Legado social
02/01/2014
- Opinión
Nas campanhas eleitorais de 89, 94 e 98, muitos imaginavam que a posse de Lula como presidente da República, apoiada no PT, nos demais partidos de esquerda, nos movimentos sociais e nos sindicatos de trabalhadores, de onde emergiu a sua liderança política, por si só alavancaria as mudanças econômicas, sociais e políticas necessárias para transformar o Brasil num país livre, soberano, socialmente justo e desenvolvido. Mas isso não depende só do presidente da República e do PT, mas de muitos outros fatores objetivos, como maioria congressual consistente e ampla mobilização popular.
Em 2002, o então Instituto Cidadania elaborou proposta de combate à fome, traçando as diretrizes e as linhas gerais do programa que ficou conhecido como Fome Zero, marca social do governo Lula. Bem antes disso, em1990, no “governo paralelo” de Lula, o saudoso José Gomes da Silva, ex-presidente do Incra e fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), elaborou a primeira proposta brasileira de segurança alimentar, que via não o agronegócio, mas a reforma agrária e a agricultura familiar como eixos estratégicos e sustentáveis na produção de alimentos saudáveis para o abastecimento do mercado interno e a soberania alimentar do país.
O Fome Zero, no início, foi implantado desvinculado da reforma agrária e do então programa de transferência de renda – o Bolsa Escola -, na época gerenciado pelo Ministério da Educação, mas nascido em 1995, em Brasília, no governo petista. Por outro lado, o presidente Lula resgatou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), extinto no governo tucano, que tinha sido criado no governo Itamar por sugestão de Betinho, Dom Mauro Morelli e do próprio Lula.
Em outubro de 2003, o governo corrigiu o rumo inicial criando o Bolsa Família, que unificou, racionalizou e ampliou quatro programas sociais então existentes, deixando de fora, pela sua especificidade, apenas o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), integrado ao Bolsa Família a partir de 2005. No início de 2004, o governo acerta no desenho institucional das políticas sociais ao criar o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), nomeando o então deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), ex-prefeito de Belo Horizonte, cuja gestão obteve merecido reconhecimento.
A nova concepção institucional agregou três importantes políticas sociais: transferência de renda, assistência social e segurança alimentar e nutricional. A gestão do Bolsa Família tem demonstrado que, sem perder a característica do Bolsa Escola, exigindo a contrapartida da frequência escolar, ampliou a sua abrangência e eficácia, incorporando outras condicionalidades, além de evitar fragmentação de ações e dispersão de recursos. Com a nova agenda social, o governo Lula abriu caminho para a inclusão social e ampliou a agenda de combate à fome ao enfrentar também a miséria e a pobreza.
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), implantado em 2005, constitui marca inovadora do governo Lula, ao romper com a cultura clientelista do setor, dando à assistência social status republicano ao transformá-la em política pública – garantidora de direitos - pactuada com os estados, os municípios e o Distrito Federal. O SUAS expandiu os benefícios e serviços socioassistenciais, protegendo as famílias e pessoas mais vulneráveis, sejam crianças, adolescentes, jovens, mulheres, idosos e pessoas com deficiência. Da mesma forma, sancionou-se a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, transformando o direito à alimentação em política pública.
Na educação, a criação do Fundeb ampliou o financiamento para todas as etapas da Educação Básica, do Ensino Infantil ao Ensino Médio. Da mesma forma, estabeleceu-se o Piso Nacional dos Professores, valorizando nacionalmente a carreira do magistério. Junto com o fortalecimento da Educação Técnica e Profissional, foram também criadas novas universidades no interior do país e, com a implantação do Prouni, garantiu-se novas oportunidades de acesso ao Ensino Superior para os estudantes de baixa renda.
O governo Dilma, com o Brasil Sem Miséria, o Brasil Carinhoso, o Pronatec, o Mais Médicos e outras iniciativas, ampliou as políticas sociais a favor dos mais pobres. Ainda há pobreza e desigualdades, mas são inequívocos os avanços sociais, mesmo com taxas mais modestas de crescimento da economia. A abolição da fome, a redução da pobreza e das desigualdades, a proteção e a promoção social, a política de aumento real do salário mínimo e os milhões de empregos formais gerados expressam a mudança de patamar do desenvolvimento social da população brasileira, reconhecido mundialmente.
O Bolsa Família completou dez anos: 40 milhões de brasileiros saíram da pobreza e 22 milhões estão saindo da miséria. O maior legado social do governo Lula, no entanto, continuado no governo Dilma e aqui, no Distrito Federal, seguido pelo governo Agnelo, foi institucionalizar políticas públicas que harmonizam democracia, desenvolvimento e equidade social. É preciso continuar avançando: o Brasil não quer o retrocesso.
Osvaldo Russo é diretor de Estudos e Políticas Sociais da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), foi secretário nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Brasil.
Artigo publicado no Portal EcoDebate em 30/12/2013
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