Dossiê

Ditadura contra as populações atingidas por barragens aumenta a pobreza do povo brasileiro

16/03/2004
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NOTA: Este texto tem como objetivo denunciar e abordar a trajetória histórica de como as populações atingidas foram tratadas ao longo de décadas, assim como explicar a situação destas populações e o tratamento que recebem dos órgãos responsáveis pelo setor elétrico brasileiro. Tem também a intenção de contribuir com a solução dos problemas que ainda hoje são enfrentados por esta população e identificar os pontos centrais da agressão e da violência que enfrentam. I. DADOS GERAIS DO SETOR ELÉTRICO: – Existem no Brasil aproximadamente 2.000 barragens. Destas: A) 625 se encontram em operação – (139 são grandes barragens com mais de 30 MW; 233 barragens com potência ente 1 e 30 MW; 153 barragens com capacidade abaixo de 1 MW); B) cerca de 1.530 micro barragens, segundo dados de Bermann, não se conheciam as condições ou estavam abandonadas. – O Plano 2015 prevê a construção de mais 494 grandes barragens. Segundo a Eletrobrás, também existe um potencial que poderá vir a ser explorado em PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) em torno de 942 novas barragens. – Atualmente, segundo informações do MME, 50 grandes barragens se encontram em construção e nos próximos três anos de governo Lula estão projetados a construção de mais 70 grandes barragens. Porém, os mesmos planos do governo em nenhum momento apontam o número de famílias atingidas, não existe nenhum estudo real por parte do Governo quanto ao número de famílias a serem expulsas, mas o MAB possui estimativas de que este número chegue a 100 mil famílias expulsas pelos projetos do atual governo. – 1 milhão de pessoas foram expulsas de suas terras devido a construção de barragens. Isto corresponde a 300 mil famílias; – Dados do MAB apontam que a cada 100 famílias deslocadas, 70 não receberam nenhum tipo de indenização; – 34 mil Km² de terra fértil foram inundados pelos reservatórios, o que corresponde a 3,4 milhões de hectares; – No mundo há 45 mil grandes barragens construídas, que deslocaram aproximadamente 80 milhões de pessoas; – Conforme dados da ANEEL, atualmente o Brasil possui 86.274 MW de capacidade instalada. – 79% da energia brasileira provêm de fonte hídrica; – Segundo Bermann, em 2002 foram consumidos 321,5 milhões de Mwh, sendo que 72,7 milhões de Mwh foram consumidos pelas residências, o que equivale a 22,6% de toda energia consumida no Brasil. No entanto, a indústria pesada, basicamente eletrointensiva, consome 32,4% de toda energia produzida no Brasil; – A Albrás e Alumar, controlada pela Alcoa/EUA, consome por ano 11 bilhões de kw. Isso equivale a 15% de toda energia consumida pelas residências no mesmo perríodo. – Os 22,6% representam 43 milhões de residências. Porém, existem em torno de 5.074.400 de residências sem acesso a energia elétrica no Brasil, o que equivale a 20.297.600 habitantes. – No Brasil o consumo médio por residência em 2003 ficou em 140 kWh/mês e o preço médio em algumas regiões do Brasil ultrapassa os R$ 400,00 por MW (1 MWh equivale a 1000 kWh), enquanto que as empresas eletrointensivas, que consomem a grande parte de energia em forma de minério para fazer os estoques de reserva nos países centrais, estão pagando em vários casos U$ 15,00 por MWh, isso equivale a um preço 10 vezes menor que o pago pela população. – Para produzir uma tonelada de alumínio é preciso 15.000 kWh (ou 15 MWh) de energia. Isso equivale a nove anos de consumo de energia de uma família. Porém, essa mesma indústria eletrointensiva praticamente não produz emprego – enquanto uma indústria da área de alimentação ou bebidas produz mais de 70 empregos por GWh (1 GWh equivale a 1000 MWh) consumidos, a indústria de alumínio praticamente não produz emprego 0,8 a 2,7 empregos/GWh consumido). – Estima-se que serão expulsas mais de 850 mil pessoas, com a construção das 494 barragens; – Aproximadamente 75% de toda energia do mundo é consumida pelos Estados Unidos e Europa. O Brasil é um dos maiores exportadores de energia subsidiada em forma de alumínio, ferro liga, papel, celulose, e outros produtos de alta demanda de energia. – O BNDES é um dos maiores responsáveis pelo financiamento das empresas: 363 obras são financiadas com recursos do Banco – O faturamento das empresas de geração em 2003 foi em torno de R$ 18 bilhões e na distribuição foi de R$ 30 bilhões. II. O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM OS ATINGIDOS PELAS BARRAGENS: Quando uma empresa quer construir uma barragem, ela vai procurar dados, entre eles os estudos do potencial energético, feito pela Eletrobrás na década de 70. Definido local de construção da obra, o passo seguinte é fazer estudos e levantamentos técnicos, além do levantamento sócio-econômico do local. Estes estudos são feitos ou contratados pela própria empresa interessada na construção da barragem e serão utilizados posteriormente no processo licitatório, na elaboração dos EIAs/RIMAs. O que ocorre na prática é que a mesma empresa interessada na construção da barragem faz o levantamento, por exemplo, de quantas famílias serão atingidas. Outro problema é que a empresa define os conceitos que baseiam o levantamento. Isso define o número de atingidos e estes conceitos variam de empresa para empresa conforme seu interesse. No processo de licitação, estes dados tornam-se legalizados e as empresas passam a ter responsabilidades frente ao Governo Federal, ANEEL e justiça baseados nestes dados. Assim, os atingidos não cadastrados passam a ser considerados como "ilegais". No caso da empresa ser chamada na Defensoria Pública, ela apresentam o contrato de licitação justificando que sua responsabilidade é com um determinado número de pessoas. No processo indenizatório, as famílias reconhecidas pelas empresas são oferecidas tradicionalmente três opções: Carta de crédito, indenização em dinheiro ou reassentamento em grandes áreas (aqui nos referimos a um público que essencialmente tem suas atividades relacionadas com a agricultura). Quem pega dinheiro, geralmente deixa a região indo a direção às médias e grandes cidades. Aqui cabe o relato de um exemplo muito comum de ocorrer. Uma família vive em uma terra considerada ruim, casa ruim e infra-estrutura ruim, ou seja, sua vida é muito difícil. Vive de produtos da subsistência, pesca etc. Com a barragem, a empresa vem e avalia, neste exemplo, em aproximadamente R$ 500,00 todos os bens desta família; ou ainda, em R$ 39,00, como ocorreu na barragem de Cana Brava/GO. Não entrando no mérito de se é pouco ou muito dinheiro, esta família que vivia precariamente em seu pedaço de terra de agora em diante pega seus 500,00 e é obrigada a sair de sua terra, Nossa pergunta é: O que ela fará com este recurso? Comprará outra casa, outro pedaço de terra? Sem emprego conseguirá pagar aluguel por quanto tempo? Este é um dos motivos que nos leva a brigar para que todas as famílias sejam reassentadas em grandes áreas de terra. No caso da carta de crédito, proposição do Banco Mundial (Banco da Terra), a gravidade é semelhante, pois, além das imobiliárias tomarem grande parte de seu dinheiro, as famílias são jogadas em regiões isoladas, sem acompanhamento técnico e sociais, motivo pelo qual faz com que as famílias abandonem suas terras em pouco tempo, muitas vezes, voltando ao município de origem. Estas duas opções oferecidas pelas empresas, indenização ou carta de crédito, representam um custo extremamente baixo às empresas. Porém, é um grande problema social aos governos e a população em geral, que é o empobrecimento e abandono das famílias. No processo de construção de barragens há duas situações: Aquelas famílias que precisam ser deslocadas – são todas aquelas famílias que terão suas terras alagadas e obrigatoriamente necessitam de remanejamento; essas famílias são agredidas de diversas formas. Vejamos alguns exemplos: 1) recentemente, em torno de 800 famílias foram expulsas pelo enchimento do lago das barragens de Castanhão/CE (300) e Acauã/PB (500), como as barragens foram concluídas e as questões sociais não foram resolvidas, as famílias acabaram perderam tudo, tiveram que sair as pressas e estão morando de favores em casas de vizinhos, amigos ou órgãos públicos, perderam as fontes de renda e os responsáveis jogam a culpa nas chuvas que caem na região. Chegamos ao cúmulo de ouvir de representantes dos órgãos públicos responsáveis a seguinte expressão: "Ninguém esperava que chovesse tanto"; 2) é comum a empresa entrar via judiciário com mandatos de desapropriação e em seguida, para que a família não possa voltar, as casas são queimadas pela polícia ou, em muitos casos, por milícias organizadas pelas empresas privadas. As famílias que permanecem morando em suas terras têm suas comunidades desestruturadas (acima, ao redor ou abaixo do lago). Neste caso o problema causado é que o número de famílias às vezes é superior ao conjunto das famílias deslocadas, o que significa que a estatística de um milhão de pessoas atingidas certamente é bem mais alto. O que ocorre é que as empresas trabalham com o conceito de proprietário e não proprietário, o que não significa que os proprietários sejam indenizados de forma justa. Em Rondônia o grupo Cassol construiu várias PCHS e desviou o Rio Branco. Abaixo moram 14 aldeias com aproximadamente 2.000 pessoas, o rio secou e pôs fim ao único meio de transporte das comunidades e também sua fonte de alimentação - há poucos dias acabou falecendo uma criança, pois não havia água no rio, impedindo que a criança fosse levada a um hospital. Até o momento nenhuma atitude foi tomada. São diversos os exemplos como este em todas as barragens do Brasil que não são reconhecidos nem pelas empresas e nem pelo governo. As empresas têm adotado um tratamento semelhante em todas as partes do mundo. Utilizam a forma de tratamento diferenciado para as populações atingidas por barragens. É o tratamento caso a caso, explorando sempre a fragilidade de cada família, nunca respeitam regras gerais. Por exemplo: A Tractbel é dona da barragem de Ita/RS e Cana Brava/GO. Em Ita as famílias fizeram com que recebessem um módulo mínimo de terra. Já em Cana Brava as famílias nem sequer terra receberam – a mesma empresa adota tratamentos diferentes para cada família. É comum as empresas criarem falsas organizações e representantes, chamados às vezes de "Comissões negociadoras", onde participam empresários, delegados, políticos (prefeitos) e muito pouco povo atingido. Cada empresa define o que é atingido conforme seu interesse e também define qual é o tratamento a ser dado, na maioria das vezes a decisão é unilateral, em alguns casos através da pressão os atingidos têm, no máximo, conseguido colocar lideranças para acompanhar a análise das famílias. A maior parte das barragens planejadas está aparecendo aos olhos dos brasileiros como Autoprodução de Energia. Isso nada mais é do que a continuidade do pensamento da ditadura militar, no qual onde as barragens hidrelétricas são construídas para alimentar, com energia, mega-empresas de outros países na área da produção de alumínio e celulose, enriquecendo cada vez mais as empresas estadunidenses, às custas da devastação ambiental da Amazônia e do empobrecimento de milhares de famílias atingidas por barragens. O mais indecente é que todas as barragens são construídas com dinheiro público vindos do BNDES, com a argumentação de que são obras de "Utilidade Pública", a serviço do desenvolvimento, do progresso, da geração de emprego. Porém, tudo isso não passa de propaganda enganosa repassada ao povo brasileiro e em especial às populações locais atingidas pelas barragens. Esse instrumento é utilizado para desapropriar as famílias via judiciário, quando estas resistem às condições impostas a elas. Como as barragens não melhoram o nível de vida das pessoas da região (causam violência; tráfico de drogas; corrupção; desemprego; prostituição; etc) as empresas recorrem à propaganda enganosa, envenenam as fontes de opinião pública, cooptam prefeitos, vereadores, fazem doações sutis a algumas entidades, fornecem outros materiais didáticos para serem utilizados em escolas e universidades. Todo trabalho de propaganda fica em função de evitar que a população da região perceba as verdadeiras conseqüências das barragens. A repressão contra os atingidos é o instrumento mais utilizado pelas empresas, várias lideranças do movimento estão com mais de 30 processos, especialmente os relacionados à lei de segurança nacional (perseguição política). É comum grupo de 10, 15 famílias serem processados pelo simples fato de estar reivindicando seus direitos. Um exemplo que representa bem o que acontece nas barragens é na UHE de Barra Grande/RS-SC, onde a empresa ALCOA e o grupo VBC, para impedir que a população tenha acesso a barragem para reivindicar seus direitos, cercaram toda área com cercas em espiral com navalhas, geralmente utilizadas em campos de concentração de guerras e nas minas de diamantes africanas. Praticamente em todas as barragens ficaram problemas sociais e ambientais graves, e, mesmo assim, os órgãos ambientais responsáveis acabavam liberando as licenças. Recentemente o IBAMA tem tentado modificar a postura e isso vem trazendo alguns resultados interessantes. Pela lei, nestas obras são exigidos os Estudos de Impacto Ambiental – EIA. Porém, na prática existe uma fábrica de EIAs. Um EIA é cópia quase fiel de outro. Há casos, como por exemplo o da barragem de Foz do Chapecó/SC, onde nos mapas, cidades do Estado de Santa Catarina aparecem no Estado do Rio Grande do Sul, lamenta-se que muitas universidades se prestam a fazer este tipo de trabalho. A dívida social deixada pelas barragens: vejamos um exemplo que representa dezenas de barragens com o mesmo tratamento. Na barragem de Tucuruy/PA, mais de 30 mil pessoas foram expulsas pela barragem. Após 20 anos de fechamento do lago mais de 6.500 pessoas, por não terem para onde ir, tiveram que se abrigar nas pequenas ilhas formadas pelo lago toda esta população não tem acesso à luz elétrica e vivem em condições de extrema pobreza por culpa da barragem; quantidades superiores vivem nas margens da barragem em situação semelhante. Grande parte destas famílias continua a luta para que o governo crie políticas que venham solucionar e reconhecer problemas como este. III. A PARTIR DA VITÓRIA DE LULA – como vem sendo as ações: Diante desta realidade do setor elétrico e do sofrimento de milhares de famílias expulsas e/ou ameaçadas pelas barragens houve a vitória eleitoral do Governo Lula. As populações atingidas encheram-se de esperança, pois sua vitória pertence à história das lutas populares do povo brasileiro. Ao longo dos mais de 20 anos de luta dos atingidos pelas barragens sempre elaboramos e apresentamos idéias, propostas e extensas pautas para contribuir na solução dos problemas causados pelas barragens, assim como não nos cansamos de propor e reivindicar que a geração e a distribuição da energia elétrica deva estar voltada, em primeiro lugar, a atender os interesses da população brasileira, em especial os mais pobres, tanto no acesso a energia como na política de preços. A nossa luta contra a construção de barragens nunca significou uma luta contra a produção e acesso de energia em função do povo brasileiro. Por isso, em todos os momentos sempre apresentamos aos governos propostas viáveis que tenham plena capacidade de mudar a matriz energética brasileira. Em fevereiro de 2003, o MAB entregou ao Ministério de Minas e Energia uma extensa pauta de reivindicações e sugestões, que vão desde mudanças estruturais do modelo energético até a solução do problema social deixado pelas barragens, assim como o fornecimento imediato de alimentação a milhares de famílias que estão passando fome porque foram expulsas e perderam sua principal fonte de renda, que é a terra, além de todos os demais prejuízos. Entendemos que o "Novo Governo" não pode dar seqüência ao terceiro turno de FHC no setor elétrico e muito menos fechar os olhos às questões sociais que as barragens causam. Vejamos alguns elementos conjunturais do Ministério de Minas e Energia (MME) para o setor elétrico: – O MME está recuperando a idéia dos grandes projetos, como símbolo da recuperação e desenvolvimento econômico; – Continua priorizando a construção de barragens como grande eixo para produção de energia; isto faz parte de um projeto de desenvolvimento com o objetivo principal de atender grandes empreendimentos e mercados dos países centrais do capitalismo, através da exportação massiva dos recursos naturais. A ALCOA leva para os EUA, através da Albras e Alumar, mais de 1 milhão de toneladas de alumínio (em lingót-barras de 200 Kg) por ano, para fazer estoques de reserva, o mesmo ocorre com empresas como Alunorte, ALCAN, CVRD e outras. Para sustentar este tipo de modelo é necessário cada vez mais energia. Está previsto, por recomendação do BID e BIRD no PPA – Plano Pluri-Anual 2004/2007, a construção de mais 70 barragens e dezenas de Pequenas Centrais Hidrelétricas -PCHs; – Estas mesmas empresas possuem contratos com o governo federal, recebendo energia abaixo do custo de produção. As empresas ALBRÁS E ALUMAR, controladas pela ALCOA (estadunidense) pagam para a ELETRONORTE o valor de U$ 15,00/MW, ao passo que a mesma ELETRONORTE tem custo de produção de U$ 24,00/MW, o que representa uma perda de 40%. Todos estes contratos têm previsão de encerramento durante este ano, sendo que a intenção de ambos caminha para renová- los; – Continua a privatização da água e da energia através da parceria público-privada, que nada mais é que a socialização dos custos e a privatização dos ganhos. A tendência, na maioria das vezes, é que as empresas privadas fiquem com mais de 51% das ações da barragem, além de pegar dinheiro do BNDES para construí-las. Em situações de parceria como essa, o MME já manifestou ao MAB que o Governo não intervirá no problema social, e as populações atingidas devem resolver diretamente com os donos das empresas internacionais. Vejamos dois exemplos: 1º) A TRACTBEL, da Bélgica, é uma das empresas mais violentas do setor elétrico e é dona da barragem de Cana Brava/GO. A grande parte das famílias não recebeu nada, o MAB pediu diversas vezes ao MME que intermediasse a solução das mais de 800 famílias que perderam tudo. Porém, o Ministério manifestou que não se dispõe a desempenhar essa tarefa. Por esse motivo os atingidos estão se obrigando a deslocar lideranças para Bélgica e para França para denunciar e tentar encontrar uma forma de recuperar os direitos roubados, já que o nosso governo não quer enfrentar a empresa. 2º) Na parceria público-privada da barragem de Serra da Mesa/GO, o grupo privado VBC (Votorantin, Bradesco, Camargo Correia) possui 51% das ações e a empresa estatal Furnas fica com 49%. A empresa estatal em reuniões com o MAB reconhece que existe centenas de famílias sem receber nada. No entanto, alegam que não podem fazer nada porque quem manda na barragem são as empresas privadas. Ao pedirmos ajuda à ministra Dilma em situações como esta, o MME manifestou que não vai intermediar uma solução. Esta mesma barragem é também um exemplo do como as empresas vêm avançando na privatização da água. Qualquer pessoa que queira pescar no lago da barragem precisa pagar uma taxa de R$ 64,00/ano ou R$ 12,00/mês na agência do banco Itaú no município de Uruaçú/GO. Outro exemplo de privatização é a Barragem de Campos Novos/SC: a barragem está em fase de construção e as margens do rio Pelotas já estão totalmente cercadas até os marcos que indicam a formação do lago; ? Recentemente foi aprovada a Medida Provisória 144 que define como empresa vencedora da licitação aquela que oferecer a energia por menor preço. No entanto, como o Ministério de Minas e Energia fez uma aliança com as empresas privadas no campo da geração de energia, isso trará como resultado o agravamento do problema dos atingidos por barragens. Como o MME pretende ficar de fora do tratamento da solução das famílias, a tendência das empresas para oferecer menor preço de energia, é conter todos tipos de gastos em questões sociais e ambientais, ou seja, quem vai pagar a conta são as famílias atingidas e o meio ambiente. Vejamos um exemplo: O custo das questões sociais e ambientais previstos nos orçamentos das obras giram em torno de 0,5 a 3,0% do total da obra, mas em diversas barragens onde a população se organizou para cobrar seus direitos os gastos com as questões sociais e ambientais saltaram para aproximadamente 25 a 30%. Em síntese, nem o MME e nem as empresas têm interesse em resolver o problema social, pois isso pode colocar em risco a aliança existente entre os dois. Isso justifica também por que o MME não quer intermediar e nem assumir a responsabilidade social, principalmente nas barragens de poder privado, o que é grande maioria. ? Em outubro de 2002, depois de várias ocupações de barragens em todo Brasil, através de um decreto presidencial, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) com participação de 14 ministérios. Apesar da boa vontade de seus membros, o GTI não possui nenhum poder de decisão. O que temos percebido é que isso aliviou a tensão e a responsabilidade do MME, porém, o mais estranho de tudo isso, é que o Gabinete de Segurança Institucional-GSI, que é o antigo SNI do Governo Militar, vem acompanhando todos os passos dos atingidos, inclusive em reuniões de trabalho das mais simples em nenhum momento histórico presenciamos fatos como este. A pergunta que cabe neste caso é: quem é o agressor? Aqueles que lutam para salvar suas vidas ou as empresas que expulsam as famílias violentamente? De forma geral ao longo deste primeiro ano de governo o MAB vem observando alguns pontos importantes na relação com o Ministério de Minas e Energia: A) Teve muito diálogo com o MME, porém os resultados foram muito tímidos, e nos parece que a linha de dialogar sem resultados tende a se consolidar; B) Parece-nos que há uma tendência do MME de respaldar a linha das empresas, ou seja, restringir ao máximo as conquistas dos atingidos pelas barragens, pois isso aumentaria os custos das obras e colocaria em risco sua aliança; C) É interesse retirar o MME da responsabilidade sobre o problema causado pelas barragens, assim como não deixar evidenciar qualquer tipo de relação com o movimento dos atingidos para novamente não colocar em risco sua aliança; D) Há uma ofensiva intencional de não reconhecer a legitimidade e a causa dos atingidos, e nem reconhecer o problema de forma geral; E) Há um certo entendimento de que a organização dos atingidos, que luta por seus direitos, que luta para baixar preço de energia, que luta para que todo povo tenha acesso a energia, que luta para mudar a matriz energética, que luta contra a privatização da água e da energia, entre outros, é algo que incomoda o MME. Nesse sentido, as ações fracionadas das empresas privadas estão, de certa forma, recebendo respaldo do MME. IV. AS EMPRESAS DONAS DA ÁGUA, ENERGIA E BARRAGENS: TRACTBEL-SUEZ: Empresa belga do conglomerado francês de exploração de água, Suez SA. É uma das três maiores empresas do mundo que dominam a área de saneamento básico. Estão entrando violentamente para monopolizar a água e a energia dos países pobres. A Tractbel é dona de várias barragens no Brasil (Cana Brava/GO; Ita e Machadinho/RS-SC, Campos Novos/SC, etc). É considerada a empresa mais violenta no tratamento com as populações atingidas. Recebe financiamentos dos Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID e do BNDES. Com a privatização, já está entre as quatro maiores empresas na área de geração de energia no Brasil com 6.503 MW de capacidade instalada. A Tractbel se recusa a reunir-se com o MAB para discutir a situação de centenas de famílias atingidas por suas barragens. ALCOA: maior empresa de alumínio do mundo, com sede nos Estados Unidos, vem se beneficiando com cerca de 200 milhões de dólares anuais através do uso de energia subsidiada da barragem de Tucurui/PA para sua fábrica de alumínio. É sócia de muitas barragens, como, por exemplo, na Bacia do Rio Uruguai no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Planeja construir outras obras no coração da Amazônia brasileira para aliar eletricidade com a exploração de alumínio. CVRD: A companhia Vale do Rio Doce é a maior empresa de exploração de minérios no Brasil. Além disto, tem a intenção de deter o controle da construção e operação de hidroelétricas na bacia do Tocantins-Araguaia, cujo potencial é de 16 grandes hidroelétricas. É dona de várias barragens no Estado de Minas Gerais, como Candonga, Porto Estrela, Irapé, Igarapava etc. Vem permanentemente chantageando o governo para renovar seus contratos de fornecimento de energia a baixo do custo de produção. Tem como principal acionista Jorge Sooros. BHP Billiton: É a maior empresa de exploração de minérios do mundo, sediada no Reino Unido. É sócia da ALCOA no controle da Alumar e planeja várias barragens na Amazônia. Também é acionista de peso da Companhia Vale do Rio Doce. CITICORP: Banco dos EUA que tem parte no controle da Companhia Vale do Rio Doce, a maior empresa de mineração do Brasil, e da fábrica de alumínio Albrás, junto a um consórcio japonês. Está unindo-se a Alcoa e Billiton em planos de novas barragens na Amazônia para satisfazer sua gula por eletricidade. AES: Sediada nos Estados Unidos, foi uma empresa criada nos paraísos fiscais para comprar, na época da privatização, a maior empresa de distribuição de energia da América Latina, a ELETROPAULO, uma estatal brasileira. Após ter recebido milhões de dólares do BNDES, a AES provocou um dos maiores calotes no Governo Brasileiro, negando sua dívida, que passava de R$ 1,2 bilhões. Recentemente, renegociou com o BNDES a dívida, porém teve aproximadamente R$ 550 milhões de dívida perdoados, referentes aos juros, porém é uma empresa que vem enviando ao exterior enormes quantidades de recursos a sua empresa matriz. CAMARGO CORREIA, BRADESCO, VOTORANTIN: No período da ditadura militar eram empresas empreiteiras na construção de barragens e forneciam cimento e outros materiais. Atualmente formaram um consórcio chamado grupo VBC, o qual passou a ser dono de várias barragens. Ora atuam como VBC, ora como grupos independentes. Juntamente com as demais empresas citadas acima estão tomando conta dos rios, da água e da energia do povo brasileiro. V. UM OLHAR AO PASSADO NO SETOR ELÉTRICO: Até a década de 60, o setor elétrico brasileiro foi controlado por duas grandes empresas, uma estadunidense e outra canadense. O monopólio privado restringia-se a atender as fábricas e o mercado mundial, deixando de fora a população, fato que explica por que as regiões mais pobres não possuem luz até os dias de hoje. Quando o Estado brasileiro caminhava para consolidar um setor verdadeiramente estatal houve o Golpe militar. A partir do Governo militar passou a ser desenvolvida uma série de mega- projetos na área de geração de energia em conjunto com o capital internacional, especialmente o estadunidense. Neste período, grandes projetos de barragens começaram a ser construídos em todo o país: Itaipu, Tucuruy, Balbina, Itaparica, Ita, Sobradinho, entre outros, foram construídos com a cara do Governo Militar – satisfação econômica das empresas. Nesse processo de construção das grandes barragens houve uma divisão de papéis, na qual a) as questões tecnológicas (construir as barragens e equipá-las) ficaram sob responsabilidade das empresas privadas, na maioria das vezes de capital estrangeiro; b) as questões sócio-econômicas (remanejamento das populações atingidas) e ambientais ficaram sob a responsabilidade do regime militar, ou seja, neste período ocorreram os maiores desastres sociais e ambientais causados pela construção de barragens e os maiores escândalos de corrupção. Comunidades inteiras de quilombolas, indígenas, pequenos agricultores, meeiros, arrendatários, entre outros, foram destruídas, perderam suas terras, tiveram suas casas alagadas, plantações dizimadas, as condições de trabalho destruídas, sem qualquer possibilidade de diálogo com os responsáveis. Qualquer tentativa de manifestação popular era violentamente reprimida e acompanhada pela polícia militar. Para o então governo, construir barragens significou simplesmente erguer o muro de cimento e instalar as turbinas de geração de energia, deixando as populações atingidas e as questões ambientais em último plano, fato que levou e continua levando milhares de famílias a migrarem para os locais mais pobres da região e para as cidades. Diante desta contradição, a década de 80 se caracterizou pelo início da organização dos atingidos com lutas locais e regionais. Foi um período de intensa pressão popular, o que levou os atingidos a conquistarem avanços, mesmo que localizados. Como resultado da mobilização e pressão contra as barragens, o governo passou a dar certa atenção ao problema causado pelas hidrelétricas. Porém, a solução dos problemas foi localizada e muito tímida. Com o processo de privatização do setor elétrico nos anos 90, a solução das questões sociais e ambientais começa a andar em sentido contrário. O Governo e o Estado se retiram dos compromissos e passam toda a responsabilidade ao controle das empresas privadas, ou seja, há um grupo muito pequeno de empresas internacionais que assumiram violentamente o setor em função dos interesses de suas empresas matrizes, localizadas nos Estados Unidos ou nos países europeus. Diante dessa realidade, a vida e o rumo das famílias atingidas, assim como as questões ambientais, passaram a ser definidas por empresas internacionais que em alguns países são chamadas de eletro-traficantes. Estas empresas possuem um padrão mundial de tratamento extremamente violento, desrespeitando os direitos humanos. O que percebemos ao longo dos anos da privatização é que em todas as barragens as empresas caminham no sentido de cortar os gastos com as questões sociais e ambientais para aumentarem significativamente seus lucros. VI. FONTES ALTERNATIVAS PARA ATENDER OS INTERESSES DO POVO BRASILEIRO: É possível construirmos um novo modelo de desenvolvimento, incluindo um novo modelo energético. Abaixo apresentamos algumas alternativas ao setor elétrico que podem contribuir na mudança da matriz energética, acabando com o problema da falta de energia e do problema social e ambiental causado pelas barragens. São alternativas relativamente baratas, viáveis e não demoradas na sua implementação. Geração de Energia a partir da Biomassa: Somente utilizando resíduos orgânicos, como o bagaço da cana, poderíamos aumentar em 3.000 MW o potencial instalado. Porém, estima-se ter um potencial de aproximadamente 18.000 MW nesse campo da biomassa (casca de arroz, bagaço da cana, serragem, outros resíduos). Geração de Energia Eólica: O Brasil tem um potencial eólico (energia dos ventos) extraordinário. Segundo Bermann, existe um potencial imediato que poderia ser utilizado na faixa de 28.900 MW, principalmente no Nordeste, Rio de janeiiro e no Sul do Brasil. Outros autores apontam que o potencial brasileiro mapeado aproxima-se dos 143.000 MW (o dobro da atual capacidade instalada). Geração de energia Solar: Estudos apontam que as regiões de maior incidência solar possuem um potencial de 5,00 kWh por metro quadrado. O Brasil tem lugares privilegiados devido a sua alta insolação, com condições exepcionais, como é o caso da Bacia do São Francisco. O potencial geral de geração nessa área é praticamente incalculável. Somente a barragem de Itaipú cobriu 1.350 km² de terras. O que significaria isso se apenas parte deste território fosse utilizado para produzir energia? Repotenciação das hidroelétricas: Boa parte do sistema de geração hídrica instalada está depreciado e sucateado. Se promovêssemos reparos e melhorias nas usinas já existentes teríamos a um custo 5 vezes menor, um acréscimo de 7.600 MW. Redução das perdas na transmissão e distribuição de eletricidade: O Brasil possui perdas operacionais e técnicas na ordem de 15%. Porém, se adotar um índice de 6% considerado como padrão internacional, poderíamos ter um acréscimo de mais 6.500 MW(ou mais da metade da Usina de Itaipú, que possui 12.600 MWh de potência instalada). No entanto, a quantidade de energia mais significativa e importante está na área da indústria eletro-intensiva, que consome em torno de 32,4 % da energia. VII. UMA POLÍTICA ENERGÉTICA PARA MELHORAR A VIDA DO POVO BRASILEIRO: Entendemos que possuímos uma oportunidade histórica para melhorar a vida do povo brasileiro, em especial as camadas mais pobres. Por isso, temos clareza que a mudança do modelo de desenvoolvimento de nosso país so vai acontecer se for enfrentada com firmeza a luta pela mudança do setor energético.Mais do que nunca é necessário mudar radicalmente a forma dee produzir, distribuir e consumir energia elétrica. O MAB, ao longo de anos, vem reafirmando e propondo políticas para mudar o Modelo energético brasileiro e de acordo com os interesses da população brasileira. Necessitamos construir um novo projeto de desenvolvimento para o Brasilo. Para isso reafirmamos nossa posição e exigimos do governo brasileiro a formulação de uma política energética que: - Suspenda os subsídios aos grandes consumidores e a não renove seus contratos, em particular as indústrias eletrointensivas; - Garanta a água e energia, dois bens estratégicos para nossa soberania, sob controle e a serviço do povo brasileiro. Entendemos que é preciso parar com a privatização e a mercantilização do setor, principalmente no que diz respeito a água, energia e a biodiversidade; - Garantia de energia elétrica e água para todas as famílias do país; - Contemple a participação da população previamente informada em seu planejamento, decisão e execução; - Que nenhuma barragem seja construída sem o concentimento prévio e informado das populações atingidas; - Execute as dívidas das empresas elétricas privatizadas e retome do controle público estatal sobre o setor; - Priorize as questões sociais e ambientais. Resgatando a dívida social e ambiental do setor nas barragens construídas e em construção, através da reparação das perdas das populações atingidas; - Corrija as distorções existentes no setor energético, acabando com os desperdícios na transmissão, distribuição e consumo de energia; - Priorize investimentos em pesquisa, no desenvolvimento e na implementação de fontes energéticas alternativas, respeitando critérios de economicidade e sustentabilidade ambiental; - Tenha uma política de preços, com baixo custo ao povo brasileiro, em especial aos trabalhadores de baixa renda. VIII. ALGUNS DADOS COMPARATIVOS: PRIMEIRO EXEMPLO: subsídio para ALCOA A ALCOA dos Estados Unidos, através de 02 empresas de exploração de Alúmínio na Amazônia(Albrás e Alumar) a 20 anos está recebe mais de U$ 200 milhões de subsídio por ano. Se esse dinheiro fosse revertido ao povo brasileiro o que isso significaria: – Na Reforma Agrária: Assentaríamos 27.000 famílias por ano ou durante os 20 anos de subsídio já teríamos assentados 514.000 famílias. ( R$ 600 milhões dividido por R$ 22.400,00/custo médio do INCRA para assentar uma família) OBS: Como as barragens expulsaram 300 mill famílias, com os subsídios poderíamos ter assentado todas as famílias expulsas, e ainda sobraria dinheiro ao governo brasileiro. – Habitação: Conseguiríamos fazer 75.000 casas populares por ano ou durante os 20 anos teríamos construído 1.500.000 casas aos trabalhadores brasileiros(R$ 600 milhões dividido por R$ 8.000,00-custo por casa). SEGUNDO EXEMPLO: calote da AES A dívida renegociada da AES foi de 1,2 bilhões de reais e R$ 550 milhões foram perdoados pelo BNDES. Se esse dinheiro não fosse perdoado o Governo Brasileirro poderia: – Na Reforma Agrária: Assentar 24.500 famílias de trabalhadores sem terra. – Habitação: Poderiamos construir 68.500 casas populares. – Na agricultura camponesa: Na safra 2003/2004, 750.000 pequenos agricultores acessaram a linha de crédito do PRONAF. Se o subsídio dado a ALCOA e se a dívida perdoada à AES fosse transformado em incentivo aos agricultores para produzir alimento limpo ao povo brasileiro, cada família(das 750 mil) receberia R$ 1.500,00 de apoio. IX. PERGUNTAMOS: 1. Por que não há interesse de resolver os problemas causados pelas barragens às populações atingidas? 2. Quem está pagando a conta com a continuidade do Modelo energético de governos anteriores? 3. A quem interessa a construção de mais barragens? 4. A energia produzida está a serviço do povo brasileiro ou das grandes empresas internacionais? O Estado é definidor de políticas, e é papel do governo assumir a responsabilidade da solução dos problemas causados pelas barragens às populações atingidas, assim como, colocar a energia e a água a serviço do interesse do povo brasileiro. Águas para vida, não para morte! Movimento dos Atingidos por Barragens
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