Desvio de rota: o privado aterrissa no público

19/01/2015
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Quando argumentos não valem ou não são entendidos, porque contrapostos ingênua ou cinicamente por outros de sentido contrário, resta adicionar contraprovas de estudiosos e da experiência de outros países.

A nova equipe econômica do governo Dilma II só é nova na nomeação, como todos sabem, mas velha de ideário. Não foi coincidência ou à toa que o ministro da Fazenda veio da iniciativa privada. Uma mão lava a outra.

Pelo ideário conservador a medicina para o doente econômico aos cuidados públicos costuma ser a mesma para o tratamento privado. Como se a enfermidade fosse a mesma e os cuidados também. Austeridade fiscal, juros altos, câmbio nas mãos de importadores e exportadores tanto de bens e serviços quanto de capital, cortes de gastos aqui, ali e acolá.

Não adianta rebater que a inflação está alta. Como alta, se ficou dentro da meta de 2014? Nem que o déficit em conta corrente se elevou. Movimento que faz parte do setor externo especialmente numa conjuntura internacional recessiva de um lado, Zona do Euro, e com sinais tímidos de recuperação, de outro, nos Estados Unidos.

Tampouco que falta recursos para compor o caixa, daí elevar tributos. Como as políticas públicas necessitam prioridades, onerar setores, quaisquer que sejam, especialmente os de bens de consumo e duráveis, para não mencionar bens de capital, tende a piorar as vendas, reduzir as compras industriais, provocar desinvestimentos, desemprego, e assim por diante.

Keynes e Kalecki devem estar se estrebuchando em seus túmulos. Um inglês e um polonês, ideologias distintas, liberal e socialista, mas sabedores de que é o investimento que leva à poupança e não ao contrário como os adeptos da austeridade querem, entre eles o FMI, o Banco Central Europeu e o reduto alemão.

Não adianta, portanto, puxar o freio de mão da economia, mais que o carro aguenta, porque a derrapagem sempre vem. Quiçá a batida. O pior é que a nova velha equipe econômica sabe disso, mas não dá importância, finge não ver, parece que “levyta” acima do bem e do mal, de gregos e troianos.

Com a palavra o Nobel de economia, Joseph Stiglitz, em artigo publicado no El País neste último domingo, 18. Diz ele que “na maioria dos países da União Europeia, o PIB per capital é menor ao de antes da crise. Uma meia década perdida se converte rapidamente numa década inteira perdida” – tradução livre.

Mais “por trás das estatísticas, as vidas arruínam-se, os sonhos desvanecem-se e as famílias se desintegram – que chega à depressão em alguns lugares – ano após ano”. Tudo isto, completa o economista, é um “sofrimento auto-infligido devido a um conjunto sem precedentes de más decisões econômicas”.

As políticas de austeridade na Europa, país a país, foram mal aplicadas. Os resultados estão aí para mostrar. Previsões mal feitas pelos responsáveis da cantilena conservadora e condução às cegas, sem prioridades. Boeing sem freios.

O caso da Grécia, por exemplo, lembrado também por Stiglitz, país que está mais endividado hoje do que em 2010. Por que? Porque o “impacto fiscal da austeridade prejudicou a produção”. Quatro anos se passam e o receituário míope não conseguiu melhorar a vida do povo grego, embora tenha ajudado a recuperação de boa parte do sistema bancário do país.

Ao final, Stiglitz adverte: “se a Europa não mudar a sua maneira de operar a economia, reformando o euro e recusando a austeridade, uma reação popular será inevitável”. Se até ele concorda que o povo pode se rebelar, imaginem como as coisas estão bem difíceis nesses países.

Enquanto isso, o dever de casa no nosso parece ser o mesmo que conseguiu nota zero na Europa! Parece porque as medidas ainda não foram totalmente levadas ao público. Apenas alguns poucos terríveis balões de ensaio.

Entre eles, regras mais rígidas para concessões de direitos sociais, tipo seguro/-desemprego, pensões por morte e auxílio-doença. A proposta é reduzir vantagens com a meta de economizar R$ 18 bilhões anuais.

Corte em subsídios bancados pelo Tesouro Nacional, por exemplo, o IPI para carros, linha branca e material de construção. A taxa de juros de longo prazo (TJLP), por outro lado, aumentou de 5% para 5,5% ao ano e deverá continuar neste ritmo daqui para a frente.

Ainda no mesmo tema, as tarifas de energia elétrica deixarão de ser subsidiadas pelo Tesouro Nacional, quando as contas de luz devem ficar entre 30% a 40% mais caras em 2015.

A taxa oficial de referência de juros, Selic, depois das eleições que subiu de 11% para 11,25%, depois para 11,75%, deverá emplacar 12,25% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

No setor público propriamente dito todos os ministérios terão de cortar 30% de suas despesas de custeio, diante da meta de economizar R$ 1,9 bilhão por mês. Inclusive os do lado social, como Saúde e Educação.

Por último, mas não menos importante, comenta-se ressuscitar a CIDE, a contribuição sobre combustíveis, bem como aumentar a alíquota do PIS e da Cofins sobre essa mesma base de arrecadação.

No frigir dos ovos, um pacote, uma caixa, um envelope, o que seja, de conteúdo amargo. Não que uma ou outra medida não fosse eventualmente aceita pela população, tipo a CIDE, cujos recursos devem se dirigir para investimentos públicos. A medida pode ser contestada, sim, por que não é unanimidade. O problema é que o destinatário final não vai gostar nem um pouco pelo conjunto da obra.

Pelas medidas, o conjunto da obra, então, pretende acertar as contas do governo. Além disso, propiciar um ambiente confiável e saudável para os investimentos voltarem, os empregos aparecerem e a vida voltar a ser feliz, sem medo de ser feliz. Não é isso?

Só que esqueceram de avisar à população em geral que vai arcar com os aumentos dos tributos, aos trabalhadores que irão se esbarrar em desemprego, aos empresários que irão decidir se continuam a aplicar em papéis financeiros ou enfrentam novos projetos de investimentos, aos exportadores nacionais que vão encontrar créditos e financiamentos mais caros, etc., etc., etc.

Não adianta dizer que as medidas de austeridade serão seletivas porque a economia é um organismo que funciona com todas as suas partes, se algumas delas se alteram, o reflexo chega ao conjunto. Depois uma vez alteradas o resultado final, em geral, é como uma bola de neve, ninguém segura. Só o sistema bancário que pode ganhar muito com isso tudo, mesmo em desvio de rota.
 
- José Carlos Peliano é Economista, colaborador da Carta Maior.
 
 
 
19/01/2015
 
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