Jurão e pibinho

04/06/2014
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Surpreendeu a muitos analistas de economia a aparente tranqüilidade com que foram tratados os resultados do Comitê de Política Monetária (COPOM), que se reuniu nos dias 27 e 28 do mês passado. É claro que não puderam deixar de comparecer os mais aguerridos defensores dos interesses do financismo, sempre a exigir taxas de juros ainda mais altas e a denunciar a suposta falta de firmeza na condução da política monetária. Apesar da evidência dos prejuízos que seriam provocados por mais uma decisão altista daquele colegiado, alguns órgãos de comunicação não pouparam espaço e tinta em alertar para os riscos de tal fraqueza da equipe econômica.

Essa postura, aliás, tem muito a ver com o tom das intervenções dos candidatos da oposição conservadora no debate econômico. Assessorados por economistas de perfil bem ortodoxo, o discurso beira a inevitabilidade da catástrofe que se aproxima. Alguns “especialistas”, chamados a opinar a respeito das perspectivas para o ano que vem, não escondem seu desejo de promover um endurecimento ainda maior das amarras. “2015 será um ano de arrocho”. “2015 vai exigir muito rigor em medidas ainda mais difíceis”. “2015 será marcado pela dureza das decisões”. E por aí vai. As manchetes pululam ameaçadoras.

Assim, frente a tal quadro, até parece que a decisão do COPOM teria sido “positiva”. A velha estória do bode na sala. Pelo simples fato de os diretores do Banco Central (BC) não terem aumentado pela enésima vez a taxa de juros, parece que tudo até melhorou um pouco. Mas a verdade é que a situação é bem mais complexa do que essa postura de se ficar na expectativa e nas apostas de qual será cor da fumaça a ser expelida ao final de cada reunião.

Brasil: campeão mundial de juros

O fato é que a narrativa da seqüência de encontros e a simbologia de suas decisões até contribuem para essa falsa sensação de flexibilização da política monetária. Porém, nada mais enganoso do que essa interpretação equivocada a respeito dos efeitos esperados. O fato inescapável é que pela primeira vez, desde abril de 2013, o Comitê não deliberou por uma nova alta da SELIC. Ufa! - dirão muitos. E é perfeitamente compreensível essa impressão de desafogo. O que é bem diferente, diga-se de passagem, de um fim do sufoco. Pelo contrário, infelizmente, ainda estamos muito longe disso.

Recuperemos um pouco a memória. Em uma reunião realizada há 14 meses, a maioria dos membros do COPOM resolveu aumentar a taxa de 7,25% para 7,5% ao ano. Ainda que não estivesse assim tão cristalino ainda no momento daquela reunião, tinha início ali uma nova etapa da política monetária, com tendência explícita de arrocho e endurecimento. A partir de então, a cada 45 dias, quando o órgão se reúne de forma periódica e ordinária, passou a haver uma nova elevação subsequente, até atingir o atual patamar de 11% ao ano.
   
Apesar de não ter elevado ainda mais a SELIC dessa vez, o Brasil continua ostentando, de forma vergonhosa, a medalha de ouro no quesito taxa oficial de juros. O mesmo país que hospeda a Copa da Fifa é também aquele que oferece ao mundo o título de paraíso do financismo na terra. E vejam que não existe argumento que se sustente para justificar tal condição, a não ser a força e a capacidade de influência exercida pelos representantes do sistema financeiro junto ao núcleo duro do governo. Todos os demais setores da sociedade são perdedores com tal opção de política econômica. Muitas teses deverão ainda ser escritas a respeito desse complexo e intrigante fenômeno - outra de nossas inúmeras jabuticabas, todas elas genuinamente tupiniquins.

Pibinho em 2013 e 2014

Apesar de todos os alertas feitos por economistas e analistas de várias tendências, o governo - dirigido por um partido que se pretende representante dos trabalhadores - se manteve firme nessa direção. Os resultados de tal tipo de política monetária são muito bem conhecidos. Qualquer manual introdutório de macroeconomia demonstra que a adoção de taxas oficiais de juros elevados tem por efeito a contração da atividade econômica. Aliás, é exatamente para tal objetivo que essa fórmula se apresenta em alguns casos de aquecimento exagerado da atividade econômica. O investimento e o consumo caem. A economia entra em ritmo de recessão. Ocorre que o quadro brasileiro atual está muito longe desse tipo de necessidade. Precisamos da receita oposta! O Brasil quer reencontrar a trilha do crescimento e do desenvolvimento.

Mas como o caminho escolhido foi o do equívoco, não haveria razão para o governo apresentar surpresa e até mesmo indignação com a falta de ação do empresariado na recuperação dos investimentos. O fato é que esse tem sido o resultado colhido desde então. Por exemplo, o crescimento pífio do PIB em 2013, que mal atingiu 2,3%. Já as perspectivas para o ano atual tampouco são promissoras. As projeções apontam para um crescimento inferior a 1,7%. Ora, se a receita adotada é a da ortodoxia e da contração, a atividade econômica responde tal e qual os instrumentos colocados a seu dispor. Não há razão para o Ministro da Fazenda vir a público e reclamar dos resultados.

Além disso, o conjunto se completa com outras formas de implementação das políticas públicas. Um das mais estridentes é a verdadeira complacência do BC e das autoridades governamentais para com a farra dos bancos. Os “spreads” por eles praticados em nossas terras são também os maiores do planeta. Como sabemos, trata-se da diferença entre a taxa que as instituições financeiras remuneram nossos recursos deixados em depósitos e a exorbitância que cobram cada vez que a elas recorremos para solicitar um empréstimo. A diferença é estúpida e brutal, tudo oficialmente divulgado e aceito pelas instituições que deveriam fiscalizar os abusos e defender os interesses da maioria da sociedade.
 
Ocorre que o BC parece mais interessado em defender os abusos da banca e não em promover uma maior equidade entre esse setor todo-poderoso e os demais. Os ganhos fáceis do sistema financeiro são clamorosos: vão desde os custos da conta do cheque especial até as despesas com um crédito para consumo, passando pelos juros de um atraso na conta do cartão de crédito.

Governo colhe o que plantou

Assim, há um conjunto de fatores contribuindo para o baixo desempenho da nossa economia. Dentre eles, o famoso tripé de política econômica é o mais importante, sem sombra de dúvidas. As 3 pernas que o compõem permanecem as mesmas há muitos anos: i) política monetária de juros nas alturas; ii) superávit primário; e iii) política de liberdade cambial. Esse conjunto forma um coquetel explosivo com efeitos deletérios a médio e longo prazos. Juros elevados atraem um enorme fluxo de capital especulativo internacional, em busca da maior rentabilidade financeira do planeta. O governo retira recursos do orçamento da área social e dos investimentos, assegurando valores para remunerar juros e serviços da dívida pública, de maneira que os especuladores não tenham nenhum receio em trazer o capital estrangeiro para cá. Esse ingresso monstruoso de recursos externos pressiona a taxa de câmbio em regime flutuante, provocando uma tendência permanente à valorização de nossa moeda nacional - o real.

Frente a um quadro como esse, não há razão para surpresa. O governo está colhendo exatamente o que tem plantado como política econômica ao longo dos anos. Por exemplo, no primeiro trimestre de 2014 o PIB acumulado não passou 0,2%. O modelo baseado apenas no consumo não foi superado. Houve uma espécie de acomodação fácil e passiva a essa nova conjuntura. Isso significava satisfazer politicamente as novas camadas da população que puderam ter acesso a padrões de vida proporcionados por maior nível de remuneração. Não interessava se o consumo estava lastreado apenas em bens importados, em especial aqueles de origem asiática e chinesa. Não importava se a farra da nova ficção chamada “classe média” se realizava nas idas a Miami, com o deslumbramento da aquisição de produtos importados também ali nos Estados Unidos.

Os resultados associados ao processo de desindustrialização de nosso parque produtivo e o agravamento bilionário de nosso déficit em transações correntes eram sutilmente deixados de lado. O importante era acentuar a melhoria (inequívoca, diga-se de passagem) das condições de vida dos setores da base da pirâmide social e os vultosos números relativos às exportações. O modelo neocolonialista de exportador de produtos primário se reproduzia a olhos vistos e seus limites também. Exportar minério de ferro e produtos do agronegócio em troca da importação de produtos manufaturados de alto valor agregado não é exatamente um modelo que seja sustentável no tempo. As conseqüências estão aí, batendo à nossa porta.

Pois então, estávamos diante de mais um roteiro típico da saga latino-americana, da crônica de mais um desastre anunciado. A fatura começa a ser apresentada sob diversas formas de cobrança. A dupla “Jurão & Pibinho” compõe bem um dos aspectos desse triste cenário de perda coletiva. Um duo caipira que lamenta e chora a breguice e a tristeza da irresponsabilidade da política econômica adotada até aqui.

- Jaciara Itaim é economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.
 
05/06/2014
 
https://www.alainet.org/pt/active/74350
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