Trem bala ou ‘trem bola’?
22/07/2010
- Opinión
Quem é da minha geração certamente se lembrará do samba enredo da Imperatriz Leopoldinense, no carnaval de 1988: ‘Ô ô ô piui. Piui lá vem o trem. A ferrovia é brincadeira de neném’... A composição era, toda ela, uma sátira inteligente e sagaz à história do Brasil, culminando com aquela ‘bendita’ ferrovia! Aquela mesmo, a Norte-Sul que, se um dia for concluída, ligará o Pará ao Mato Grosso do Sul. A obra foi anunciada e teve início no governo Sarney. Aquele! Aquele mesmo que, segundo Lula, ‘não pode ser tratado como uma pessoa comum’.
O percurso desta obra faraônica, como o de tantas outras arquitetadas por pessoas que ‘não são comuns’ e integram o governo brasileiro, é conhecido de todos: mais de 30 anos em andamento, sem previsão de conclusão; diversas irregularidades denunciadas pelo Tribunal de Contas da União, seja na licitação, nas contratações ou na liberação de recursos; superfaturamento com desvio de verba que chega à casa dos R$ 516 milhões dos R$ 6,5 bilhões que deverá custar aos cofres públicos; e, como não poderia deixar de ser, inúmeros escândalos de corrupção, envolvendo, entre outros, Fernando Sarney, que é filho de José Sarney, aquele que ‘não é comum’.
Como no Brasil continua valendo a teoria do ‘nada se cria, tudo se copia’, agora é a vez do trem bala. Confesso que nem sei se vale a pena fazer aqui perguntas para satisfazer curiosidades minhas e de cidadãs e cidadãos comuns e honestos deste país. Receio que a resposta seja: ‘Não me faça pergunta difícil’. Em todo caso, vamos lá. A quem interessa um ‘trem bala’? Aos pobres que, para utilizá-lo precisariam dispor de todos os recursos para viajar sem fronteiras e pagar – em valores de hoje – o equivalente a R$ 200,00 a passagem? Tudo bem. Já sei o que vão dizer: ‘Lá vem esse cara, de novo, com esse papo de pobres’. Não seja por isso. Invertamos a pergunta: O trem bala vai interessar aos ricos, que podem locomover-se de avião, tão ou mais confortável e com a mesma ou maior rapidez, por preço igual ou inferior? Será que o trecho atendido pelo trem bala (São Paulo - Rio de Janeiro) compensará o altíssimo custo que será investido na obra que, por sua vez, não contempla regiões de mais difícil acesso, nem a precariedade dos meios de transporte coletivo, entre os quais, os trens que circulam pelos subúrbios das próprias cidades do Rio e São Paulo? Não seria, então, mais razoável aplicar os calculados R$ 33 bilhões para a realização do projeto na reforma, conservação e manutenção daquilo que, de fato, traz benefício para a população no seu conjunto?
Mas voltemos a nossa pergunta-raiz: A quem interessa, então, o trem bala? Encontrei a melhor resposta no endereço http://eramos6.uol.com.br/2010/07/13/trem-bala-no-brasil-e-menos-trem-e-... (disponível em 14/07/10): ‘Vem aí mais uma licitação. É o trem bala que vai ligar os bolsos dos empreiteiros entre São Paulo-Campinas-Rio (...) Vamos fazer essa licitação com muita lisura. Deixaremos liso o bolso da população. O trem vai sair de São Paulo e faremos apenas mais duas paradas: uma na Suíça, para deixar metade da grana nas contas do político que está coordenando o negócio, e mais metade na segunda parada, nas ilhas Cayman’.
A julgar pelo andar da carruagem, em especial pelo modo como as decisões continuam sendo tomadas por pessoas que não são comuns no Brasil, é possível prever que o trem bala vai repetir a trajetória da ferrovia Norte-Sul, e transformar-se no ‘trem bola’: mais uma bola de neve de corrupção de investidores e empreiteiros, deixando para o Presidente Lula a mesma acusação que pesou outrora sobre Sarney: ‘ligar nada a coisa alguma’.
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