Parlamento branco comprova que “mentira cívica” não foi desfeita

22/09/2014
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TSE/Inesc
 
Em 13 de maio de 1997, o senador Ab­dias do Nascimento se dirigiu à tribuna não para comemorar, mas para denun­ciar a “mentira cívica” que completava 110 anos. O descontentamento do par­lamentar com a Abolição da escravidão estava expresso na realidade da popula­ção negra, concentrada nos extratos mais marginalizados da sociedade.
 
“De escravos passaram a favelados, meninos de rua, vítimas preferenciais da violência policial, discriminados nas es­feras da justiça e do mercado de traba­lho, invisibilizados nos meios de comu­nicação, negados nos seus valores, na sua religião e na sua cultura”, denunciou.
 
Abdias, destacado intelectual e artista, foi senador da República pelo PDT repre­sentando o estado do Rio de Janeiro em duas oportunidades. Primeiro, de 1991 a 1992 e, mais tarde, de 1997 a 1999.
 
Poucos negros ocuparam o Congresso Nacional na sequência, como demons­trou levantamento feito pela ONG Trans­parência Brasil em 2013. Naquele ano, somente 55 (10,7%) dos 513 deputados federais eram negros. Já no Senado, o número era ainda menor. Apenas três (3,7%) em 81 parlamentares.
 
A luta política dos negros sempre foi rebaixada e tratada como um sintoma da incapacidade pessoal de lidar com as di­ficuldades da vida. No discurso histórico, Abdias aludia que toda denuncia de dis­criminação racial da qual é vítima faz o negro ser taxado de “complexado”, “res­sentido” ou “perturbado mental”.
 
A presidenta do Geledés Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro, recorda que inúmeros embates foram necessá­rios para a desconstrução dessa men­talidade.
 
“A minha geração trabalhou pelo me­nos três décadas para desmitificar a de­mocracia racial. A elite nos dizia: ‘Nós dizemos que não tem racismo e vocês fingem que acreditam e tudo vai dar certo enquanto esse acordo permanecer’. Esse acordo está rompido, de tal maneira que o racismo já não precisa mais ser hipócrita ou sutil. Ele é explí­cito”, reflete.
 
Conflito racial
 
Para Sueli, os casos de racismo contra jogadores de futebol e a violência que vi­tima jovens negros são exemplos de co­mo a intolerância racial já não pode mais ser disfarçada.
 
“Vocês são a geração que vai enfren­tar a dimensão mais truculenta dessa lu­ta. É isso que os aguarda: o conflito ex­plícito, o conflito direto. E o nosso temor enquanto velha geração de militantes era saber se tem gente para segurar esse ro­jão, se temos organização política para fazer esse enfrentamento.”
 
O discurso lúcido de Sueli se dirigiu ao grupo de jovens presentes na plenária de campanha do professor Douglas Bel­chior, que disputa uma vaga na Câmara dos Deputados pelo estado de São Pau­lo. Com o lema “Um preto no recinto”, a atividade reuniu, no último dia 20 de se­tembro, lideranças da nova e antiga ge­ração para refletir sobre a necessidade de candidaturas surgidas do seio de organi­zações negras. Juninho Palmarino foi in­dicado como deputado estadual, também por São Paulo.
 
A possibilidade de construção de uma nova sociedade a partir da via eleitoral costuma gerar acalorados debates entre membros do movimento social organiza­do. Reginaldo Bispo, do Movimento Ne­gro Unificado (MNU), sempre foi resis­tente a essa opção, mas considera o atual momento político do país extremamen­te delicado, o que torna necessário a pre­sença de porta-vozes comprometidos com as demandas sociais.
 
“Uma Boate Kiss a cada dois dias sem que se sensibilize nenhum poder, ne­nhum segmento de importância que de­cide qualquer coisa... é preciso que a gen­te tenha uma voz que chame atenção, unifique esse discurso para que a gente vá para cima e mude essa realidade”, de­clarou Bispo.
 
O ativista se refere à comoção gera­da na opinião pública pela tragédia na qual morreram 242 jovens em decor­rência de um incêndio em um salão de baile. Ao mesmo tempo, segundo Bispo, pouco destaque é dado aos jovens ne­gros que são assassinados diariamente nas periferias.
 
- Jorge Américo, de São Paulo (SP)
 
23/09/2014
 
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