Ventos alísios e pacíficos nas Américas
03/02/2013
- Opinión
A Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, Peru e México) promete para breve tarifa zero para 90 % do comércio relativo aos produtos que os países membros comercializam entre si. Muita conversa nesse sentido ocorreu durante recente fim de semana em Santiago de Chile em paralelo ao encontro de cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC).
Os quatro países latino-americanos miram o mesmo alvo: a China. E voltam os olhos para a Bacia do Pacífico tanto quanto os EUA. Nisso há uma constante movimentação. E certamente não escapará à observação do leitor o quanto Chile, Colômbia, Peru e México se engajaram em acordos bilaterais com os mesmos EUA.
Se não podemos nem devemos falar na Aliança do Pacífico como contraponto já sedimentado enquanto alternativa à UNASUL e ao MERCOSUL; também não devemos desprezar a hipótese de fragmentação subjacente a blocos comerciais que se ofereçam aos EUA como “mais confiáveis”.
Certamente que as vicissitudes do comércio regional patrocinado pelo MERCOSUL virão questionar e obscurecer os evidentes sucessos já obtidos. Para ficar num único exemplo: viramos uma página de incompreensões e maledicências entre Argentina e Brasil nos últimos tempos. Entretanto, há muitas arestas a serem aparadas.
Os principais oposicionistas ao MERCOSUL muitas vezes vem a público declarar o viés político-ideológico do bloco, mas - malquerenças e picuinhas à parte - a grande questão é que o MERCOSUL aspira a uma emancipação regional da tutela norte-americana compatível com as circunstâncias e a observância de que la vida es sueño, como dizia Calderón de la Barca. Nada isso é fácil como podemos observar na recente publicação, da Revista PILQUÉN [1] e na publicação do Fórum Universitário do Mercosul. Este última reflete os trabalhos apresentados por ocasião do seu XI Congresso Brasileiro IV Congresso Internacional, realizado entre 08 e 10 de setembro em Buenos Aires, Argentina (Facultad de Ciencias Sociales y Centro Cultural de Cooperación) .[2]
A cientista política peruana, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dra. Monica Bruckmann - hoje assessora da UNASUL - sintetiza no título de sua tese doutoral os desafios que estão postos na mesa. Diz ela: OU INVENTAMOS OU ERRAMOS.[3]
O que significa dizer que não podemos trilhar os caminhos já percorridos décadas atrás e que apontaram para uma permanente subserviência política no plano internacional.
Para a autora: “As mudanças recentes na América Latina se expressam não apenas em movimentos sociais e populares cada vez mais originais e ativos, mas também num novo cenário político marcado pela existência de governos de esquerda sob forte pressão da sociedade civil e de movimentos de massa. Esta nova conjuntura está definindo o cenário político na região e está abrindo um processo histórico que apresenta elementos novos que irão influir profundamente na dinâmica econômica, política, cultural e social imediata, mas também no médio e longo prazo”[4].
Mas voltemos à reunião da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), concluída em 31/01/2013. Destaque-se a passagem da presidência da CELAC de Sebastián Piñera (Chile) para Raul Castro (Cuba). Cuba, que retomou certo protagonismo ao acolher Hugo Chávez para tratamento de um câncer, participa com desenvoltura de organismos multilaterais latino-americanos, apesar de ter sido expulsa há mais de 50 anos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Com bom humor no discurso de posse na presidência da CELAC, Raul Castro disse: “não se preocupem, ficarei apenas um ano”...
A movimentação da “Aliança do Pacífico” instiga sentimentos de beligerância?
Tanto quanto a UNASUL. Mas por enquanto não constitui absolutamente uma ameaça ao Mercosul. E o MERCOSUL não deve temê-la. Ao contrário, deve vê-las como depositárias de novas ideias e novos empreendimentos. Sem dúvida, no caso da Aliança do Pacífico, poderá haver maior concorrência do Chile com a Argentina, por exemplo, nas exportações de frutas nos mercados mexicano ou colombiano. Mas haverá outras compensações na esfera da integração regional e não apenas econômicas. Outro bom exemplo já em curso refere-se à boa vontade nos elementos acordados entre os governos do Brasil e México sobre o protocolo modificativo do apêndice bilateral do ACE-55 celebrado na Cidade do México, em 15/03/2012. E se voltamos os olhos para as relações de intercâmbio comercial desta vez entre os estados membros da UNASUL, estas quadruplicaram nos últimos 10 anos, pulando de US$ 19 bilhões para US$76 bilhões.
No dia 31/03/2013, o doutorando de História Cultural Ricardo Gaulia Borrmann apresentou na LMU (Ludwig Maximilians Universität Munchen / Amerika Institut), Alemanha, a conferência “O Brasil de Lula: Política Externa, Economia e Educação”. Foi parte do ciclo de palestras coordenado pela Dra. Ursula Prutsch intitulada “Pequena História Cultural do Brasil”. E em fevereiro viaja para o Peru e a Argentina o historiador Vanderley Vazelesk Ribeiro, da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), representando PASSAGENS – Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, que vem despertando cada vez mais entusiasmo pela linha editorial e temas abordados[5].
Assim, renovam-se os interesses pelas relações Sul-Sul (Sul Global) e seu impacto na governança mundial.
Mas não há dúvida que os temas relacionados à violência, à cidadania e aos direitos humanos, vem sendo também cada vez mais discutidos e por perspectivas distintas.[6] No dia 28 de janeiro comemorou-se os 160 anos de nascimento de José Martí (1853-1895), jornalista, filósofo, poeta e pensador latino-americano independentista. Seu pensamento transcendeu as fronteiras de sua Cuba natal para adquirir um caráter universal. Sendo maçom, liberal de raíz e tendo um pensamento secular, também foi conhecido como "El apóstol “.
De fato, nesse limiar do século XXI a América Latina passa por vigorosas transformações. Parodiando o escritor português Gonçalo M. Tavares, nascido em Angola, diríamos que simplesmente nos afastamos da passividade absoluta, por um lado, e, de outro, vivenciamos uma energia pulsional forte que constrói e/ou destrói. Todavia, vai tomando vulto a consciência necessária de que decididamente nós, (homens e mulheres latino-americanos), não somos uma coisa que espera... [7]
O mundo nos observa.
[1]Gisálio Cerqueira Filho & Gizlene Neder.“Sobre el concepto de América Latina: una propuesta para pensar en los festejos del Bicentenário”, in REVISTA PILQUEN – Sección Ciencias Sociales, Dossier Bicentenario, Ano XII, n. 12, 2010, Universidad Nacional del Comahue, Viedma, Argentina.
[2] Gisalio Cerqueira Filho (Org.). Sulamérica Comunidade Imaginada: emancipação e integração, Niterói: EdUFF/ CAPES/ IPEA, 2011, 368 pp.
[3] Monica Esmeralda Bruckmann Mayneto. O inventamos o erramos: La nueva conyuntura latinoamericana y el pensamiento crítico (versão em castelhano); Ou Inventamos ou erramos: a nova conjuntura latinoamericana e o pensamento crítico (versão em português). Tese de Doutorado, ICHF-PPGCP/UFF – Niterói, 28 de fevereiro de 2011, 470 pp. Ver http://pt.scribd.com/doc/84815899/Tesis-de-Grado-2011-Monica-Bruckmann
[4] Monica Bruckmann. Op. cit. p. 8.
[6] Adriana Cicaré, Benevenuto Jayme (orgs). Direitos humanos e violência na América do Sul. Foz do Iguaçu: UNILA, edição eletrônica. Foz do Iguaçu: UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana).
https://www.alainet.org/pt/active/61364?language=es
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