O campo em disputa
12/11/2012
- Opinión
Enquanto nas cidades as pessoas em situação de pobreza representam 26% do total, no campo esse valor chega a 52,6% de pessoas, segundo a CEPAL
A questão agrária na América Latina é uma das tônicas principais da luta de classes no continente desde a descoberta. Se até as guerras da independência, a conquista e a colônia significaram um processo aberto de aniquilar a propriedade e o poder comunal inerente à relação dos povos originários com a terra, das guerras de independência em diante o panorama não mudou muito.
A disputa continua. A sede por recursos e sujeição dos povos, entendidos ambos como recursos potenciais para o grande capital monopólico internacional, dão a tônica histórica do poder atual.
Nossa América Latina é composta, em toda sua especificidade índia, negra, mestiça, por quase 590 milhões de pessoas, das quais 513 milhões vivem em áreas urbanas e 77 milhões em áreas rurais.
Após a política neoliberal instituída desde fim dos anos 80, em que os recursos e a política foram entregues, a baixo custo, ao grande capital transnacional, continuamos com uma vulnerabilidade externa que reforça os vínculos históricos de dependência inerente ao desenvolvimento desigual.
Segundo o anuário estatístico 2011-2012 da CEPAL, o PIB latino-americano em 2011 foi da ordem de US$ 5,6 trilhões, enquanto a dívida externa do continente chegou à cifra de US$ 950 bilhões e os investimentos diretos estrangeiros ao montante de US$ 70 bilhões, em 2010. Somente o Brasil recebeu quase US$ 37 bilhões em investimento direto estrangeiro. Entre os 10 principais produtos exportados encontram-se: petróleo e derivados, aço e derivados, cobre e derivados, soja, entre outros.
A reprimarização da economia latino-americana reforça a continuidade tanto da sanguinária luta pelos territórios e pelo sentido do trabalho na América Latina, quanto o teor da luta no campo no continente.
O Brasil tem 64% de sua pauta de exportação conformada por produtos primários, o Chile quase 90% e a Argentina 68%. O México com apenas 25% de produtos primários na pauta de exportação, merece destaque. Este país deve ser analisado a partir do processo das maquiladoras, linhas de montagens com abertura comercial com o mercado do norte – NAFTA –, em que as mulheres representam mais de 60% da mão-de-obra precarizada.
Em conjunto com o avanço do monocultivo transnacional no campo latino e a transferência de recursos para as principais sedes dos donos do capital em nosso território, opera-se uma política econômica e social em conluio com os agentes locais, de piora das condições de vida no campo.
Enquanto nas cidades as pessoas em situação de pobreza representam 26% do total, no campo esse valor chega a 52,6% de pessoas, segundo a CEPAL. Numa situação ainda mais perversa, estão as pessoas que vivem no nível da indigência em nossa América: 13% nas cidades e 30% no campo.
Quanto ao saneamento básico a situação é ainda mais clara: no quesito água tratada, no urbano 91% dos lares têm acesso, e no rural, somente 21%. Pior ainda é a situação, quando o tema é a rede de tratamento de esgoto: 60% das casas urbanas com acesso e somente 6% das casas rurais. No quesito eletricidade, aparece uma equivalência entre cidade-campo, 98% dos lares urbanos e 93% dos lares rurais.
Se incluirmos nisto o acesso à saúde e aos três graus da educação formal, com qualidade, o que já é ruim para as cidades, transforma-se em ainda mais catastrófico para o campo.
O fato real é que após décadas de expressivas reflexões de nossos clássicos sobre a formação histórica da América Latina, nos deparamos ainda hoje com uma situação que exige renovar as perguntas que, ancoradas na memoria histórica do continente, nos permitam tanto analisar o que temos, quanto pautar, com soberania, o que queremos.
É incrível e belo, como sobrevivemos, após mais de 500 anos de tentativa de homicídio de nossa identidade e soberania. Nós, o povo latino, com nossas específicas formas de luta, seguimos vivos, ante as reforçadas máquinas de morte instituídas pelo capital contra o trabalho ao longo deste processo histórico.
É a aposta em outro sentido latino-americano e caribenho de integração o que continua em disputa no nosso continente. Nossa ação reflexiva necessita ser dirigida para que Abya Yala rompa com a dinâmica histórica da sangria que instituída na conquista, foi reforçada na colônia, reconfigurada na república e abertamente declarada na era neoliberal.
Uma integração dos povos, que abra caminho para outro sentido do uso da terra e do trabalho, e para a produção do novo no continente. Que venham e se fortaleçam Unasul e Alba no continente.
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