Dossiê
Ditadura contra as populações atingidas por barragens aumenta a pobreza do povo brasileiro
16/03/2004
- Opinión
NOTA: Este texto tem como objetivo denunciar e abordar a
trajetória histórica de como as populações atingidas foram
tratadas ao longo de décadas, assim como explicar a situação
destas populações e o tratamento que recebem dos órgãos
responsáveis pelo setor elétrico brasileiro. Tem também a
intenção de contribuir com a solução dos problemas que ainda hoje
são enfrentados por esta população e identificar os pontos
centrais da agressão e da violência que enfrentam.
I. DADOS GERAIS DO SETOR ELÉTRICO:
– Existem no Brasil aproximadamente 2.000 barragens. Destas:
A) 625 se encontram em operação – (139 são grandes barragens
com mais de 30 MW; 233 barragens com potência ente 1 e 30
MW; 153 barragens com capacidade abaixo de 1 MW); B) cerca
de 1.530 micro barragens, segundo dados de Bermann, não se
conheciam as condições ou estavam abandonadas.
– O Plano 2015 prevê a construção de mais 494 grandes
barragens. Segundo a Eletrobrás, também existe um potencial
que poderá vir a ser explorado em PCHs (Pequenas Centrais
Hidrelétricas) em torno de 942 novas barragens.
– Atualmente, segundo informações do MME, 50 grandes barragens
se encontram em construção e nos próximos três anos de
governo Lula estão projetados a construção de mais 70
grandes barragens. Porém, os mesmos planos do governo em
nenhum momento apontam o número de famílias atingidas, não
existe nenhum estudo real por parte do Governo quanto ao
número de famílias a serem expulsas, mas o MAB possui
estimativas de que este número chegue a 100 mil famílias
expulsas pelos projetos do atual governo.
– 1 milhão de pessoas foram expulsas de suas terras devido a
construção de barragens. Isto corresponde a 300 mil
famílias;
– Dados do MAB apontam que a cada 100 famílias deslocadas, 70
não receberam nenhum tipo de indenização;
– 34 mil Km² de terra fértil foram inundados pelos
reservatórios, o que corresponde a 3,4 milhões de hectares;
– No mundo há 45 mil grandes barragens construídas, que
deslocaram aproximadamente 80 milhões de pessoas;
– Conforme dados da ANEEL, atualmente o Brasil possui 86.274
MW de capacidade instalada.
– 79% da energia brasileira provêm de fonte hídrica;
– Segundo Bermann, em 2002 foram consumidos 321,5 milhões de
Mwh, sendo que 72,7 milhões de Mwh foram consumidos pelas
residências, o que equivale a 22,6% de toda energia
consumida no Brasil. No entanto, a indústria pesada,
basicamente eletrointensiva, consome 32,4% de toda energia
produzida no Brasil;
– A Albrás e Alumar, controlada pela Alcoa/EUA, consome por
ano 11 bilhões de kw. Isso equivale a 15% de toda energia
consumida pelas residências no mesmo perríodo.
– Os 22,6% representam 43 milhões de residências. Porém,
existem em torno de 5.074.400 de residências sem acesso a
energia elétrica no Brasil, o que equivale a 20.297.600
habitantes.
– No Brasil o consumo médio por residência em 2003 ficou em
140 kWh/mês e o preço médio em algumas regiões do Brasil
ultrapassa os R$ 400,00 por MW (1 MWh equivale a 1000 kWh),
enquanto que as empresas eletrointensivas, que consomem a
grande parte de energia em forma de minério para fazer os
estoques de reserva nos países centrais, estão pagando em
vários casos U$ 15,00 por MWh, isso equivale a um preço 10
vezes menor que o pago pela população.
– Para produzir uma tonelada de alumínio é preciso 15.000 kWh
(ou 15 MWh) de energia. Isso equivale a nove anos de consumo
de energia de uma família. Porém, essa mesma indústria
eletrointensiva praticamente não produz emprego – enquanto
uma indústria da área de alimentação ou bebidas produz mais
de 70 empregos por GWh (1 GWh equivale a 1000 MWh)
consumidos, a indústria de alumínio praticamente não produz
emprego 0,8 a 2,7 empregos/GWh consumido).
– Estima-se que serão expulsas mais de 850 mil pessoas, com a
construção das 494 barragens;
– Aproximadamente 75% de toda energia do mundo é consumida
pelos Estados Unidos e Europa. O Brasil é um dos maiores
exportadores de energia subsidiada em forma de alumínio,
ferro liga, papel, celulose, e outros produtos de alta
demanda de energia.
– O BNDES é um dos maiores responsáveis pelo financiamento das
empresas: 363 obras são financiadas com recursos do Banco
– O faturamento das empresas de geração em 2003 foi em torno
de R$ 18 bilhões e na distribuição foi de R$ 30 bilhões.
II. O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM OS ATINGIDOS PELAS BARRAGENS:
Quando uma empresa quer construir uma barragem, ela vai procurar
dados, entre eles os estudos do potencial energético, feito pela
Eletrobrás na década de 70. Definido local de construção da obra,
o passo seguinte é fazer estudos e levantamentos técnicos, além
do levantamento sócio-econômico do local. Estes estudos são
feitos ou contratados pela própria empresa interessada na
construção da barragem e serão utilizados posteriormente no
processo licitatório, na elaboração dos EIAs/RIMAs. O que ocorre
na prática é que a mesma empresa interessada na construção da
barragem faz o levantamento, por exemplo, de quantas famílias
serão atingidas. Outro problema é que a empresa define os
conceitos que baseiam o levantamento. Isso define o número de
atingidos e estes conceitos variam de empresa para empresa
conforme seu interesse. No processo de licitação, estes dados
tornam-se legalizados e as empresas passam a ter
responsabilidades frente ao Governo Federal, ANEEL e justiça
baseados nestes dados. Assim, os atingidos não cadastrados passam
a ser considerados como "ilegais". No caso da empresa ser chamada
na Defensoria Pública, ela apresentam o contrato de licitação
justificando que sua responsabilidade é com um determinado número
de pessoas.
No processo indenizatório, as famílias reconhecidas pelas
empresas são oferecidas tradicionalmente três opções: Carta de
crédito, indenização em dinheiro ou reassentamento em grandes
áreas (aqui nos referimos a um público que essencialmente tem
suas atividades relacionadas com a agricultura).
Quem pega dinheiro, geralmente deixa a região indo a direção às
médias e grandes cidades. Aqui cabe o relato de um exemplo muito
comum de ocorrer. Uma família vive em uma terra considerada ruim,
casa ruim e infra-estrutura ruim, ou seja, sua vida é muito
difícil. Vive de produtos da subsistência, pesca etc. Com a
barragem, a empresa vem e avalia, neste exemplo, em
aproximadamente R$ 500,00 todos os bens desta família; ou ainda,
em R$ 39,00, como ocorreu na barragem de Cana Brava/GO. Não
entrando no mérito de se é pouco ou muito dinheiro, esta família
que vivia precariamente em seu pedaço de terra de agora em diante
pega seus 500,00 e é obrigada a sair de sua terra, Nossa pergunta
é: O que ela fará com este recurso? Comprará outra casa, outro
pedaço de terra? Sem emprego conseguirá pagar aluguel por quanto
tempo? Este é um dos motivos que nos leva a brigar para que todas
as famílias sejam reassentadas em grandes áreas de terra.
No caso da carta de crédito, proposição do Banco Mundial (Banco
da Terra), a gravidade é semelhante, pois, além das imobiliárias
tomarem grande parte de seu dinheiro, as famílias são jogadas em
regiões isoladas, sem acompanhamento técnico e sociais, motivo
pelo qual faz com que as famílias abandonem suas terras em pouco
tempo, muitas vezes, voltando ao município de origem.
Estas duas opções oferecidas pelas empresas, indenização ou carta
de crédito, representam um custo extremamente baixo às empresas.
Porém, é um grande problema social aos governos e a população em
geral, que é o empobrecimento e abandono das famílias.
No processo de construção de barragens há duas situações:
Aquelas famílias que precisam ser deslocadas – são todas aquelas
famílias que terão suas terras alagadas e obrigatoriamente
necessitam de remanejamento; essas famílias são agredidas de
diversas formas. Vejamos alguns exemplos: 1) recentemente, em
torno de 800 famílias foram expulsas pelo enchimento do lago das
barragens de Castanhão/CE (300) e Acauã/PB (500), como as
barragens foram concluídas e as questões sociais não foram
resolvidas, as famílias acabaram perderam tudo, tiveram que sair
as pressas e estão morando de favores em casas de vizinhos,
amigos ou órgãos públicos, perderam as fontes de renda e os
responsáveis jogam a culpa nas chuvas que caem na região.
Chegamos ao cúmulo de ouvir de representantes dos órgãos públicos
responsáveis a seguinte expressão: "Ninguém esperava que chovesse
tanto"; 2) é comum a empresa entrar via judiciário com mandatos
de desapropriação e em seguida, para que a família não possa
voltar, as casas são queimadas pela polícia ou, em muitos casos,
por milícias organizadas pelas empresas privadas.
As famílias que permanecem morando em suas terras têm suas
comunidades desestruturadas (acima, ao redor ou abaixo do lago).
Neste caso o problema causado é que o número de famílias às vezes
é superior ao conjunto das famílias deslocadas, o que significa
que a estatística de um milhão de pessoas atingidas certamente é
bem mais alto. O que ocorre é que as empresas trabalham com o
conceito de proprietário e não proprietário, o que não significa
que os proprietários sejam indenizados de forma justa. Em
Rondônia o grupo Cassol construiu várias PCHS e desviou o Rio
Branco. Abaixo moram 14 aldeias com aproximadamente 2.000
pessoas, o rio secou e pôs fim ao único meio de transporte das
comunidades e também sua fonte de alimentação - há poucos dias
acabou falecendo uma criança, pois não havia água no rio,
impedindo que a criança fosse levada a um hospital. Até o momento
nenhuma atitude foi tomada. São diversos os exemplos como este em
todas as barragens do Brasil que não são reconhecidos nem pelas
empresas e nem pelo governo.
As empresas têm adotado um tratamento semelhante em todas as
partes do mundo. Utilizam a forma de tratamento diferenciado para
as populações atingidas por barragens. É o tratamento caso a
caso, explorando sempre a fragilidade de cada família, nunca
respeitam regras gerais. Por exemplo: A Tractbel é dona da
barragem de Ita/RS e Cana Brava/GO. Em Ita as famílias fizeram
com que recebessem um módulo mínimo de terra. Já em Cana Brava as
famílias nem sequer terra receberam – a mesma empresa adota
tratamentos diferentes para cada família. É comum as empresas
criarem falsas organizações e representantes, chamados às vezes
de "Comissões negociadoras", onde participam empresários,
delegados, políticos (prefeitos) e muito pouco povo atingido.
Cada empresa define o que é atingido conforme seu interesse e
também define qual é o tratamento a ser dado, na maioria das
vezes a decisão é unilateral, em alguns casos através da pressão
os atingidos têm, no máximo, conseguido colocar lideranças para
acompanhar a análise das famílias.
A maior parte das barragens planejadas está aparecendo aos olhos
dos brasileiros como Autoprodução de Energia. Isso nada mais é do
que a continuidade do pensamento da ditadura militar, no qual
onde as barragens hidrelétricas são construídas para alimentar,
com energia, mega-empresas de outros países na área da produção
de alumínio e celulose, enriquecendo cada vez mais as empresas
estadunidenses, às custas da devastação ambiental da Amazônia e
do empobrecimento de milhares de famílias atingidas por
barragens. O mais indecente é que todas as barragens são
construídas com dinheiro público vindos do BNDES, com a
argumentação de que são obras de "Utilidade Pública", a serviço
do desenvolvimento, do progresso, da geração de emprego. Porém,
tudo isso não passa de propaganda enganosa repassada ao povo
brasileiro e em especial às populações locais atingidas pelas
barragens. Esse instrumento é utilizado para desapropriar as
famílias via judiciário, quando estas resistem às condições
impostas a elas.
Como as barragens não melhoram o nível de vida das pessoas da
região (causam violência; tráfico de drogas; corrupção;
desemprego; prostituição; etc) as empresas recorrem à propaganda
enganosa, envenenam as fontes de opinião pública, cooptam
prefeitos, vereadores, fazem doações sutis a algumas entidades,
fornecem outros materiais didáticos para serem utilizados em
escolas e universidades. Todo trabalho de propaganda fica em
função de evitar que a população da região perceba as verdadeiras
conseqüências das barragens.
A repressão contra os atingidos é o instrumento mais utilizado
pelas empresas, várias lideranças do movimento estão com mais de
30 processos, especialmente os relacionados à lei de segurança
nacional (perseguição política). É comum grupo de 10, 15 famílias
serem processados pelo simples fato de estar reivindicando seus
direitos. Um exemplo que representa bem o que acontece nas
barragens é na UHE de Barra Grande/RS-SC, onde a empresa ALCOA e
o grupo VBC, para impedir que a população tenha acesso a barragem
para reivindicar seus direitos, cercaram toda área com cercas em
espiral com navalhas, geralmente utilizadas em campos de
concentração de guerras e nas minas de diamantes africanas.
Praticamente em todas as barragens ficaram problemas sociais e
ambientais graves, e, mesmo assim, os órgãos ambientais
responsáveis acabavam liberando as licenças. Recentemente o IBAMA
tem tentado modificar a postura e isso vem trazendo alguns
resultados interessantes.
Pela lei, nestas obras são exigidos os Estudos de Impacto
Ambiental – EIA. Porém, na prática existe uma fábrica de EIAs. Um
EIA é cópia quase fiel de outro. Há casos, como por exemplo o da
barragem de Foz do Chapecó/SC, onde nos mapas, cidades do Estado
de Santa Catarina aparecem no Estado do Rio Grande do Sul,
lamenta-se que muitas universidades se prestam a fazer este tipo
de trabalho.
A dívida social deixada pelas barragens: vejamos um exemplo que
representa dezenas de barragens com o mesmo tratamento. Na
barragem de Tucuruy/PA, mais de 30 mil pessoas foram expulsas
pela barragem. Após 20 anos de fechamento do lago mais de 6.500
pessoas, por não terem para onde ir, tiveram que se abrigar nas
pequenas ilhas formadas pelo lago toda esta população não tem
acesso à luz elétrica e vivem em condições de extrema pobreza por
culpa da barragem; quantidades superiores vivem nas margens da
barragem em situação semelhante. Grande parte destas famílias
continua a luta para que o governo crie políticas que venham
solucionar e reconhecer problemas como este.
III. A PARTIR DA VITÓRIA DE LULA – como vem sendo as ações:
Diante desta realidade do setor elétrico e do sofrimento de
milhares de famílias expulsas e/ou ameaçadas pelas barragens
houve a vitória eleitoral do Governo Lula. As populações
atingidas encheram-se de esperança, pois sua vitória pertence à
história das lutas populares do povo brasileiro.
Ao longo dos mais de 20 anos de luta dos atingidos pelas
barragens sempre elaboramos e apresentamos idéias, propostas e
extensas pautas para contribuir na solução dos problemas causados
pelas barragens, assim como não nos cansamos de propor e
reivindicar que a geração e a distribuição da energia elétrica
deva estar voltada, em primeiro lugar, a atender os interesses da
população brasileira, em especial os mais pobres, tanto no acesso
a energia como na política de preços.
A nossa luta contra a construção de barragens nunca significou
uma luta contra a produção e acesso de energia em função do povo
brasileiro. Por isso, em todos os momentos sempre apresentamos
aos governos propostas viáveis que tenham plena capacidade de
mudar a matriz energética brasileira.
Em fevereiro de 2003, o MAB entregou ao Ministério de Minas e
Energia uma extensa pauta de reivindicações e sugestões, que vão
desde mudanças estruturais do modelo energético até a solução do
problema social deixado pelas barragens, assim como o
fornecimento imediato de alimentação a milhares de famílias que
estão passando fome porque foram expulsas e perderam sua
principal fonte de renda, que é a terra, além de todos os demais
prejuízos.
Entendemos que o "Novo Governo" não pode dar seqüência ao
terceiro turno de FHC no setor elétrico e muito menos fechar os
olhos às questões sociais que as barragens causam.
Vejamos alguns elementos conjunturais do Ministério de Minas e
Energia (MME) para o setor elétrico:
– O MME está recuperando a idéia dos grandes projetos, como
símbolo da recuperação e desenvolvimento econômico;
– Continua priorizando a construção de barragens como grande
eixo para produção de energia; isto faz parte de um projeto
de desenvolvimento com o objetivo principal de atender
grandes empreendimentos e mercados dos países centrais do
capitalismo, através da exportação massiva dos recursos
naturais. A ALCOA leva para os EUA, através da Albras e
Alumar, mais de 1 milhão de toneladas de alumínio (em
lingót-barras de 200 Kg) por ano, para fazer estoques de
reserva, o mesmo ocorre com empresas como Alunorte, ALCAN,
CVRD e outras. Para sustentar este tipo de modelo é
necessário cada vez mais energia. Está previsto, por
recomendação do BID e BIRD no PPA – Plano Pluri-Anual
2004/2007, a construção de mais 70 barragens e dezenas de
Pequenas Centrais Hidrelétricas -PCHs;
– Estas mesmas empresas possuem contratos com o governo
federal, recebendo energia abaixo do custo de produção. As
empresas ALBRÁS E ALUMAR, controladas pela ALCOA
(estadunidense) pagam para a ELETRONORTE o valor de U$
15,00/MW, ao passo que a mesma ELETRONORTE tem custo de
produção de U$ 24,00/MW, o que representa uma perda de 40%.
Todos estes contratos têm previsão de encerramento durante
este ano, sendo que a intenção de ambos caminha para renová-
los;
– Continua a privatização da água e da energia através da
parceria público-privada, que nada mais é que a socialização
dos custos e a privatização dos ganhos. A tendência, na
maioria das vezes, é que as empresas privadas fiquem com
mais de 51% das ações da barragem, além de pegar dinheiro do
BNDES para construí-las. Em situações de parceria como essa,
o MME já manifestou ao MAB que o Governo não intervirá no
problema social, e as populações atingidas devem resolver
diretamente com os donos das empresas internacionais.
Vejamos dois exemplos:
1º) A TRACTBEL, da Bélgica, é uma das empresas mais violentas do
setor elétrico e é dona da barragem de Cana Brava/GO. A grande
parte das famílias não recebeu nada, o MAB pediu diversas vezes
ao MME que intermediasse a solução das mais de 800 famílias que
perderam tudo. Porém, o Ministério manifestou que não se dispõe a
desempenhar essa tarefa. Por esse motivo os atingidos estão se
obrigando a deslocar lideranças para Bélgica e para França para
denunciar e tentar encontrar uma forma de recuperar os direitos
roubados, já que o nosso governo não quer enfrentar a empresa.
2º) Na parceria público-privada da barragem de Serra da Mesa/GO,
o grupo privado VBC (Votorantin, Bradesco, Camargo Correia)
possui 51% das ações e a empresa estatal Furnas fica com 49%. A
empresa estatal em reuniões com o MAB reconhece que existe
centenas de famílias sem receber nada. No entanto, alegam que não
podem fazer nada porque quem manda na barragem são as empresas
privadas. Ao pedirmos ajuda à ministra Dilma em situações como
esta, o MME manifestou que não vai intermediar uma solução.
Esta mesma barragem é também um exemplo do como as empresas vêm
avançando na privatização da água. Qualquer pessoa que queira
pescar no lago da barragem precisa pagar uma taxa de R$ 64,00/ano
ou R$ 12,00/mês na agência do banco Itaú no município de
Uruaçú/GO.
Outro exemplo de privatização é a Barragem de Campos Novos/SC: a
barragem está em fase de construção e as margens do rio Pelotas
já estão totalmente cercadas até os marcos que indicam a formação
do lago;
? Recentemente foi aprovada a Medida Provisória 144 que
define como empresa vencedora da licitação aquela que oferecer a
energia por menor preço. No entanto, como o Ministério de Minas e
Energia fez uma aliança com as empresas privadas no campo da
geração de energia, isso trará como resultado o agravamento do
problema dos atingidos por barragens. Como o MME pretende ficar
de fora do tratamento da solução das famílias, a tendência das
empresas para oferecer menor preço de energia, é conter todos
tipos de gastos em questões sociais e ambientais, ou seja, quem
vai pagar a conta são as famílias atingidas e o meio ambiente.
Vejamos um exemplo:
O custo das questões sociais e ambientais previstos nos
orçamentos das obras giram em torno de 0,5 a 3,0% do total da
obra, mas em diversas barragens onde a população se organizou
para cobrar seus direitos os gastos com as questões sociais e
ambientais saltaram para aproximadamente 25 a 30%. Em síntese,
nem o MME e nem as empresas têm interesse em resolver o problema
social, pois isso pode colocar em risco a aliança existente entre
os dois. Isso justifica também por que o MME não quer intermediar
e nem assumir a responsabilidade social, principalmente nas
barragens de poder privado, o que é grande maioria.
? Em outubro de 2002, depois de várias ocupações de
barragens em todo Brasil, através de um decreto presidencial, foi
criado um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) com
participação de 14 ministérios. Apesar da boa vontade de seus
membros, o GTI não possui nenhum poder de decisão. O que temos
percebido é que isso aliviou a tensão e a responsabilidade do
MME, porém, o mais estranho de tudo isso, é que o Gabinete de
Segurança Institucional-GSI, que é o antigo SNI do Governo
Militar, vem acompanhando todos os passos dos atingidos,
inclusive em reuniões de trabalho das mais simples em nenhum
momento histórico presenciamos fatos como este. A pergunta que
cabe neste caso é: quem é o agressor? Aqueles que lutam para
salvar suas vidas ou as empresas que expulsam as famílias
violentamente?
De forma geral ao longo deste primeiro ano de governo o MAB vem
observando alguns pontos importantes na relação com o Ministério
de Minas e Energia:
A) Teve muito diálogo com o MME, porém os resultados foram
muito tímidos, e nos parece que a linha de dialogar sem
resultados tende a se consolidar;
B) Parece-nos que há uma tendência do MME de respaldar a
linha das empresas, ou seja, restringir ao máximo as conquistas
dos atingidos pelas barragens, pois isso aumentaria os custos das
obras e colocaria em risco sua aliança;
C) É interesse retirar o MME da responsabilidade sobre o
problema causado pelas barragens, assim como não deixar
evidenciar qualquer tipo de relação com o movimento dos atingidos
para novamente não colocar em risco sua aliança;
D) Há uma ofensiva intencional de não reconhecer a
legitimidade e a causa dos atingidos, e nem reconhecer o problema
de forma geral;
E) Há um certo entendimento de que a organização dos
atingidos, que luta por seus direitos, que luta para baixar preço
de energia, que luta para que todo povo tenha acesso a energia,
que luta para mudar a matriz energética, que luta contra a
privatização da água e da energia, entre outros, é algo que
incomoda o MME. Nesse sentido, as ações fracionadas das empresas
privadas estão, de certa forma, recebendo respaldo do MME.
IV. AS EMPRESAS DONAS DA ÁGUA, ENERGIA E BARRAGENS:
TRACTBEL-SUEZ: Empresa belga do conglomerado francês de
exploração de água, Suez SA. É uma das três maiores empresas do
mundo que dominam a área de saneamento básico. Estão entrando
violentamente para monopolizar a água e a energia dos países
pobres. A Tractbel é dona de várias barragens no Brasil (Cana
Brava/GO; Ita e Machadinho/RS-SC, Campos Novos/SC, etc). É
considerada a empresa mais violenta no tratamento com as
populações atingidas. Recebe financiamentos dos Banco
Interamericano de Desenvolvimento-BID e do BNDES. Com a
privatização, já está entre as quatro maiores empresas na área de
geração de energia no Brasil com 6.503 MW de capacidade
instalada. A Tractbel se recusa a reunir-se com o MAB para
discutir a situação de centenas de famílias atingidas por suas
barragens.
ALCOA: maior empresa de alumínio do mundo, com sede nos Estados
Unidos, vem se beneficiando com cerca de 200 milhões de dólares
anuais através do uso de energia subsidiada da barragem de
Tucurui/PA para sua fábrica de alumínio. É sócia de muitas
barragens, como, por exemplo, na Bacia do Rio Uruguai no Rio
Grande do Sul e Santa Catarina. Planeja construir outras obras no
coração da Amazônia brasileira para aliar eletricidade com a
exploração de alumínio.
CVRD: A companhia Vale do Rio Doce é a maior empresa de
exploração de minérios no Brasil. Além disto, tem a intenção de
deter o controle da construção e operação de hidroelétricas na
bacia do Tocantins-Araguaia, cujo potencial é de 16 grandes
hidroelétricas. É dona de várias barragens no Estado de Minas
Gerais, como Candonga, Porto Estrela, Irapé, Igarapava etc. Vem
permanentemente chantageando o governo para renovar seus
contratos de fornecimento de energia a baixo do custo de
produção. Tem como principal acionista Jorge Sooros.
BHP Billiton: É a maior empresa de exploração de minérios do
mundo, sediada no Reino Unido. É sócia da ALCOA no controle da
Alumar e planeja várias barragens na Amazônia. Também é acionista
de peso da Companhia Vale do Rio Doce.
CITICORP: Banco dos EUA que tem parte no controle da Companhia
Vale do Rio Doce, a maior empresa de mineração do Brasil, e da
fábrica de alumínio Albrás, junto a um consórcio japonês. Está
unindo-se a Alcoa e Billiton em planos de novas barragens na
Amazônia para satisfazer sua gula por eletricidade.
AES: Sediada nos Estados Unidos, foi uma empresa criada nos
paraísos fiscais para comprar, na época da privatização, a maior
empresa de distribuição de energia da América Latina, a
ELETROPAULO, uma estatal brasileira. Após ter recebido milhões de
dólares do BNDES, a AES provocou um dos maiores calotes no
Governo Brasileiro, negando sua dívida, que passava de R$ 1,2
bilhões. Recentemente, renegociou com o BNDES a dívida, porém
teve aproximadamente R$ 550 milhões de dívida perdoados,
referentes aos juros, porém é uma empresa que vem enviando ao
exterior enormes quantidades de recursos a sua empresa matriz.
CAMARGO CORREIA, BRADESCO, VOTORANTIN: No período da ditadura
militar eram empresas empreiteiras na construção de barragens e
forneciam cimento e outros materiais. Atualmente formaram um
consórcio chamado grupo VBC, o qual passou a ser dono de várias
barragens. Ora atuam como VBC, ora como grupos independentes.
Juntamente com as demais empresas citadas acima estão tomando
conta dos rios, da água e da energia do povo brasileiro.
V. UM OLHAR AO PASSADO NO SETOR ELÉTRICO:
Até a década de 60, o setor elétrico brasileiro foi controlado
por duas grandes empresas, uma estadunidense e outra canadense. O
monopólio privado restringia-se a atender as fábricas e o mercado
mundial, deixando de fora a população, fato que explica por que
as regiões mais pobres não possuem luz até os dias de hoje.
Quando o Estado brasileiro caminhava para consolidar um setor
verdadeiramente estatal houve o Golpe militar. A partir do
Governo militar passou a ser desenvolvida uma série de mega-
projetos na área de geração de energia em conjunto com o capital
internacional, especialmente o estadunidense.
Neste período, grandes projetos de barragens começaram a ser
construídos em todo o país: Itaipu, Tucuruy, Balbina, Itaparica,
Ita, Sobradinho, entre outros, foram construídos com a cara do
Governo Militar – satisfação econômica das empresas. Nesse
processo de construção das grandes barragens houve uma divisão de
papéis, na qual
a) as questões tecnológicas (construir as barragens e equipá-las)
ficaram sob responsabilidade das empresas privadas, na maioria
das vezes de capital estrangeiro;
b) as questões sócio-econômicas (remanejamento das populações
atingidas) e ambientais ficaram sob a responsabilidade do regime
militar, ou seja, neste período ocorreram os maiores desastres
sociais e ambientais causados pela construção de barragens e os
maiores escândalos de corrupção.
Comunidades inteiras de quilombolas, indígenas, pequenos
agricultores, meeiros, arrendatários, entre outros, foram
destruídas, perderam suas terras, tiveram suas casas alagadas,
plantações dizimadas, as condições de trabalho destruídas, sem
qualquer possibilidade de diálogo com os responsáveis. Qualquer
tentativa de manifestação popular era violentamente reprimida e
acompanhada pela polícia militar.
Para o então governo, construir barragens significou simplesmente
erguer o muro de cimento e instalar as turbinas de geração de
energia, deixando as populações atingidas e as questões
ambientais em último plano, fato que levou e continua levando
milhares de famílias a migrarem para os locais mais pobres da
região e para as cidades.
Diante desta contradição, a década de 80 se caracterizou pelo
início da organização dos atingidos com lutas locais e regionais.
Foi um período de intensa pressão popular, o que levou os
atingidos a conquistarem avanços, mesmo que localizados. Como
resultado da mobilização e pressão contra as barragens, o governo
passou a dar certa atenção ao problema causado pelas
hidrelétricas. Porém, a solução dos problemas foi localizada e
muito tímida.
Com o processo de privatização do setor elétrico nos anos 90, a
solução das questões sociais e ambientais começa a andar em
sentido contrário. O Governo e o Estado se retiram dos
compromissos e passam toda a responsabilidade ao controle das
empresas privadas, ou seja, há um grupo muito pequeno de
empresas internacionais que assumiram violentamente o setor em
função dos interesses de suas empresas matrizes, localizadas nos
Estados Unidos ou nos países europeus. Diante dessa realidade, a
vida e o rumo das famílias atingidas, assim como as questões
ambientais, passaram a ser definidas por empresas internacionais
que em alguns países são chamadas de eletro-traficantes. Estas
empresas possuem um padrão mundial de tratamento extremamente
violento, desrespeitando os direitos humanos. O que percebemos
ao longo dos anos da privatização é que em todas as barragens as
empresas caminham no sentido de cortar os gastos com as questões
sociais e ambientais para aumentarem significativamente seus
lucros.
VI. FONTES ALTERNATIVAS PARA ATENDER OS INTERESSES DO POVO
BRASILEIRO:
É possível construirmos um novo modelo de desenvolvimento,
incluindo um novo modelo energético.
Abaixo apresentamos algumas alternativas ao setor elétrico que
podem contribuir na mudança da matriz energética, acabando com o
problema da falta de energia e do problema social e ambiental
causado pelas barragens. São alternativas relativamente baratas,
viáveis e não demoradas na sua implementação.
Geração de Energia a partir da Biomassa: Somente utilizando
resíduos orgânicos, como o bagaço da cana, poderíamos aumentar em
3.000 MW o potencial instalado. Porém, estima-se ter um potencial
de aproximadamente 18.000 MW nesse campo da biomassa (casca de
arroz, bagaço da cana, serragem, outros resíduos).
Geração de Energia Eólica: O Brasil tem um potencial eólico
(energia dos ventos) extraordinário. Segundo Bermann, existe um
potencial imediato que poderia ser utilizado na faixa de 28.900
MW, principalmente no Nordeste, Rio de janeiiro e no Sul do
Brasil. Outros autores apontam que o potencial brasileiro mapeado
aproxima-se dos 143.000 MW (o dobro da atual capacidade
instalada).
Geração de energia Solar: Estudos apontam que as regiões de maior
incidência solar possuem um potencial de 5,00 kWh por metro
quadrado. O Brasil tem lugares privilegiados devido a sua alta
insolação, com condições exepcionais, como é o caso da Bacia do
São Francisco. O potencial geral de geração nessa área é
praticamente incalculável. Somente a barragem de Itaipú cobriu
1.350 km² de terras. O que significaria isso se apenas parte
deste território fosse utilizado para produzir energia?
Repotenciação das hidroelétricas: Boa parte do sistema de geração
hídrica instalada está depreciado e sucateado. Se promovêssemos
reparos e melhorias nas usinas já existentes teríamos a um custo
5 vezes menor, um acréscimo de 7.600 MW.
Redução das perdas na transmissão e distribuição de eletricidade:
O Brasil possui perdas operacionais e técnicas na ordem de 15%.
Porém, se adotar um índice de 6% considerado como padrão
internacional, poderíamos ter um acréscimo de mais 6.500 MW(ou
mais da metade da Usina de Itaipú, que possui 12.600 MWh de
potência instalada).
No entanto, a quantidade de energia mais significativa e
importante está na área da indústria eletro-intensiva, que
consome em torno de 32,4 % da energia.
VII. UMA POLÍTICA ENERGÉTICA PARA MELHORAR A VIDA DO POVO
BRASILEIRO:
Entendemos que possuímos uma oportunidade histórica para melhorar
a vida do povo brasileiro, em especial as camadas mais pobres.
Por isso, temos clareza que a mudança do modelo de
desenvoolvimento de nosso país so vai acontecer se for enfrentada
com firmeza a luta pela mudança do setor energético.Mais do que
nunca é necessário mudar radicalmente a forma dee produzir,
distribuir e consumir energia elétrica. O MAB, ao longo de anos,
vem reafirmando e propondo políticas para mudar o Modelo
energético brasileiro e de acordo com os interesses da população
brasileira.
Necessitamos construir um novo projeto de desenvolvimento para o
Brasilo. Para isso reafirmamos nossa posição e exigimos do
governo brasileiro a formulação de uma política energética que:
- Suspenda os subsídios aos grandes consumidores e a não renove
seus contratos, em particular as indústrias eletrointensivas;
- Garanta a água e energia, dois bens estratégicos para nossa
soberania, sob controle e a serviço do povo brasileiro.
Entendemos que é preciso parar com a privatização e a
mercantilização do setor, principalmente no que diz respeito a
água, energia e a biodiversidade;
- Garantia de energia elétrica e água para todas as famílias do
país;
- Contemple a participação da população previamente informada em
seu planejamento, decisão e execução;
- Que nenhuma barragem seja construída sem o concentimento prévio
e informado das populações atingidas;
- Execute as dívidas das empresas elétricas privatizadas e
retome do controle público estatal sobre o setor;
- Priorize as questões sociais e ambientais. Resgatando a dívida
social e ambiental do setor nas barragens construídas e em
construção, através da reparação das perdas das populações
atingidas;
- Corrija as distorções existentes no setor energético, acabando
com os desperdícios na transmissão, distribuição e consumo de
energia;
- Priorize investimentos em pesquisa, no desenvolvimento e na
implementação de fontes energéticas alternativas, respeitando
critérios de economicidade e sustentabilidade ambiental;
- Tenha uma política de preços, com baixo custo ao povo
brasileiro, em especial aos trabalhadores de baixa renda.
VIII. ALGUNS DADOS COMPARATIVOS:
PRIMEIRO EXEMPLO: subsídio para ALCOA
A ALCOA dos Estados Unidos, através de 02 empresas de exploração
de Alúmínio na Amazônia(Albrás e Alumar) a 20 anos está recebe
mais de U$ 200 milhões de subsídio por ano. Se esse dinheiro
fosse revertido ao povo brasileiro o que isso significaria:
– Na Reforma Agrária: Assentaríamos 27.000 famílias por ano
ou durante os 20 anos de subsídio já teríamos assentados
514.000 famílias. ( R$ 600 milhões dividido por R$
22.400,00/custo médio do INCRA para assentar uma família)
OBS: Como as barragens expulsaram 300 mill famílias, com os
subsídios poderíamos ter assentado todas as famílias expulsas, e
ainda sobraria dinheiro ao governo brasileiro.
– Habitação: Conseguiríamos fazer 75.000 casas populares por
ano ou durante os 20 anos teríamos construído 1.500.000
casas aos trabalhadores brasileiros(R$ 600 milhões dividido
por R$ 8.000,00-custo por casa).
SEGUNDO EXEMPLO: calote da AES
A dívida renegociada da AES foi de 1,2 bilhões de reais e R$ 550
milhões foram perdoados pelo BNDES. Se esse dinheiro não fosse
perdoado o Governo Brasileirro poderia:
– Na Reforma Agrária: Assentar 24.500 famílias de
trabalhadores sem terra.
– Habitação: Poderiamos construir 68.500 casas populares.
– Na agricultura camponesa: Na safra 2003/2004, 750.000
pequenos agricultores acessaram a linha de crédito do
PRONAF. Se o subsídio dado a ALCOA e se a dívida perdoada à
AES fosse transformado em incentivo aos agricultores para
produzir alimento limpo ao povo brasileiro, cada família(das
750 mil) receberia R$ 1.500,00 de apoio.
IX. PERGUNTAMOS:
1. Por que não há interesse de resolver os problemas causados
pelas barragens às populações atingidas?
2. Quem está pagando a conta com a continuidade do Modelo
energético de governos anteriores?
3. A quem interessa a construção de mais barragens?
4. A energia produzida está a serviço do povo brasileiro ou das
grandes empresas internacionais?
O Estado é definidor de políticas, e é papel do governo assumir a
responsabilidade da solução dos problemas causados pelas
barragens às populações atingidas, assim como, colocar a energia
e a água a serviço do interesse do povo brasileiro.
Águas para vida, não para morte!
Movimento dos Atingidos por Barragens
https://www.alainet.org/pt/active/5807