Por que a indústria e o PIB desabam
11/08/2014
- Opinión
Divulgação / Volkswagen
A fábrica da Volskwagen, em Taubaté (SP). A indústria
automobilística passa por momento complicado
As notícias mais recentes de queda da produção industrial, de 1,53% neste ano (a expectativa anterior era de um declínio de 1,15%), e de um crescimento do PIB de 0,86% (projetava-se um avanço de 0,90%), foram acompanhadas das reações habituais de espanto, indiferença ou sugestões pontuais, quase sempre sob o clima pré-eleitoral.
A falta de uma estratégia clara para a economia, entre governistas e oposicionistas, parece a causa mais provável da dificuldade para relativizar o comportamento dos indicadores. A economia não anda bem, sabe-se, mas não há uma tragédia, como admite a própria oposição. E não se sai disso. A análise concentrada, salvo exceções, em dados de curtíssimo prazo, dificulta avaliações abrangentes. A profusão de informações fragmentadas atordoa. O PIB projetado caiu, mas a previsão para o IPCA (a inflação oficial) deste ano passou de 6,41% para 6,39%, na terceira queda consecutiva, algo "muito raro", segundo o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. As estimativas para a indústria pioraram, mas a produção automobilística, carro-chefe do setor, aumentou 8,6% em julho, após cair 21% em junho. Projeta-se um déficit de 81,45 bilhões de dólares em conta-corrente, diante dos 81,65 bilhões anteriores. A balança comercial encerrou julho com superávit de 1,575 bilhão, frente ao déficit de 1,899 bilhão há um ano. E assim vai.
Se os altos e baixos do ritmo de curtíssimo prazo, importantes para as aplicações financeiras, são de desnortear, a existência de um tendência de declínio, no momento, em relação à indústria e ao PIB, é indiscutível. Cada nova queda atinge um ponto inferior ao da redução anterior, nos dois indicadores. O declínio da produção industrial, de 5,4% no segundo trimestre, foi a maior desde o mesmo período de 2009. Não por coincidência, em junho, a indústria de bens duráveis nacional desabou 24,9% ante maio, a pior queda da série histórica da pesquisa de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 2002.
Os dados da produção industrial de junho do IBGE sugerem que o declínio da economia e da indústria “estariam sob o comando de um inusitado recuo do investimento”, avaliou o economista Júlio Gomes de Almeida, professor da Unicamp. Um fenômeno associado à “baixa competitividade da economia doméstica causada, especialmente, pela prolongada valorização da moeda”, em especial nos anos 1990. “Uma parcela significativa da indústria foi simplesmente devastada. Perderam entre 15% e 25% de produção para o produto importado setores como Máquinas e equipamentos, Vestuário, Calçados e Produtos têxteis. Perdas entre 10% e 15% ocorreram em Informática e produtos eletrônicos, Máquinas e aparelhos elétricos, Metalurgia e Veículos.” Salvaram-se da desindustrialização ou do crescimento vegetativo as indústrias Farmacêutica, de Produtos químicos, Celulose e papel, Alimentos, entre outros. Salvaram-se apenas dois ramos: Perfumaria e produtos de limpeza e Bebidas. No longo e no curto e curtíssimo prazo o panorama industrial não é nada bom e puxa para baixo o dinamismo da economia como um todo.
Ao contrário da China, mobilizada para constituir grandes players industriais como a Huawei, que desbancou a Siemens do posto de fabricante de equipamentos de telefonia do mundo, e dos Estados Unidos, empenhados na reindustrialização do país, a começar pela devastada Detroit, outrora o maior polo mundial da indústria automobilística, o Brasil, na iniciativa privada e no governo, parece não ver a conexão estrutural entre o afundamento da indústria e a quase estagnação do PIB. Mas os números indicadores dessa inter-relação são eloquentes. A queda da indústria arrasta para baixo o PIB e a balança comercial afunda puxada pela manufatura, único setor consistentemente deficitário, como mostram os gráficos. O desprezo pela indústria no Brasil choca também por desconsiderar uma evidência consagrada em inúmeros trabalhos acadêmicos, empresariais e governamentais, inclusive de brasileiros, da dominância dos produtos industriais entre os mais dinâmicos no mundo.
Quase todos reconhecem entre as causas da débâcle da manufatura a valorização do real, mas não há uma soma de esforços para debelar o problema. A Confederação Nacional da Indústria e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo até lembram dos efeitos cambiais, mas se apegam muito mais à agenda do aumento da competitividade, da redução da carga tributária e dos gastos do Estado e da multiplicação de acordos comerciais internacionais. A presidenta da República tem a sua própria lista de pontos. Em debate recente com candidatos na CNI, Dilma Rousseff detalhou a pauta da política industrial do governo: desoneração de tributos, crédito subsidiado, compras governamentais, formação técnica e científica de pesquisadores, recuperação do planejamento, constituição de novos marcos regulatórios, redução da burocracia, parceria com o setor privado no planejamento e na execução de projetos estruturantes. Nenhuma palavra sobre câmbio e juros. Nem os candidatos da oposição encaram de frente esses dois tópicos, tão explosivos quanto importantes. Feitas as contas, não é possível chamar de política industrial a lista de medidas específicas apresentada por Dilma.
Sem enfrentar o nó do câmbio, o principal desafio para recuperar a indústria e retomar um crescimento significativo do PIB, não se sairá da armadilha da desindustrialização e reprimarização e da economia brasileira. O avanço social desde 2002 é significativo, inclusive por redimensionar o mercado, mas é preciso reconhecer a sua vinculação a um momento excepcional de alta dos preços das commodities exportadas pelo Brasil. A ponto de o Bolsa Família ser denominado, pelo economista Ken Loach, “bolsa soja”.
Vários economistas consideram a indústria fora de moda, dado o êxito indiscutível e bem-vindo do agronegócio e ao crescimento do setor de serviços. Um dos exemplos mais mencionados pelo economista Jorge Arbache, entre outros, é o do iPad, com 97% do preço final compostos por serviços (transporte, marketing, estrutura de vendas, etc) e apenas 3% correspondentes ao produto físico. Não parece lhes ocorrer que, na ausência do iPad físico representado por mísero um dígito no preço, não haveria o que propagandear, comercializar, transportar e distribuir. Vista desse prisma, a importância multiplicadora da indústria contemporânea é muito superior à de antes da invenção do computador.
“Desafortunadamente, com o surgimento do discurso da sociedade pós-industrial no cerne das ideias e a crescente dominância do setor financeiro no mundo real, a indiferença em relação à manufatura foi convertida em falta de respeito. A manufatura, argumenta-se com frequência, na nova ‘economia do conhecimento’ é uma atividade de baixa categoria reservada aos países de baixos salários”, diz o economista Ha-Joon Chang.
"Nós caímos no conto de que a manufatura não tinha importância. O Brasil está abrindo mão da sua manufatura, esse é um problema estrutural da economia brasileira e é o maior desafio que o próximo presidente vai ter de enfrentar", afirmou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, na palestra "Diagnóstico da economia brasileira e recomendações para o próximo presidente", na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na segunda-feira, 4.
“A desindustrialização made in Brazil decorre não de um movimento virtuoso de transformação qualitativa da indústria para áreas mais sofisticadas, mas de um processo de desmobilização de elos da cadeia produtiva local, substituída por importações crescentes. É um mito que a indústria brasileira seja muito protegida. Excluídas as exceções de alguns poucos segmentos a alíquota efetiva de importação é das mais baixas dos países do G-20. Tanto é que o déficit da balança comercial de produtos manufaturados praticamente triplicou nos últimos cinco anos”, destaca o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.
Belluzzo vê semelhanças entre a situação do Brasil, com déficit em transações correntes e crescimento baixo e em desaceleração, e a da Inglaterra dos anos 1920. O governo estabeleceu a taxa de câmbio de 4,86 libras por dólar, muito alta em relação àquelas da França e dos Estados Unidos, que desvalorizavam suas moedas. “Keynes viu o problema e recomendou taxas de câmbios fixas, mas ajustáveis. No texto As consequências econômicas de Mr. Churchill, ele diz: 'Você vai destruir a indústria inglesa'. E Churchill realmente destruiu a indústria inglesa”. No Brasil, “estamos ainda nas consequências econômicas de Mr. Cardoso. Foi ele quem fez a primeira “estripulia” de valorizar o câmbio”, apontou Belluzzo, em entrevista ao blog da Associação Keynesiana Brasileira, da qual é patrono e homenageado. A ideia de Keynes, diz o economista, é que você não pode valorizar o câmbio em um mundo supercompetitivo, como o enfrentado agora pelo Brasil, pois a valorização cambial destrói a estrutura industrial nacional. Qualquer recuperação passa pela recuperação e pelo fortalecimento da indústria. Entendo que se trata de um problema estrutural.” Com câmbio valorizado e competição feroz, nada garante, como sugeriu o economista Edmar Bacha em entrevista recente, que “para escapar do pibinho, o caminho é a abertura”.
Apreço ao câmbio valorizado e pouca consideração à indústria são simétricos, como mostra relato de uma reunião entre industriais brasileiros e representantes do governo, seis meses depois da posse do presidente Itamar Franco, em 1992. O diretor do Banco Central, Gustavo Franco, informou a todos que o País tinha uma moeda forte e não sabia. Sugeriu a Jacks Rabinovich, dono da Vicunha, a maior indústria de fibras têxteis do Brasil na época, que fosse produzir tecidos na China, porque era mais barato. E propôs a Hugo Miguel Etchenique (recentemente falecido), dono da maior fabricante de compressores do Brasil, não produzi-los mais aqui, mas na Checoslováquia, pela mesma razão. “Em todos os lugares, exceto no Brasil, os setores-chaves cabem ao empresário local”, disse Rabinovich.
Para quem considera a economia brasileira às portas do inferno, algumas avaliações permitem um alívio. “Não há problemas insolúveis na economia brasileira”, disse o diretor de Pesquisas Macroeconômicas do Bradesco, Octavio de Barros, em palestra a analistas do mercado de capitais na terça-feira 5. "Não estamos aqui olhando para amanhã ou depois de amanhã. Não somos americanos, não queremos resultados em três meses”, afirmou o presidente para a América Latina da Mitsubishi Corporation, Seiji Shiraki, durante o Fórum Econômico Brasil-Japão, na segunda-feira 4. “Nos últimos 12 anos do governo do PT, o PIB [Produto Interno Bruto] cresceu uma média anual de pouco menos de 3%. É um grande número. Para os próximos dez anos não será muito diferente. O Brasil tem uma economia promissora, para ser olhada no longo prazo. Estamos aqui há 60 anos e queremos crescer nas próximas décadas", reiterou Shiraki.
12/08/2014
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