EUA estariam buscando “rebelião” de coronéis para reverter golpe

13/08/2009
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Segundo Víctor Meza, ministro da Casa Civil e Justiça do governo deposto, esse é um dos cenários possíveis para o desenrolar da crise.
 
EM UMA CASA secreta em Tegucigalpa, o ministro da Casa Civil e Justiça, Víctor Meza, continua liderando o gabinete do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, exilado em território nicaraguense. Visivelmente abatido, Meza – que se uniu ao exército sandinista para derrotar a ditadura de Somoza, na Nicarágua – lamenta o retrocesso vivido pelo seu país. “Retrocedemos uns 30 anos, não posso acreditar”, diz. Em entrevista ao Brasil de Fato, Meza, que esteve pouco mais de um ano no governo, revela que os Estados Unidos estariam traçando um acordo paralelo com as Forças Armadas hondurenhas para reverter o golpe de Estado, elemento que converteria os militares, uma vez mais, em protagonistas. As outras duas possibilidades são a diplomacia e a “rebelião”. Meza deixou em aberto a crítica sobre as relações de Zelaya com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, mas defendeu, porém, a necessidade de adotar o pragmatismo nas relações exteriores regional. “Por que também não nos aproximamos de Lula?”.
 
Brasil de Fato – Na sua avaliação, quais cenários estão sendo contemplados internacionalmente para solucionar a crise em Honduras?
 
Víctor Meza – Três cenários. O primeiro é o proposto pelo presidente da Costa Rica [acordo de San José], que me parece mais viável. Negociemos sobre esta base: retorna o presidente, restauramos a ordem constitucional e discutimos sobre os outros temas. O segundo cenário, dos norteamericanos, é paralelo. Estão negociando com as Forças Armadas para resolver com um contragolpe. Isso supõe mais dois cenários: a velha junta de generais sabe que sua cabeça roda com essa possibilidade. Então, seria preciso que jovens oficiais, coronéis, digam que estão cansados e mudem as coisas. E o terceiro cenário: que o povo hondurenho se canse e opte pela opção armada. Que a resistência que começou pacífica se torne ativa e se converta em resistência armada. Esse é o terceiro cenário, o mais perigoso, mais provável e menos favorável. Estou falando de uma insurreição, não de uma revolução.
 
O acordo de San José é criticado pela Frente de Resistência porque pode trazer Zelaya de mãos atadas. Ele voltaria para legitimar as eleições, mas sem capacidade de impulsionar o projeto de instalação da quarta urna para promover a Assembleia Constituinte.
 
Se o traz de mãos atadas não importa. O problema fundamental é que o tragam de volta. Zelaya chega e garante a governabilidade, caso contrário não há governabilidade. As eleições só ganharão legitimidade internacional se o governo de fato e a ditadura desaparecerem.
 
Que tipo de influência o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, exerceu sobre Manuel Zelaya?
 
Sem dúvida eles são amigos, mas é um erro converter o presidente Chávez em um fator-chave da crise hondurenha. A raiz da crise está em Honduras, não na Venezuela. O vínculo nasce porque Zelaya começa a entender que, diante da oposição dos empresários locais, o único aliado que tem é o Chávez. Necessitamos do acordo da Petrocaribe, é um bom negócio. A primeira pessoa que propõe firmá-lo é o empresário Adolfo Facusé, presidente da Associação Nacional de Industriais. Era um raciocínio lógico. Tão correto que deixamos 137 milhões de dólares ao senhor Micheletti [desse total, 40 milhões de dólares teriam sido entregues ao Congresso].
 
Quais foram os erros cometidos por Zelaya?
 
Não poderia ter confiado nos militares hondurenhos.
 
Como se produziu o golpe?
 
Ele se gesta em três fases. A primeira começa quando o presidente toma posse, em 2006. [Começa] a conspiração dos grupos empresariais por uma razão: o presidente se nega a ser um instrumento destes, particularmente do grupo das grandes empresas de exportação e dos meios de comunicação. Aí começa a conspiração contra o sistema político, não contra o presidente. A partir da segunda etapa do governo, os grupos empresariais começam a se somar aos grupos militares, com um viés ideológico. Essa conspiração contra Zelaya não é só empresarial, é um problema ideológico. Foi o momento em que ele começou a radicalizar seu discurso a favor dos pobres, quando os pobres começam a sentir que são interlocutores do Estado. Pela primeira vez, sentiam que havia um presidente que falava com eles. À medida que os pobres se tornam sujeitos políticos, os velhos sujeitos históricos da cena nacional, os empresários, se incomodam e se preocupam.
 
Quando Zelaya muda o rumo e rompe com esses setores?
 
Essa virada se dá em 2008, quando ele começa a ter uma comunicação direta com as pessoas pobres do país, e estas começam a sentir que têm um interlocutor no Estado. É nesse momento que Zelaya descobre que não se pode mudar o Estado e a sociedade se não se muda o sistema bipartidário. Quando ele entende isso, opta pelos pobres, que começam a se sentir sujeitos históricos da dinâmica social. Nesse momento, os ricos se preocupam. O golpe de Estado em Honduras é resultado de uma burguesia assustada.
 
Qual era a saída para esse modelo bipartidário?
 
Zelaya pensava em fazer uma Constituinte. Ele nunca propôs fazer uma Constituinte neste governo, e sim no próximo. Ele pensava que, se na próxima Constituição fosse modificado o artigo que proíbe a reeleição, então ele seria candidato em 2013. E a classe política sabe que ele teria chances de derrotá-la. Esse era o temor dela.
 
A reeleição era o objetivo principal da Constituinte?
 
Zelaya não queria continuar sendo presidente, mas sim voltar a ser presidente. A reeleição era o objetivo, não o continuísmo.
 
Quais são os setores da sociedade hondurenha que dão sustentação ao golpe?
É evidente que os setores envolvidos no golpe são os grandes grupos empresariais, que não passam de dez. São ultraconservadores, sem visão política. São dez famílias que vivem congeladas na Guerra Fria. Aliadas a elas, estão uma classe política ultraconservadora e uma cúpula militar que é instrumento desses grupos. O golpe de Estado hondurenho é resultado de uma coalizão entre grupos conservadores empresariais, políticos e militares.
 
Que papel joga os Estados Unidos nessa coalizão?
 
Como Estado, nenhum. Como grupos políticos internos da direita dos Estados Unidos, sim. Otto Reich, Robert Noriega, os cubanos de Miami, são os que estão interessados em fazer a história latino-americana voltar ao passado. Nos anos 1980, Honduras esteve à margem das guerras civis da região. Agora, esses grupos são tão retardatários que querem colocar o país nesse cenário do passado. Eles aspiram a falsas utopias, que são as de voltar ao poder em Cuba, na Venezuela, na Nicarágua, a voltar aos velhos esquemas do poder tradicional oligárquico na América Central. Isso já não é possível.
 
O governo de fato afirma que Zelaya violou a Constituição ao convocar a consulta popular.
 
Não houve violação da Constituição ao convocar a quarta urna por uma simples razão. Não é ilegal perguntar ao povo se quer ou não quer determinada coisa. Isso não pode ser ilegal em nenhuma Constituição do mundo.
 
O senhor contemplou a possibilidade de um golpe de Estado?
 
Falei do golpe com o presidente como um cenário possível. Cometemos o erro de confiar nos militares. Aprendi a lição de que os militares são essencialmente traidores. Há que eliminar o Exército hondurenho. A guarda de honra [de proteção] do presidente dependia do Exército. Deveríamos ter forças civis de confiança, não podemos confiar nunca nos militares, são essencialmente traidores.
 
Zelaya não descartou a possibilidade de criar um Exército popular. Já havia grupos na fronteira treinando com essa finalidade.
 
Não acredito nos exércitos populares. Os que existiram na América Central propiciaram a paz, mas não ganharam a guerra. Só ganharam na Nicarágua, e por isso o Exército de lá não pode dar um golpe de Estado. Se aqui houvesse uma liderança popular para dirigir esse Exército popular, os militares já teriam desaparecido há dias.
 
Qual o possível desenlace dessa crise?
 
Só há um final: o retorno de Zelaya, da ordem constitucional e da nova governabilidade de Honduras. Honduras mudou nesses 40 dias, não voltará a ser a mesma. A Honduras nova será mais democrática, mais inclusiva, beligerante, mais plural e, de repente, mais revolucionária. Isso era o que não queria a direita, e foi o que conseguiu [com o golpe].
 
 
Repressão e debate eleitoral marcam manifestação multitudinária
 
Dirigentes sociais se dividem entre boicotar as eleições de novembro ou apostar em candidatura única
 
“Perguntaram onde íamos, respondi que estávamos nessa causa, buscando a paz”. Esta foi a explicação que o agricultor Alexander Martínez, de 65 anos, deu a um grupo do Exército que deteve o ônibus que o levava rumo à Tegucigalpa, ponto de encontro de uma multitudinária manifestação contra o golpe de Estado que depôs o presidente Manuel Zelaya.
 
Assim como outras pessoas, Martínez não pôde continuar sua viagem em veículo motorizado e decidiu caminhar. “Já levo quatro dias andando, dormindo na rua. Tudo isso porque, do jeito que está, não dá nem para trabalhar. Precisamos buscar a paz primeiro para depois conseguir trabalhar”, afirmou o agricultor, que carregava um cartaz com a frase “Ninguém deve obediência a um governo usurpador”.
 
A marcha nacional convocada pela Frente de Resistência Contra o Golpe foi uma aposta para manter a pressão interna contra o governo de fato de Roberto Micheletti, enquanto o impasse no âmbito internacional
continua.
 
Repressão
 
Os organismos de repressão do governo foram ativados nas principais entradas da capital e também na cidade de San Pedro Sula, outro ponto de encontro da manifestação. A violência que viria ao final do dia, na terça-feira, 10, foi antecipada pelos chefes policiais nos principais meios de comunicação que apoiam o golpe. “Se fecharem a via pública ou violentarem a propriedade privada, vamos atuar”, disse um comandante da polícia.
 
Os manifestantes marcharam rumo à casa presidencial, onde foram interrompidos no caminho por uma barreira de segurança. A polícia e Exército não aceitaram negociar uma rota alternativa, e a marcha retrocedeu. No caminho de volta, em frente à universidade onde permaneceriam alojados os manifestantes, um jovem foi atingido por uma bala. Em resposta, um ônibus e uma lanchonete foram incendiados. A polícia respondeu com repressão. Os efetivos cercaram a universidade e lançaram bombas de gás lacrimogêneo. “Os que estão aí dentro são delinquentes. Estamos aqui para garantir e preservar a propriedade privada”, afirmou um comandante da polícia a uma rádio local.
 
Enquanto o governo incrementa a repressão, a direção da Frente de Resistência entra em um período de definições e possíveis divisões. Para seus integrantes, está claro que o governo de Micheletti está ganhando tempo ao atrasar a visita da missão da Organização de Estados Americanos (OEA), que chegará ao país somente no final do mês. Até lá, a única estratégia por enquanto anunciada é a de manter a mobilização interna, que já leva mais de 45 dias nas ruas.
 
Eleições
 
Diante desse cenário, alguns dirigentes discutem a possibilidade de chamar um boicote às eleições gerais de novembro, por considerar que o pleito não é legítimo. Na avaliação deles, Zelaya poderia ser utilizado pela comunidade internacional apenas para legitimar as eleições, sem qualquer possibilidade de comando durante o fim de seu mandato. “Advertimos ao embaixador dos Estados Unidos que estabeleceremos um prazo para a volta do presidente; cas contrário, vamos trabalhar para deslegitimar as eleições”, afirmou Rafael Alegría, da direção da Frente.
 
Já o deputado do partido Unificação Democrática, César Ham, aposta em uma candidatura unificada entre as correntes que se opõem ao golpe para fazer frente ao governo de fato. “Temos que derrotar os candidatos golpistas, caso contrário, estaremos permitindo que eles se afinquem no poder”, alerta.
 
Ham propõe uma chapa unificada com o candidato do Bloco Popular – organização que reúne diversas forças da esquerda hondurenha – Carlos H. Reyes, que há duas semanas foi agredido pela polícia e ainda está em recuperação. Enquanto a comunidade internacional mantém a condenação ao golpe, mas suaviza as pressões, o nome de Manuel Zelaya, ainda que presente, começa a diluirse no discurso dos manifestantes. “Se Zelaya volta com as mãos amarradas, não importa, as desamarramos. Vamos pela Constituinte”, afirma a comerciante Dora Nuñez. (CJ)
 
- Claudia Jardim, enviada a Tegucigalpa (Honduras)
 
Brasil de Fato – edição 337 - de 13 a 19 de agosto de 2009 
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