Chávez e o adiamento sine die da posse
14/01/2013
- Opinión
Poucos cientistas sociais, analistas de política internacional e diplomatas poderiam imaginar o protagonismo repentino que Cuba veio a ter nos acontecimentos políticos relacionados com a Venezuela. Como todos sabem Cuba tem acolhido Hugo Chávez para tratamento médico de um câncer. O que ninguém imaginava é o vai-e-vem de familiares de Chávez, de expressivas lideranças venezuelanas e mercosulinas a visitarem em Havana o Comandante presidente reeleito. Aproveitou-se a oportunidade para consolidar na tristeza e no afeto recíproco conversações políticas sobre os rumos do continente. Isto se deve a múltiplos fatores. Destacamos os principais. 1) a reconhecida solidariedade internacional de Cuba aos países do continente. 2) a também reconhecida medicina que se pratica em Cuba. 3) a proximidade da ilha do Caribe com relação a Venezuela e 4) last but not least, a confiança recíproca entre Venezuela e Cuba. Tudo isso, levando-se em conta as enormes dificuldades acarretadas pelo bloqueio norte-americano a Cuba e os efeitos produzidos, sejam econômico, políticos e culturais.
Num mundo globalizado, diante da tentativa já longa de isolamento de Cuba, da desconfiança recíproca entre países, das guerras e intervenções militares mundo afora,
do desrespeito frequente aos direitos humanos, é comovente o nível de solidariedade praticado no continente latino-americano a vista de todos e todas.
As oposições e muitos seguidores políticos que odeiam Chávez dizem que não há transparência na divulgação da evolução do câncer do paciente. Mas todos sabem que uma das primeiras recomendações médicas a quaisquer pacientes de câncer é que “sejam prudentes e cautelosos na divulgação da doença”. Muitos médicos creem que a divulgação detalhista do passo a passo da evolução dos tumores cancerígenos conspira desde a primeira hora contra o paciente. Tal divulgação atuaria, juntamente com sentimentos mórbidos, de malquerenças e de hostilidade a contra integridade psíquica do paciente, com repercussão visível no sistema imunológico. Certo que Chávez não é qualquer paciente, pois que presidente reeleito da Venezuela e liderança política condutora da “revolução bolivariana” naquele país. Mas certo também que Chávez é um paciente comum, como qualquer ser humano, e merecedor do recato e da prudência que a clínica reclama como direito inalienável dos pacientes, sobretudo de câncer. A literatura médica é pródiga em relatos minuciosos de pacientes que se viram vilmente atacados por colegas, ex-amigos, e competidores dos quais não se esperava tanto rancor.
O jornalista Elio Gaspari publica na sua coluna dominical em O GLOBO (13/01/2013), reproduzida em vários outros jornais brasileiros, que “não há força humana capaz de fazer com que a diplomacia americana se meta em discussões com Chávez, suas obras e suas pompas”. Diz ainda que é a Doutrina Pocilga e que foi assim enunciada: “se você entra num chiqueiro e se mete numa briga com os bichos que estão lá, é certo que vai perdê-la”. Cita como variante, a “Doutrina Bonaparte: se um sujeito entra num coquetel dizendo que é Napoleão, chame-o de imperador. Se disser que ele não é, começará uma discussão inútil”.
À parte o visível preconceito, cujas metáforas pocilga, chiqueiro e bichos (subentenda-se porcos) fazem alusão explícita à América Latina e aos latino-americanos.
E também com relação às metáforas Bonaparte, Napoleão, imperador, que, no contexto, aludem aos latino-americanos como verdadeiros loucos e doentes mentais. Nunca é demais ressaltar o sucesso em Cuba no tratamento de pacientes com transtornos psíquicos; bem como o fato de que a pesquisa experimental clínica e cirúrgica, e que estão avançadas na mesma ilha, especialmente no que concerne ao câncer de abdômen, pelve, etc. e também na área da urologia.
Nos principais jornais internacionais de hoje se publica uma foto do líder da Revolução Cubana e ex-presidente Fidel Castro, com o Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, General de Exército Raúl Castro, juntamente com a Presidenta da República Argentina Cristina Kirchner. No mesmo dia, e em outro local de Havana, comemorou-se o aniversário de 30 anos do restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e o Estado Plurinacional da Bolívia. Em Caracas, na véspera estiveram juntos Evo Morales, Cristina Kirchner, José Mujica e outros líderes latino-americanos para a cerimônia que adiou sine die o juramento do termo de posse de Hugo Chávez para o novo mandato nos termos aprovados pelo Tribunal Supremo de Justiça. Sua presidenta, Luisa Stella Morales Lamuño, disse a imprensa internacional “que a ausência do líder não reúne as condições exigidas pela Constituição para substituí-lo, o que dá a Chávez tempo indeterminado para se recuperar sem deixar o poder”. A resolução do impasse nesses termos já havia sido aprovada pela Assembleia Nacional, que elegeu Diosdado Cabello presidente, em vista da carta lida pelo Vice-presidente Nicolás Maduro dando conta da impossibilidade clínica de Chávez comparecer à cerimonia. Fato é que Havana acolheu variadas lideranças políticas que visitam Hugo Chávez e familiares, aproveitando a oportunidade para trocar opiniões sobre o futuro político da região. Assim, Cuba conseguiu, na contingência histórica, soldar vínculos de solidariedade latino-americana que transcendem o isolamento internacional e furam qualquer bloqueio, sobretudo o bloqueio afetuoso e afetivo.
Ranajit Guha, historiador indiano que escreveu, entre outros livros, Selected Subaltern Studies, New York: Oxford University Press, 1988 em co-autoria com a especialista em literatura Gayatri Chakravorty Spivak e A Subaltern Studies Reader,1986-1995, Univerity of Minnesota Press, 1997 pondera as dificuldades que as classes subalternas e populares tem de - no esforço de se rebelarem - exigirem os seus direitos.
Frequentemente homens e mulheres das classes subalternas ponderam que “arriscando tudo, podem colocar tudo a perder”. Renajit Guha demonstra que a subalternidade em que vivem é materializada geralmente por um padrão estrutural rígido de propriedade que é institucionalizado pela lei, santificado pela religião, tornado tolerável (e até desejável) pela tradição.
Exprimir sentimentos e práticas de insubmissão implica necessariamente aceitar os riscos da vulnerabilidade psíquica, pois a aceitação da lei, da religião e da tradição criam também laços de solidariedade muito poderosos.
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