O massacre de Carajás continua impune
10/11/2004
- Opinión
No inicio de 1996 centenas de famílias se acotovelavam em
barracos improvisados ao longo da rodovia próxima às
cidades de Curionópolis e Paraupebas, no oeste do Pará.
Era o fim da linha da estrada da Vale do Rio Doce, que
despejava milhares de camponeses pobres vindos de todo
nordeste sonhando com a terra prometida. Uma terra fértil
e abundante, ali diante de seus olhos. Mas cercada pelo
latifúndio. Do outro lado da cerca, um latifúndio de 50
mil hectares.
Cansados de esperar, resolveram que parte deles, em torno
de mil pessoas, sairíam caminhando em direção a Marabá.
Seriam mais de 300 quilômetros de caminhada. E lá foram
eles. Assustado com o volume de gente, de pobres, o
governador Almir Gabriel prometeu que resolveria, que
enviaria cestas básicas e alguns ônibus para transportá-
los até Belém, distante mais de mil quilômetros dali,
onde negociariam uma solução.
Os caminhantes estavam estacionados na chamada "curva do
S", próximo à cidade de Eldorado dos Carajás, quando, no
dia 17 de abril de 1996, veio a "solução" do governo.
Logo após o meio-dia chegaram alguns ônibus. Os
caminhantes acharam que era o que iria transportá-los até
Belém. Os ônibus, no entanto, estavam cheios de
soldados da Policia Militar. Um batalhão veio de
Paraupebas e não deixou que eles voltassem. Outro
batalhão veio de Marabá, e os mil caminhantes ficaram
cercados. De um dos lados os policiais ainda usaram um
caminhão boiadeiro dos latifundiários locais para impedir
que o povo "escapasse".
Antes de sair de seus quartéis, os soldados tiveram o
cuidado de retirar as tarjas da farda que identificam
seus nomes. Os fuzis e metralhadoras retirados do
depósito também não tiveram registro. Tampouco a
munição. Passaram pelo Hospital de Marabá e pediram aos
médicos que ficassem de plantão.
O resultado disso tudo vocês já conhecem pela televisão:
um massacre. Os soldados atiravam como bestas-feras
incontroláveis sobre a multidão de homens, mulheres,
crianças. Pobres. Todos no fim da linha da esperança e
da migração. Era "para dar uma lição a esses sem-terras
vagabundos", gritavam os comandantes alucinados.
Resultado recolhido ao cair da tarde: 19 mortos, centenas
de feridos. Um despero completo. Fala-se em mais mortes,
porque as caminhonetes da polícia saíam em disparada com
as carrocerias carregadas de corpos. Como a região é de
fronteira agrícola e de migrantes - sem família, sem
documentos, muitos distantes de suas origens - , ninguém
saberá jamais o número total de mortos.
A sociedade chorou. O governo se envergonhou. Criou
então o Ministério do Desenvolvimento Agrário e
desapropriou as três fazendas reivindicadas, hoje
transformadas em assentamentos. Mas custaram muitas
vidas.
E os responsáveis pela chacina? Bem, aí é outra
história... O processo judicial foi sendo montado de
maneira tal a não identificar os atiradores. Os mandantes
sim, se sabia o tempo todo. Os responsáveis também. Mas
nenhum deles foi arrolado no processo. Apenas dois
oficiais e 158 soldados foram acusados.
Depois de seis anos, em maio de 2002, veio o júri popular
para julgar os soldados e oficiais. Todos os soldados
foram inocentados (ninguém havia atirado, não havia
provas materiais !). E o julgamento dos oficiais que
comandaram a tropa no ato condenou-os a mais de 200 anos
de prisão. Diante disso, houveram dois recursos: O
Ministério Público e os advogados dos sem-terra
recorreram para condenar tanto os comandantes quanto os
soldados. E os advogados dos oficiais recorreram, para
inocentá-los, porque alegavam que não haviam sido dado
ordens para matar.
Conclusão: até hoje nenhum responsável, ninguém que
participou do massacre de Carajás pagou uma hora sequer
na cadeia. Porém, entre os sobreviventes sem-terra
morreram mais dois, pelas sequelas das balas, e outros 65
ficaram inválidos para trabalhar na agricultura,
aleijados.
Esses recursos finalmente vão a julgamento agora, no
Tribunal de Justiça do Pará, não mais por juri popular,
mas por alguns desembargadores togados. A data é 19 de
novembro, sexta-feira.
Se você acha que o Brasil está cheio de impunidade, se
você acha que a sociedade brasileira exige punição aos
responsáveis por tão hediondo massacre, escreva para a
Presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Maria
Brabo de Souza: rua Tomazia Perdigão, 310 cep 66015-
260 Belem - Pará correio eletrônico
des.maria.brabo@tj.pa.gov.br.
E diga a ela seu sentimento.
O povo e os sem terra só queremos justiça !
* Joao Pedro Stedile, dirigente do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Vía Campesina Brasil
https://www.alainet.org/pt/active/7078
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