Grupo Abril faz débitos sem autorização

19/08/2014
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A Empresa Abril S/A, que publica a revista Veja, debitou sem autorização o valor de R$ 209,60 da conta corrente que o jornal Brasil de Fato tem no Banco do Brasil. O editor-chefe e representante legal do periódico, Nilton Viana, gastou mais de uma hora para fazer o cancelamento na agência do banco localizada na Avenida Rio Branco, em São Paulo, onde o jornal tem conta.
 
Viana precisou assinar seis formulários, além de fazer uma carta de próprio punho para evitar o que ele chamou de “apropriação indevida”. Os comprovantes – veja extrato bancário abaixo – demonstram os dois valores debitados indevidamente pela Abril – R$ 104,80, em 20 de junho e R$ 104,80, no dia 21 de julho, na conta do jornal.
 
O editor-chefe do Brasil de Fato classificou o episódio como crime. “O que a empresa que publica a Veja está fazendo é crime, e, provavelmente, alguém do Banco do Brasil está sendo conivente com essa prática”, disse.
 
“Enquanto precisamos de tantas formalidades burocráticas para anular algo que não autorizamos, empresas como as do grupo Abril, ao que tudo indica, fazem esse tipo de transação sem maiores problemas”, acrescentou indignado o representante do jornal.
 
 
 
Segundo nossa reportagem apurou, o caso do Brasil de Fato não é o único. De acordo com uma funcionária da agência do Banco do Brasil, que pediu para não ser identificada, existem outros casos de clientes vítimas deste mesmo processo. Segundo ela, esse tipo de atitude de empresas como a editora Abril são comuns e várias são as reclamações.
 
“Toda essa burocracia para cancelar essas apropriações demanda tempo dos clientes que precisam vir até a agência, além de acarretar muito trabalho para nós funcionários”, relata.
 
Cobranças indevidas
 
O advogado Ney Strozake diz que muitas vezes as empresas, pelo fato de o valor ser pequeno, se aproveitam da distração dos clientes para fazer essas cobranças não autorizadas, que acabam não sendo notadas.
 
“As pessoas, para evitar transtornos maiores, não vão atrás de seus direitos. Mas seria importante, inclusive, uma comunicação ao Ministério Público para que seja aberto um procedimento de investigação da prática da editora Abril”, explicou.
 
O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP, Marco Antonio Araújo Junior, aponta que qualquer cidadão que tiver esse tipo de problema pode acionar o Código de Defesa do Consumidor. De acordo com ele, nesses casos, a lei garante que a instituição faça o ressarcimento ao cliente em duas vezes o valor do débito.
 
“O mesmo pode ser feito em uma compra indevida no cartão de crédito. Nesses casos haverá um processo de impugnação que será discutido depois. Se o banco não conseguir provar e demonstrar quem realizou essa compra, cabe um recurso judicial contra ele”, explicou.
 
Prática é “furto”
 
Além de desrespeitar o Código de Defesa do Consumidor, a prática infringe também a Constituição Federal no que tange ao direito de propriedade de sua conta bancária. De acordo com Strozake, o que houve foi um furto “como se alguém invadisse a sua casa e roubasse a sua televisão” e que é cabível, inclusive, fazer um boletim de ocorrência contra o banco.
 
“Uma conta bancária é sua propriedade como uma casa, um carro, um apartamento. Ela só pode ser movimentada com autorização do proprietário, as cobranças das taxas mensais acontecem porque você assinou um acordo com o banco. O que ocorreu foi um furto na conta corrente patrocinado pela editora Abril e pelo Banco do Brasil”, explicou.
 
Responsabilidade
 
Após ter causado tamanho transtorno, a reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a editora Abril para pedir esclarecimentos. De imediato, um representante da Abril Comunicações ligou para a direção do jornal e assumiu a responsabilidade do ocorrido.
 
Por telefone, ele confirmou que fará a devolução – em dobro – do valor debitado, conforme o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, segundo o representante financeiro do Brasil de Fato, até o fechamento desta edição (18), nenhum valor havia sido ressarcido na conta da empresa.
 
Em nota, a assessoria de imprensa do Banco do Brasil disse que a empresa que contrata o serviço com o banco acolhe a autorização de débito do cliente para o recebimento de uma obrigação, que tem origem numa transação comercial.
 
“Nesta prestação de serviço, a empresa fica responsável pela guarda da autorização de débito, devendo apresentá-la ao banco sempre que houver uma reclamação de não reconhecimento do débito”, esclarece.
 
Débitos não autorizados
 
O débito em conta não autorizado continua sendo a principal reclamação de clientes contra as instituições financeiras, registrada no Banco Central (BC). Em junho, essas reclamações chegaram a 299, com redução em relação a maio (382).
 
Esse número alto pode significar, de acordo com o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP, Marco Antonio Araújo Junior, uma falta de segurança por parte das instituições.
 
“Quando estamos diante de tantos casos de débitos não autorizados, significa falta de segurança e que os bancos não estão investindo o quanto é necessário nessa questão. O que um banco tem que saber é que ele presta um serviço ao correntista e está sujeito ao Código de Defesa do Consumidor. Esse serviço tem que ser seguro e transparente”, afirmou.
 
Araújo também aponta que o consumidor lesado por essa prática pode, inclusive, pedir uma indenização por danos morais ou materiais à instituição financeira. “Caso uma falha de segurança for provada e o banco não devolver o dinheiro, o cliente pode, sim, discutir na Justiça um processo de danos morais ou materiais se caso, por exemplo, ele estiver com um cheque devolvido nesse tempo por conta de uma compra que ele não fez”, analisou.
 
Falta transparência
 
A presidente do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, Juvandia Moreira Leite, denuncia que, por mais que as tarifas aumentem ano após ano, falta transparência nos bancos brasileiros.
 
Juvandia explica que na pesquisa do Banco Central, os débitos indevidos são as principais reclamações, mas há também o problema da dificuldade de fazer a portabilidade de débitos de uma instituição para a outra.
 
“Você não sabe os problemas que cada cliente teve com cada banco antes de contratar um serviço, por exemplo. Uma pesquisa da Proteste, uma associação de consumidores, aponta que 34% dos problemas dos clientes com os bancos acontecem no momento em que as dúvidas são tiradas. Os convênios dos bancos com empresas são legais, mas o correntista precisa dar a autorização para que isso seja consumado”, explicou.
 
Outras reclamações
 
No total, o BC recebeu no mês passado 1.748 reclamações de correntistas consideradas procedentes, com redução de 7,76% em relação a maio e 27,35% na comparação com junho de 2013.
 
Em segundo lugar na lista de principais reclamações está a restrição à portabilidade de crédito consignado, com 160 casos. Em seguida está a cobrança de tarifa por serviço não contratado (141).
 
No ranking de reclamações com resultado ponderado pelo número de clientes por instituição, o banco Santander lidera a lista, com 316 casos. Em seguida vem HSBC (64), Banrisul (21), Itaú (209) e Banco do Brasil (275). Essa lista é dos bancos com mais de 1 milhão de clientes.
 
Nos bancos com menos de 1 milhão de correntistas, a liderança em número de reclamações é do  BMG (195), seguido por BNP Paribas (22), J. Malucelli (13), PanAmericano (26) e Banco Fibra (8).
 
A insatisfação com serviços e produtos oferecidos por instituições financeiras pode ser registrada no BC e as reclamações ajudam na fiscalização e regulação do Sistema Financeiro Nacional. Entretanto, o BC recomenda que a reclamação seja registrada, primeiramente, nos locais onde o atendimento foi prestado ou no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da instituição financeira.
 
Se o problema não for resolvido, o cidadão pode ainda recorrer à ouvidoria da instituição financeira, que terá prazo máximo de 15 dias para apresentar resposta. Os clientes bancários também podem buscar atendimento no Procon e recorrer à Justiça.
 
* colaborou José Francisco Neto
 
19/08/2014
 
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