos excluídos " como espaço onde superar o silêncio e exercer o poder de ter vez e voz. Os Movimentos Sociais como força renovadora Há hoje nos movimentos sociais duas tendências contraditórias: por um lado, burocratizam-se e institucionalizam-se, perdendo a capacidade de mobilização e formação de seus quadros e de suas bases. Por outro lado, para além da atual crise política, os movimentos sociais apostam hoje no processo de mobilização de massa como força renovadora para o país. A necessidade de interpretar a atual conjuntura e buscar saídas, os tem direcionado a uma ampla articulação em torno da discussão de um novo projeto de desenvolvimento nacional. Um mutirão de debates sobre a superação do neoliberalismo pode apontar caminhos de solução para os reais problemas do povo brasileiro. Já se fala, por exemplo, no neodesenvolvimentismo como projeto de reforma econômica dentro do modelo capitalista. Esta aposta vem mobilizando a maioria dos movimentos urbanos, movimentos do campo, pastorais e organizações em geral, deixando vislumbrar-se uma nova ascensão dos movimentos de massa no Brasil. Esta capacidade de ascensão encontra-se na autonomia e na crítica dos movimentos sociais e das pastorais em relação ao governo e em relação aos partidos políticos. Neste contexto situam-se as recentes ocupações do MST, manifestações do MTD (movimento dos trabalhadores desempregados) e do movimento estudantil. O grito dos excluídos já se tornou uma marca das comemorações do Dia da Pátria, lembrando que o Brasil precisa olhar para o futuro do seu povo. Essa conjuntura de crise política e ascensão dos movimentos sociais afetou a própria organização da 4ª Semana Social Brasileira em seu momento nacional. Sua realização nas comunidades cristãs, paróquias e dioceses sofreu o peso da conjuntura política, que dificulta a viabilização de propostas novas, mas, em reação contra o desalento e decepção com a política, despertou a responsabilidade das forças sociais e reavivou os objetivos de suas lutas. Isso refletiu-se na nova forma da SSB em nível nacional, que favorecerá a discussão sobre um projeto nacional e a construção de uma plataforma comum de lutas e compromissos, a partir da Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil, em Brasília, nos dias 25 a 28 de outubro, reunindo 10 a 13 mil pessoas. Fruto do processo da 4ª Semana Social Brasileira e da Campanha Jubileu Brasil este evento tem a intenção de desencadear um amplo processo de posicionamentos frente ao momento atual do país, agregando num documento unitário e propositivo para a sociedade brasileira as reflexões feitas nas semanas sociais e nas iniciativas de diversos movimentos sociais. Tendo em vista a ampla participação de todos os estados e uma significativa representação das Igrejas e movimentos sociais a Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil deverá produzir um impacto positivo na opinião pública e nas esferas do governo, bem como poderá ser um marco importante na retomada da organização e da participação popular nos rumos do país. A Crise do Partido dos Trabalhadores A história política brasileira confunde-se com a história da hegemonia das elites tradicionais cujo poder foi constituído a partir da propriedade da terra e transmitido pela linhagem familiar, de base eminentemente local e regional. Só após os anos Vargas, com a centralização do poder na máquina estatal, esta se tornou objeto de disputa daquelas elites, por ser condição de dominação sobre os setores sociais periféricos. A legislação eleitoral de 1946, que em essência permanece até hoje, resulta do pacto entre as elites modernizantes dos estados industrializados e as elites tradicionais, com o objetivo de controlar a ascensão política dos novos segmentos urbanos. Como já foi mostrado na análise de conjuntura de junho, esse sistema favorece o clientelismo e mesmo a corrupção, devido às relações de interdependência entre os poderes executivo e legislativo. Ele dificulta também o acesso de novos atores sociais ao espaço político, na medida em que o conduto normal para esse acesso - o partido político - fica sob o controle de grupos que decidem quem será ou não candidato nas eleições. Diante desta estrutura política onde poucos conseguem entrar, os setores populares organizados em movimentos, sindicatos, associações, comunidades e pequenos grupos optaram por criar um partido próprio, capaz de representá-los efetivamente diante do Estado. Para isso contaram com a ajuda de intelectuais e, mais importante de tudo, dos movimentos sindicais. Assim nasceu, há 25 anos atrás, o Partido dos Trabalhadores, reconhecido também por seus adversários como um partido diferente dos demais, tanto por uma firmeza ideol> ógica que beirava a teimosia (não aceitou a Constituição de 1988, expulsou quem votou em Tancredo Neves, rejeitou a aliança com Ulysses Guimarães...) quanto por sua intransigência nas questões referentes à ética no trato da coisa pública. O importante a observar é que os setores sociais organizados em movimentos sociais, apresentando-se como a " sociedade civil " aglutina-se em torno a projeto social e político que se caracteriza mais por ser contra a dominação de uma elite que se constituiu no Brasil Colônia, no Império e sobrevive nas várias formas de República, do que por suas proposições. Estas são as mais variadas e não há consenso no horizonte. Pode-se dizer que são propostas " de esquerda " se entendermos essa categoria como faz N. Bobbio: tomar a igualdade (e não a hierarquização) social como valor. Neste sentido, na medida em que ganhou vulto, o PT tornou-se o principal representante desta " esquerda " brasileira, mas esta já existia muito antes do partido e pode sobreviver sem ele. Razão pela qual não faz sentido pensar que a crise do governo e do partido sejam a crise da sociedade organizada. Ela tem sua autonomia, ela antecede ao PT, ela tem sua própria utopia. Ela pode ter perdido momentaneamente seu canal partidário, mas a sua utopia continua de pé: agir rumo à desconcentração do poder, de modo que seja possível a participação da não-elite na política, construindo um Estado aberto às necessidades da maior parte da população brasileira. A questão político-partidária hoje colocada é se o PT ainda pode ser o conduto político desse projeto de mudança que aglutina as forças renovadoras da sociedade civil. É certo que as denúncias de corrupção abalaram a confiança dos militantes nos antigos dirigentes, mas a crise não se deve tanto a essas denúncias, quanto ao fato do Campo Majoritário - grupamento interno que de fato conduzia o Partido de forma não-democrática - ter recorrido a meios ilícitos para manter o controle do Partido. A inusitada participação de militantes nas últimas eleições internas do PT mostra o vigor da sua reação, levando os candidatos do Campo Majoritário a disputar o segundo turno, ou mesmo derrotando-os já no primeiro turno. Aqui uma nova divergência " racha " a esquerda: um grupo de petistas autênticos, com importante atuação no Partido desde sua fundação, acaba de anunciar seu desligamento do Partido. Os que têm cargo eletivo estão se transferindo para o P-Sol ou outras legendas, e os que não têm, dizem que continuarão atuando nos organismos da sociedade civil. Mas outros petistas autênticos, com ou sem mandato, afirmam que continuarão dentro do PT, por acreditarem que ele ainda representa o mais adequado conduto de expressão política para um projeto de mudanças estruturais no Brasil; basta que seja internamente redemocratizado, de modo a expressar os anseios das bases e não a vontade de poder de seus dirigentes. Notícia da Homologação de Raposa Serra do Sol Quatro dias antes do início da festa organizada pelos indígenas para comemorar a homologação de Raposa Serra do Sol , homens encapuzados e armados atearam fogo no Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, antiga Missão Surumu, em Roraima. Duas pessoas ficaram feridas e foram destruídas a igreja, o hospital, a biblioteca, uma sala e quartos dos professores, além da casa dos missionários que moravam no local. A Polícia Federal, que já instaurou inquérito, previa a possibilidade de reação dos fazendeiros e indígenas contrários à homologação da terra e organizou uma operação para garantir a tranqüilidade dos festejos. A Presidência da CNBB enviou carta de solidariedade a D. Roque Paloschi, bispo de Roraima, manifestando seu repúdio contra este ato de vandalismo e reafirmando seu apoio à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Como se sabe, desde o anúncio da determinação do governo de proceder à homologação, muitos protestos foram organizados por vários grupos antiindígenas liderados por rizicultores. Apesar da violência a que mais uma vez foram expostos, os indígenas mantêm a programação da festa para comemorar a homologação daquela terra indígena, com concursos de arte, disputas esportivas, orações e rituais, lançamento de livros e cds, forró e apresentações musicais na comunidade de Maturuca. A festa também acontecerá em outras comunidades de Raposa, nos dias 25 de setembro e 1º de outubro. O que vai pelo Congresso Nacional As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) As CPIs contra a corrupção surgiram durante a crise em que vive o País. Os jornais do dia 13.09.05 noticiam o centésimo dia da crise, tomando como referência a matéria da Revista Veja, sobre a corrupção dos Correios. Aquela denúncia desdobrou-se na denúncia do " mensalão " - a compra de voto de parlamentares - provocando uma crise que tomou conta do Parlamento. O seu foco central está instalado no Legislativo, mas se estende às empresas estatais, aos partidos políticos, sobretudo ao PT. O núcleo da crise está no dinheiro recebido por parlamentares, através do esquema de Marco Valério, o empresário acusado de ser o operador do Mensalão. Seria para saldar débitos de campanha conforme justificam os deputados? Qual a origem do dinheiro? Quem financiou as monumentais campanhas eleitorais, regadas a sofisticado " marketing " ? Quem são os corruptores? O depoimento do dono do Banco Opportunity que poderia revelar a origem do dinheiro, foi de pouco proveito, pois nem ele se dispôs a abrir seu sigilo fiscal e bancário, nem os parlamentares - salvo uma senadora - o forçaram a isso. A conseqüência mais grave é a desqualificação do Congresso Nacional, explicitando a falta de " decoro parlamentar " dos seus membros. A avaliação dos cem dias da crise, no entanto, revela que o seu rastro atinge muito mais que o Parlamento, como um " furacão " no mundo da política: No Governo: a queda do Ministro José Dirceu da Casa Civil; a perda de status de Ministro de Luiz Gushiken; pesquisas de opinião mostram forte queda de confiança em Lula e sua provável derrota numa reeleição; a saída do vice-presidente José Alencar do Partido Liberal... No Congresso: a cassação do deputado Roberto Jefferson; o relatório da CPI dos Correios sugere a cassação de 18 parlamentares (de diversos partidos), dos quais dois já renunciaram ao mandato; a renúncia melodramática do presidente da Câmara, acusado de receber propina. No Partido dos Trabalhadores (PT): os membros da direção do Partido são instados a deixar o cargo: o presidente José Genoino; o secretário Geral Silvio Pereira, o tesoureiro Delúbio Soares; o secretário de Comunicação Marcelo Sereno. Esta situação criou uma verdadeira paranóia política: uma onda de denúncias de corrupção, nem sempre comprovadas, mas alimentada pelo sensacionalismo da mídia, invadiu o panorama nacional. Explicitou a corrupção sistêmica do Brasil. A população acompanha com perplexidade o desenrolar da trama da corrupção, centralizada nos próprios órgãos públicos e/ou nos partidos políticos. Para apurar a verdade dos fatos, o Congresso Nacional montou três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Cada CPI tem 180 dias de prazo para apresentar os resultados: 1. A CPI dos Correios: investiga o esquema de corrupção nos Correios, mas apura também o suposto "mensalão " . Funciona com membros do Senado e da Câmara. Foi instalada no dia 09.06. Ouviu cerca de 50 depoimentos e quebrou o sigilo bancário, fiscal e telefônico de cerca de 100 pessoas (físicas e jurídicas). 2. A CPI do Mensalão - da " Compra de votos " investiga acusações de compra de votos de parlamentares. Funciona com membros da Câmara e do Senado. Foi instalada no dia 20.07. Ouviu 26 depoimentos e quebrou o sigilo bancário, fiscal e telefônico de 102 pessoas (físicas ou jurídicas). 3. A CPI dos Bingos: investiga o uso de casas de bingo para a prática de crimes de lavagem de dinheiro. Deve apurar o caso Waldomiro Diniz. Funciona com membros do Senado. Foi instalada no dia 29.06. Quebrou o sigilo bancário fiscal e telefônico de 45 pessoas. Lei de Reforma Política A crise não se resolve com as cassações e renúncias. É preciso aprimorar a democracia fazendo uma Reforma Política que garanta estruturas estáveis. Essa Reforma tem dupla face: a reforma das instituições políticas, com o aperfeiçoamento da democracia representativa, e a reforma da cultura política pela democracia participativa. No campo institucional, estão em tramitação no Congresso Nacional alguns projetos de lei. Para que tenham vigor nas eleições de 2006, estes projetos de lei devem ser votados até o final de setembro. A grande pergunta: o Congresso, no momento, tem força moral para fazer por si mesmo para uma real Reforma Política? Alguns destes projetos em tramitação: a) Projeto de lei n. 2.679/03. Já foi votado na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Institui o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, a lista preordenada, o estabelecimento da fidelidade partidária e o fim das coligações nas eleições proporcionais. O relator destaca o financiamento público para a transparência das campanhas eleitorais:Quem receberá o dinheiro será o partido e não o candidato. Com isto a fiscalização será mais efetiva, pois os tribunais regionais eleitorais e o TSE poderão exercer controle direito sobre as despesas de campanha. Cada eleitor poderá saber o valor que cada partido recebeu e como aplicou os recursos, e isso é fundamental para o regime democrático. De fato, o Projeto está parado. b) Projeto de Emenda Constitucional - n. 446/05 O Projeto de lei do deputado Ney Lopes amplia até o dia 31 de dezembro de 2005 o prazo para aprovação e vigência de leis aplicáveis no processo eleitoral de 2006. O argumento do autor é que: o Congresso Nacional ocupa-se, no momento, da apuração de varias denúncias, não sendo possível, no breve espaço de tempo que nos separa do final de setembro, a votação de importantes projetos em tramitação, relativos a matéria eleitoral ou partidária. Os fatos, entretanto, estão a exigir uma posição do Poder legislativo, pois é público e notório que o ano de 2005 está sendo marcado por grave crise política que afeta as instituições democráticas do país, e está a demandar alterações legislativas aperfeiçoadoras do sistema político.Este Projeto conseguiu admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. c) Projeto de Lei do Senado, n. 275/05, do senador Jorge Bornhausen.São orientações e regulamentação para o sistema de financiamento das campanhas eleitorais e para os meios de comunicação no período eleitoral. Votado no Senado, está agora em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Diz a relatora Deputada Iriny Lopes: " As alterações sugeridas neste Projeto são superficiais e não lidam com o problema principal - o financiamento de campanha e a fidelidade partidária, mas avança em outros pontos . d) Projeto de Lei n. 4.718/05, a partir da Proposta de Fábio Comparato. Regulamenta o art. 14 da Constituição Federal, em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular. Os artigos 2o. da proposta original reza o seguinte: A soberania popular é exercida, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular, pelo voto universal, obrigatório e secreto, com valor igual para todos" . O deputado Roberto Freire, como relator, mudou as suas orientações originais, criando impasses ainda não solucionados. O Projeto está paralisado na Câmara. Está marcada para o dia 27/09 uma reunião entre o senado e a Câmara para considerar os Projetos sobre a Reforma Política em tramitação na perspectiva das eleições de 2006. No campo da Participação da sociedade civil, duas iniciativas estão em curso: a) O Movimento Pró-Reforma Política com Participação Popular Surge no ano de 2004, a partir de uma proposta formulada pelo Fórum da Cidadania de Santos-SP.Este Movimento motivou a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Política com Participação Popular, na Câmara dos Deputados, com a presença de Deputados e lideranças da Sociedade Civil - da OAB, CNBB, CBJP, CONIC, INESC, FENARJ e outras. Suas premissas são: . O país necessita, com urgência, de uma Reforma Política, condição indispensável para o seu aprimoramento democrático; esta Reforma não pode ficar restrita ao Congresso Nacional. . O Movimento propõe uma ampla mobilização popular com o objetivo de se definir um consenso mínimo sobre algumas questões básicas para uma Reforma Política voltada ao interesse público. . O processo para garantir uma ampla e democrática Reforma Política não pode e não deve ser interrompido, mesmo que o Congresso Nacional aprove questões pontuais para as eleições de 2006. b) Iniciativa - sob o título " DA INDIGNAÇÃO À AÇÃO> " Esta campanha, liderada pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz, prevê três momentos: 1. Levar um abaixo assinado à Câmara dos Deputados, solicitando o adiamento do prazo constitucional para apresentar propostas válidas para a Reforma Política nas eleições de 2006 (Cf. PEC do deputado Ney Lopes). Já chegaram milhares de assinaturas. 2. O movimento insiste na urgência da refundação do sistema político, numa reconstrução republicana, através de processo assumido pela sociedade; para tanto, promover audiências públicas, a partir de um levantamento de tópicos para o debate da Reforma Política, como processo metodológico para um assumir coletivo; 3. Finalmente, apresentar ao Congresso as propostas de Reforma Política. Não há consenso entre os juristas sobre a alteração da Constituição. A reação contrária da OAB foi imediata; outros juristas a aceitam em situação especial e específica. A OAB Nacional criou, na mesma linha, um Movimento pela Moralidade do processo eleitoral para acompanhar a reforma política. Projeto sobre o aborto - Estatuto do nascituro A Comissão Tripartite - para revisão da legislação punitiva sobre a interrupção da gravidez - terminou sua tarefa. No entanto, o anteprojeto está num impasse: Quem o apresentará ao Congresso como Projeto de lei? O Executivo não aceitou fazê-lo. A deputada Jandira Feghali, integrante da Comissão, se propõe a assumi-lo em nome pessoal, mas há reação de membros do Legislativo. O Presidente da Câmara mandou sustar a entrega do anteprojeto da Tripartite. A grande imprensa está interpretando o impasse como conseqüência da carta do Presidente Lula à CNBB. Há suspeita " maliciosa " de que a decisão do Presidente Lula representaria tentativa de barganhar o apoio da CNBB, neste momento complexo do governo.Volta à tona a argumentação do estado laico como postura de neutralidade e independência em relação às concepções religiosas. Dentro do mesmo assunto, dois Projetos de lei estão sendo encaminhados: a) sobre um possível plebiscito sobre o aborto, até outubro de 2007. Isto caso o anteprojeto da Tripartite ganhe espaço (dep. Osmânio Pereira). b) projeto que dispõe sobre o Estatuto do Nascituro, elencando todos os direitos a ele inerentes, na qualidade de criança por nascer (dep. Elimar Máximo Damasceno). Foi criada na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar em Defesa da Vida. Referendo do desarmamento O presidente do Senado promulgou o decreto legislativo que convoca um Referendo, no dia 23 de outubro, para a população decidir se deseja abolir o comércio de armas de fogo e de munições no Brasil. Nessa ocasião, ele insistiu na importância do Referendo para uma cultura de paz e citou dados significativos: morrem no Brasil, todos os dias, 104 pessoas assassinadas por arma de fogo; 63% dos homic ídios que acontecem no Brasil são cometidos com arma de fogo. Apresenta dados da Unesco, segundo os quais 550 mil pessoas foram vítimas dessas armas, no Brasil, entre 1979 e 2003. Destas vítimas 206 mil tinham entre 15 e 24 anos de idade; entre cada três jovens que morreram, um foi por ferimento a bala. A Campanha ganhou espaço na opinião pública. Percebe-se, no entanto, que aumentam as matérias publicadas com objeções fortes ao conteúdo do Referendo (cf. artigo da dep. juíza Denise Frossard - os danos da proibição de armas " ). A CNBB tem sido consultada a respeito, uma vez que a Campanha da Fraternidade deste ano assumiu a participação no referendo, pela proibição do comércio de armas e munições, como um gesto concreto em favor da paz. Nova Lei de estrangeiros Está aberto à consulta pública o anteprojeto de nova Lei de Estrangeiros, elaborado pelo Poder Executivo. O prazo para apresentar propostas e emendas se encerra no dia 30/09. Este anteprojeto a ser enviado ao Congresso deve merecer muita atenção de nossa parte porque aí estão implicados aspectos que preocupam à missão, ao trabalho em terras indígenas. Muitos grupos, especialmente na área de mobilidade humana, estão estudando e fazendo observações. Contribuíram para esta análise Pe. Antônio Abreu, Pe. Bernardo Lestienne, Ir. Delci Franzen, Pe. Ernanne Pinheiro, Lúcia Avellar e Pe. Thierry Linard. Pedro A. Ribeiro de Oliveira, Professor licenciado da Universidade Católica de Brasília
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