Ideologia estimula falsa rixa entre Mercosul e Aliança do Pacífico
27/08/2014
- Opinión
Em que pesem a reconfiguração geopolítica mundial em direção à multipolaridade, no plano político, e o enfraquecimento das iniciativas globais de liberalização comercial, no econômico, a ideologia pró-livre-comércio segue pautando uma série de analistas e observadores do atual processo de integração na América do Sul.
Para esses críticos, o subcontinente perde tempo ao retardar processos de união alfandegária, tendo empecilhos como o Mercosul, marcado pelos conflitos entre os seus maiores integrantes, o Brasil e a Argentina. Em contraponto, se regozijam ao exaltar a Aliança do Pacífico, bloco lançado em 2012 por Chile, Colômbia, México e Peru, e que avançaria mais rapidamente rumo a um projeto de abertura comercial.
No entanto, ao olhar de dois personagens centrais para o atual processo de integração sul-americana, o marco comercial é estreito demais para orientar as reais necessidades comuns de países como Brasil e Chile. Essa é a avaliação, por exemplo, de Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República, influente conselheiro tanto do ex-presidente Lula quanto da presidenta Dilma.
“Há a celebração ideológica do livre-comércio no momento em que ele não tem a importância que a ele se atribui”, diz Garcia, historiador e professor da Unicamp, ao falar em seminário sobre as relações Brasil-Chile organizado pelo Instituto Lula e parceiros no último dia 26, em São Paulo.
Do encontro, também participou o diplomata chileno Edgardo Riveros, subsecretário de Relações Exteriores do novo governo da presidenta Michelle Bachelet. Também ele defendeu um projeto de integração que articule temas para além do comércio, como o fortalecimento institucional da Unasul, a integração da infraestrutura de transportes, novas facilidades para o trânsito de pessoas e mais colaboração sanitária.
Não que o tema do comércio já esteja resolvido. Entretanto, os avanços já obtidos são extensos. Segundo Riberos, como o Chile é membro associado do Mercosul, seu comércio com o Brasil já está “liberado” em um patamar mais elevado do que o que se negocia entre o bloco do Cone Sul e a Aliança do Pacífico.
Diante disso, a velha ladainha sobre livre-comércio parece frágil frente aos desafios colocados para a região. “Embora reconheçamos as diferenças culturais, modos de viver, paisagens e climas, aos olhos do mundo formamos uma unidade. Isso é uma vantagem porque nos dá identidade e peso específico, mas também gera é tarefa, porque precisamos avançar nas iniciativas de integração”, afirma o diplomata chileno.
Para Riveros, a aproximação dos países sul-americanos, através da Unasul, lançada em 2008, e a definição de séries de projetos de infraestrutura regional, entre rodovias e ferrovias interligando o Atlântico ao Pacífico, tendem a estimular uma concertação entre os países que permitirá maior ressonância no âmbito internacional.
“Na ONU já se discutem os objetivos para os próximos 20 ou 30 anos. Se não fizermos pressão em conjunto, se não tivermos uma visão comum para assuntos como segurança ou mudanças climáticas, temo que fiquemos de fora da nova agenda de desenvolvimento”, afirma ele.
Barão do Rio Branco
Ao rememorar os primórdios da nova política externa brasileira iniciada com Lula, Marco Aurélio Garcia lembrou que o então presidente eleito, mas ainda não empossado, visitou o Chile em dezembro de 2002. No Palácio de La Moneda, sede do governo do país, ocorreria um primeiro “diálogo premonitório, de que nós não vamos pedir suas tarifas, mas nós temos de pensar em formas de cooperação que transcendam a questão comercial”.
Essa reorientação da política externa brasileira, que favoreceria a morte da Alca, em 2005, seria necessária, na visão de Garcia, para inserir a América do Sul no mundo multipolar como um bloco integrado. Para essa proposta, um foco na questão no livre-comércio apenas seria desagregador, uma vez que beneficiária o Brasil, com sua economia complexa, mais do que outros países da região, de limitada pauta exportadora.
Como inspiração histórica para as mudanças, Garcia cita o Barão do Rio Branco, que foi ministro das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, sobrevivendo a quatro presidentes da República. Em 1909, ele lançou as bases do Pacto ABC (oficialmente Pacto de Não Agressão, Consulta e Arbitragem), que viria a ser assinado em 1915 por Brasil, Argentina e Chile.
“Essa proposta não teve eficácia prática, mas repercutiu em outros movimentos de aproximação dos nossos países. Ela apontava para a necessidade de uma ação coletiva dos três países que gerasse uma hegemonia coletiva com repercussão no conjunto da ordem da América do Sul. E hegemonia coletiva significa compartilhamentos de responsabilidades na condução da politica externa”, explica o assessor presidencial brasileiro.
Ele destaca também o fato de que o Pacto ABC atingiria os interesses dos Estados Unidos, em um momento de transição da hegemonia global dos britânicos para os norte-americanos. “A proposta não era antiamericana, até porque o Barão do Rio Branco havia tornado a política externa brasileira pró-EUA, mas teve implicações geopolíticas”, explica ele.
O projeto permaneceu em banho-maria até os anos cinquenta daquele século, quando Getúlio Vargas, no Brasil, Juan Domingos Perón, na Argentina, e Carlos Ibáñez, no Chile, todos presidentes eleitos pelo voto direto, tentaram negociar uma aproximação. Novamente, o ambiente político conturbado de cada país impediria o avanço das negociações.
As décadas seguintes foram de ditaduras militares na região. De cooperação no período, recorda-se a trágica Operação Condor, uma aliança político-militar para coordenar a repressão aos opositores. Mas, com a derrubada desses regimes, seguir-se-iam novas propostas de integração, como o caso do Mercosul, que, além de fundado em 1991 no paradigma ideológico da liberalização comercial, colaboraria para o desanuviamento político entre governos militares.
Décadas se passaram. Para Garcia, um processo de integração precisa reconhecer as mudanças. “Novos atores entraram em cena na América do Sul. Houve processos para novas constituições, justamente porque as instituições anteriores não eram suficientes. O mundo não tem mais a configuração de 20 anos atrás”, diz ele.
Para esses críticos, o subcontinente perde tempo ao retardar processos de união alfandegária, tendo empecilhos como o Mercosul, marcado pelos conflitos entre os seus maiores integrantes, o Brasil e a Argentina. Em contraponto, se regozijam ao exaltar a Aliança do Pacífico, bloco lançado em 2012 por Chile, Colômbia, México e Peru, e que avançaria mais rapidamente rumo a um projeto de abertura comercial.
No entanto, ao olhar de dois personagens centrais para o atual processo de integração sul-americana, o marco comercial é estreito demais para orientar as reais necessidades comuns de países como Brasil e Chile. Essa é a avaliação, por exemplo, de Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República, influente conselheiro tanto do ex-presidente Lula quanto da presidenta Dilma.
“Há a celebração ideológica do livre-comércio no momento em que ele não tem a importância que a ele se atribui”, diz Garcia, historiador e professor da Unicamp, ao falar em seminário sobre as relações Brasil-Chile organizado pelo Instituto Lula e parceiros no último dia 26, em São Paulo.
Do encontro, também participou o diplomata chileno Edgardo Riveros, subsecretário de Relações Exteriores do novo governo da presidenta Michelle Bachelet. Também ele defendeu um projeto de integração que articule temas para além do comércio, como o fortalecimento institucional da Unasul, a integração da infraestrutura de transportes, novas facilidades para o trânsito de pessoas e mais colaboração sanitária.
Não que o tema do comércio já esteja resolvido. Entretanto, os avanços já obtidos são extensos. Segundo Riberos, como o Chile é membro associado do Mercosul, seu comércio com o Brasil já está “liberado” em um patamar mais elevado do que o que se negocia entre o bloco do Cone Sul e a Aliança do Pacífico.
Diante disso, a velha ladainha sobre livre-comércio parece frágil frente aos desafios colocados para a região. “Embora reconheçamos as diferenças culturais, modos de viver, paisagens e climas, aos olhos do mundo formamos uma unidade. Isso é uma vantagem porque nos dá identidade e peso específico, mas também gera é tarefa, porque precisamos avançar nas iniciativas de integração”, afirma o diplomata chileno.
Para Riveros, a aproximação dos países sul-americanos, através da Unasul, lançada em 2008, e a definição de séries de projetos de infraestrutura regional, entre rodovias e ferrovias interligando o Atlântico ao Pacífico, tendem a estimular uma concertação entre os países que permitirá maior ressonância no âmbito internacional.
“Na ONU já se discutem os objetivos para os próximos 20 ou 30 anos. Se não fizermos pressão em conjunto, se não tivermos uma visão comum para assuntos como segurança ou mudanças climáticas, temo que fiquemos de fora da nova agenda de desenvolvimento”, afirma ele.
Barão do Rio Branco
Ao rememorar os primórdios da nova política externa brasileira iniciada com Lula, Marco Aurélio Garcia lembrou que o então presidente eleito, mas ainda não empossado, visitou o Chile em dezembro de 2002. No Palácio de La Moneda, sede do governo do país, ocorreria um primeiro “diálogo premonitório, de que nós não vamos pedir suas tarifas, mas nós temos de pensar em formas de cooperação que transcendam a questão comercial”.
Essa reorientação da política externa brasileira, que favoreceria a morte da Alca, em 2005, seria necessária, na visão de Garcia, para inserir a América do Sul no mundo multipolar como um bloco integrado. Para essa proposta, um foco na questão no livre-comércio apenas seria desagregador, uma vez que beneficiária o Brasil, com sua economia complexa, mais do que outros países da região, de limitada pauta exportadora.
Como inspiração histórica para as mudanças, Garcia cita o Barão do Rio Branco, que foi ministro das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, sobrevivendo a quatro presidentes da República. Em 1909, ele lançou as bases do Pacto ABC (oficialmente Pacto de Não Agressão, Consulta e Arbitragem), que viria a ser assinado em 1915 por Brasil, Argentina e Chile.
“Essa proposta não teve eficácia prática, mas repercutiu em outros movimentos de aproximação dos nossos países. Ela apontava para a necessidade de uma ação coletiva dos três países que gerasse uma hegemonia coletiva com repercussão no conjunto da ordem da América do Sul. E hegemonia coletiva significa compartilhamentos de responsabilidades na condução da politica externa”, explica o assessor presidencial brasileiro.
Ele destaca também o fato de que o Pacto ABC atingiria os interesses dos Estados Unidos, em um momento de transição da hegemonia global dos britânicos para os norte-americanos. “A proposta não era antiamericana, até porque o Barão do Rio Branco havia tornado a política externa brasileira pró-EUA, mas teve implicações geopolíticas”, explica ele.
O projeto permaneceu em banho-maria até os anos cinquenta daquele século, quando Getúlio Vargas, no Brasil, Juan Domingos Perón, na Argentina, e Carlos Ibáñez, no Chile, todos presidentes eleitos pelo voto direto, tentaram negociar uma aproximação. Novamente, o ambiente político conturbado de cada país impediria o avanço das negociações.
As décadas seguintes foram de ditaduras militares na região. De cooperação no período, recorda-se a trágica Operação Condor, uma aliança político-militar para coordenar a repressão aos opositores. Mas, com a derrubada desses regimes, seguir-se-iam novas propostas de integração, como o caso do Mercosul, que, além de fundado em 1991 no paradigma ideológico da liberalização comercial, colaboraria para o desanuviamento político entre governos militares.
Décadas se passaram. Para Garcia, um processo de integração precisa reconhecer as mudanças. “Novos atores entraram em cena na América do Sul. Houve processos para novas constituições, justamente porque as instituições anteriores não eram suficientes. O mundo não tem mais a configuração de 20 anos atrás”, diz ele.
Créditos da foto: Divulgação/Instituto Lula
28/08/2014
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