Por avanços sociais e conquistas democráticas
02/07/2013
- Opinión
“O povo/na rua/derruba a ditadura”. A palavra de ordem dos anos 1970 e 1980 expressava um sentimento crescente na sociedade brasileira – pelo fim do regime militar, retomada das liberdades democráticas (liberdade de expressão, de manifestação, de organização, sindical, partidária, eleitoral, cultural, etc) e melhoria nas condições de trabalho (reajustes salariais, garantia de emprego, respeito à CLT etc) e de vida (investimentos em moradia, saneamento, transportes, saúde e educação) da maioria da população.
Os 21 anos de ditadura militar foram encerrados formalmente com a eleição de Tancredo Neves, em 1985 (que morreu sem assumir o governo), depois de vários anos de “povo na rua” pela anistia, contra a Lei de Segurança Nacional, por liberdade partidária, contra a censura do Estado, por eleições diretas, por creches, postos de saúde, melhores transportes e depois das milhares de greves de trabalhadores de praticamente todas as categorias profissionais. Greves por salários, liberdades sindicais e melhores condições de trabalho. Nesse período nasceram várias centrais sindicais - com ampla participação das bases - e vários partidos políticos. Outros partidos saíram da clandestinidade.
“O povo/na rua” conseguiu interferir fortemente na elaboração da Constituição de 1988, embora as forças conservadoras – os liberais, as oligarquias e a direita – tenham se unido para impedir os avanços políticos propostos pelos trabalhadores e as forças de esquerda. Assim mesmo, a Constituição de 1988 contemplou inúmeras conquistas sociais e democráticas exigidas nas manifestações populares. Várias dessas conquistas não chegaram a ser regulamentadas por leis complementares e outras foram alteradas ou retiradas por emendas constitucionais feitas nos anos de 1990 e 2000, quando as políticas neoliberais passaram a dominar o cenário político brasileiro.
Agora, “o povo/nas ruas” não tem mais o foco na derrubada da “ditadura militar”, mas certamente nos danos causados pela “ditadura neoliberal” e na retomada das lutas por direitos democráticos. O avanço que se pede hoje tem tudo a ver com as demandas democráticas interrompidas na Constituição de 1988 (os direitos não contemplados ou não efetivados posteriormente), nas manobras eleitorais de 1989 (quando o projeto conservador da burguesia colocou Collor de Mello na presidência da República) e nas eleições presidenciais de candidaturas oriundas do campo progressista e de esquerda (FHC, Lula e Dilma), que serviram muito mais para a contenção dos trabalhadores e dos setores populares do que para fortalecer e fazer avançar a luta por conquistas democráticas.
Tanto é que depois da campanha nacional pelo impeachment de Collor, em 1992, que colocou nas ruas amplos setores da sociedade, a começar pela juventude universitária, as últimas manifestações massivas de trabalhadores ocorreram nos protestos contra as privatizações do patrimônio nacional (Companhia Vale do Rio Doce, Banespa, das teles etc), na segunda metade dos anos 1990, durante o governo FHC. Desde então as lutas democráticas foram esporádicas, isoladas, fragmentadas e, na maioria das vezes, aplacadas pela cooptação dos governos.
“O povo/nas ruas” agora não apenas retoma a antiga pauta de reivindicações sociais por melhores condições de vida (transportes, saúde, educação etc), praticamente abandonada pelo modelo econômico vigente, como também faz a crítica feroz aos instrumentos políticos (partidos, sindicatos, centrais sindicais, entidades estudantis) e às instituições (governos, executivos, legislativos e judiciário), que não enfrentaram as iniquidades geradas por um sistema capitalista escandalosamente marcada pelo desrespeito aos direitos fundamentais da cidadania.
O que se pede agora é que esses instrumentos políticos e essas instituições, que se degradaram ao longo desse período e perderam credibilidade na sociedade, não apenas sejam reconstruídos, restaurados e reformados, mas que tenham por base parâmetros verdadeiramente democráticos, que ampliem e aprofundem a participação de toda a sociedade, sem mais exclusões e que não sejam mais simples órgãos de fachada – a abrigar pessoas que não se importam com o país e que estão o tempo todo tratando de seus privilégios e perpetuação.
“O povo/na rua” derruba a indiferença e o comodismo dos instrumentos políticos e das instituições da República. Chama a atenção para uma agenda imediata. Compete ao “povo na rua” demarcar claramente as suas reivindicações sociais e democráticas, assim como avançar na criação de novos instrumentos políticos e forçar a renovação das instituições. Compete às forças políticas de esquerda defender efetivas conquistas das classes trabalhadoras – assim como restaurar e revigorar seus instrumentos de luta. É preciso fazer dessa enorme e importante explosão social um novo patamar de democracia e de qualidade de vida para o povo brasileiro.
A hora é agora. Sem medo de ousar.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.
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