A economia política da sucessão presidencial

10/09/2014
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Economia política trata – se­gundo uma linguagem de compreen­são geral – das questões da produ­ção e repartição do “bolo” econômi­co entre diversos grupos e classes so­ciais de um país determinado. Pres­supõe alianças de poder econômico e poder político para repartir a ren­da social, para o que conta principal­mente com o manejo dos meios re­gulatórios, tributários, orçamentá­rios e monetários que o Estado mo­derno detém em sua íntima relação com os mercados.
 
Na atual campanha presidencial, vêm se delineando – de forma de­clarada ou implícita – estratégias de economia política dos três princi­pais candidatos presidenciais, segundo as pesquisas eleitorais, que uma vez decifradas pelos eleitores, pro­vavelmente gerariam muito mais in­quietação que generosa preferência e adesão. Vou me restringir a dois as­pectos muito relevantes na reparti­ção do bolo econômico, que de cer­ta forma exprimem a relação capital trabalho no processo político, com direta incidência sobre a repartição da renda social: o trato da riqueza fi­nanceira, da riqueza fundiária e dos direitos sociais no debate sucessório.
 
Aos três candidatos principais – Dilma, Marina e Aécio - parece ‘na­tural’ que os proprietários da rique­za financeira e da riqueza imobiliá­ria (urbana e rural) continuem a usu­fruir benesses pela posse desses ati­vos, tanto mais elevados quanto mais ricos forem, cada vez mais isentos de responsabilidades sociais. Nenhum deles, nos seus programas publica­dos, cogita estabelecer limites ou condicionalidades à concentração do capital e do dinheiro nas mãos dos detentores dessas riquezas. Ao con­trário, banqueiros, usineiros e em­preiteiros comparecem como gran­des doadores de campanha de todos os candidatos principais e graciosa­mente ocupam um lugar de destaque prévio nas estratégias programáticas.
 
A bem da verdade, é preciso dizer que os dois candidatos mais cotados nas pesquisas eleitorais – Dilma e Marina – fazem e prometem o cami­nho inverso do que se deveria espe­rar no jogo democrático: mais con­centração econômica e privilégios para os do andar de cima, com o que condicionam o que fariam aos direi­tos sociais com sentido claramente residual. O terceiro candidato, Aécio Neves, seguidor assumido do recei­tuário neoliberal, critica a forma “es­tatizante” de garantir os privilégios econômicos, isentos de responsabili­dade social, mas não o sentido dessa estratégia, que seguiria com mais li­berdade aos mercados.
 
Dois exemplos concretos ilustram o jogo sucessório. No primeiro caso, a candidata Dilma continuaria sua política de produção de novos milio­nários e bilionários com recursos pú­blicos (do sistema BNDES, do Sis­tema Nacional de Crédito Rural, do sistema Petrobras e do sistema Ele­trobras), ainda bafejados por deso­nerações de contribuições sociais, de que tanto se jacta. Nenhuma condi­cionalidade social e ambiental à ex­ploração excessiva de recursos natu­rais, que é o caminho perseguido co­mo eixo do crescimento econômico que persegue no seu governo, diga-se de passagem – com insucesso evi­dente para fazer o ‘bolo” crescer.
 
No segundo caso, Marina da Silva, que não estando no governo, apres­sa-se em anunciar a concessão de in­dependência ao Banco Central, re­tirando das mãos de Aécio Neves o bastão neoliberal, para uma mano­bra que os mais experimentados ope­radores da política econômica, como o ex-ministro Delfin Neto, conside­ram absolutamente desnecessária.
 
O ordenamento jurídico do Ban­co Central brasileiro confere de fa­to e de direito uma irresponsabilida­de absoluta ao Banco Central, segun­do os critérios da Lei de Responsabi­lidade Fiscal, para criação de dívida pública nova, inexistente por exem­plo no Banco Central norte-america­no. A isso e a todas as prerrogativas de um Banco Central – de fiscaliza­ção do sistema financeiro, de contro­le e aplicação das reservas externas, de gestão do câmbio, de gestão da moeda e principalmente de produção da taxa básica de juros, que remune­ra os detentores da dívida pública – dona Marina promete absoluta inde­pendência em relação aos cidadãos brasileiros. Estamos falando de mais de 2 trilhões de Dívida Pública Inter­na; de Reservas internacionais da or­dem de 350 bilhões de dólares e da fiscalização do imenso patrimônio do sistema financeiro, que a candida­ta propõe independentes do contro­le do Estado.
 
Observe-se que, com a estratégia de novos milionários e bilionários alavancados pelos recursos públicos, da candidata Dilma ou com a estra­tégia neoliberal de Marina e Aécio, sobram às políticas sociais e aos di­reitos sociais e às exigências de con­dicionalidades que incidam sobre o direito de propriedade – a função so­cial e ambiental da propriedade fun­diária, por exemplo, um lugar abso­lutamente periférico e residual. Saú­de, Educação, Previdência Social, As­sistência Social e Reforma Agrária etc., enquanto direitos sociais one­rosos ao Estado ou regulamentáveis pela aplicação dos critérios constitu­cionais têm lugar subalterno na eco­nomia política da sucessão. E as con­dicionalidades do Estado democráti­co para a posse e propriedade de re­cursos naturais, que são mandamen­to constitucional, somem nos pro­gramas dos candidatos, até mesmo no da ambientalista Marina. Isto tu­do, sob obsequioso silêncio da gran­de mídia e dos três principais presi­denciáveis.
 
O meu limite físico chega ao final neste artigo. Mas não a perplexida­de com os rumos que nos esperam, a prevalecer o jogo político sucessório que ora está desenhado.
 
- Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela Unicamp e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
 
10/09/2014
 
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