As ameaças dos EUA e os interesses do Brasil

17/10/2002
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Diante da probabilidade de uma qualitativa mudança no poder nacional brasileiro, com a quase certa vitória de Lula no próximo dia 27, os círculos de poder pretensamente supranacionais, nomeadamente o imperialismo norte-americano, começam a se manifestar, apresentar condicionamentos, explicitar restrições e exercer ilegítimas, descabidas pressões. A Conferência das Américas, organizada pelo jornal "The Miami Herald", nos últimos dias na capital da Flórida, foi o cenário escolhido pelo governo estadunidense para mandar recados, dar avisos e fazer veladas ameaças, o que é uma demonstração do tipo de conflito que poderá surgir nas esferas comercial, financeira e diplomática entre o gigante do Sul e o império do Norte. As autoridades norte-americanas escaladas para o confronto antecipado deram a senha na citada conferência de que o governo Bush está armando três "bombas" contra o Brasil. A "bomba" financeira Coube ao subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos, Kenneth Dam, armar o primeiro artefato. Depois de tecer rasgados elogios àqueles que têm conduzido o Brasil à bancarrota, o ministro da Fazenda Pedro Malan e o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e de fazer coro com a campanha de José Serra ao atribuir a atual turbulência financeira ao nervosismo do mercado ( sic!) quanto ao resultado eleitoral, o subsecretário disse que o seu governo está disposto a colaborar com um eventual governo Lula, desde que este adote "políticas sadias". E como se estivesse falando sobre a gestão financeira de sua própria cozinha – uma vez que sobre a do governo norte-americano não tem autoridade para opinar, a julgar pela desordem em que estão as finanças do país – o subtesoureiro pontificou, dando receitas sobre o equilíbrio orçamentário, o controle da inflação e o respeito aos contratos, ou seja, o religioso pagamento das dívidas. Entrou no detalhe, pregando sem cerimônia a necessidade de o Brasil "manter a prudência fiscal e dar passos concretos para afastar os empecilhos ao crescimento, como a atual estrutura tributária". Fazendo chantagem aberta, Kenneth Dam ameaçou: "O dinheiro do FMI – referindo-se ao crédito de 30 bilhões de dólares previsto no último acordo do governo brasileiro com a instituição – está lá, desde que as políticas corretas também estejam". No momento em que essas declarações são feitas, o Brasil está vivendo os efeitos mais perversos da política econômica praticada pelo governo de FHC, sob monitoramento do FMI e do Tesouro norte-americano. A moeda deprecia-se persistentemente, a dívida pública – externa e interna – assume feição explosiva, a recessão bate às portas sob os efeitos de taxas de juros estratosféricas. A banca internacional, governos estrangeiros e investidores em geral perdem a confiança no mercado Brasil. O default é iminente. Se é assim, então escorche-se o país, seja qual for o governo, imponha- se-lhe uma política econômica e financeira, inclusive um plano de contingência para o caso de a insolvência se tornar inevitável. É esse o sentido das declarações do sr. Dam e o que as torna inaceitáveis. A "bomba"comercial Veio do sr. Robert Zoellick, chefe do escritório de comércio dos EUA, a declaração mais desdenhosa e ofensiva. Segundo ele, o Brasil não tem outro destino senão atrelar-se à Alca. Do contrário, que vá fazer comércio "mais ao sul, com a Antártida". Foi com essa grosseria que o governo norte-americano reagiu às reiteradas e justas declarações de Lula de que a Alca não é um processo de integração, mas de anexação aos Estados Unidos. Grosseria que encerra também a ameaça de isolar o Brasil não só dos EUA mas dos nossos vizinhos latino-americanos e parceiros de todas as Américas. A realidade, porém, mostra o inverso. Isolada é a posição dos EUA que pretende forçar a abertura dos mercados dos demais, impondo-lhes rebaixamento tarifário sem a contrapartida de retirada das restrições não tarifárias. Os EUA querem o nosso mercado enquanto na prática fecham o seu. A "bomba"dos "valores" Não poderia faltar em todo esse arsenal pelo qual os EUA interferem abusivamente nos assuntos brasileiros uma arma de natureza política. Eis que o sr. Otto Reich, subsecretário de Estado para a América Latina foi encarregado de brandir a exigência de apego do futuro governo brasileiro aos "valores" dos Estados Unidos – "a promoção dos direitos humanos e da democracia, sem tentar redefini-los, o oferecimento de oportunidades para seu povo, a não interferência nos assuntos de vizinhos, por exemplo abrigando terroristas". Não faltaram alusões ao suposto eixo Brasília – Caracas – Havana e a gestos do eventual governo Lula que comprometeriam as relações do Brasil com os Estados Unidos. Aqui não basta replicarmos com o não reconhecimento de autoridade moral e política aos Estados Unidos e ao designado funcionário para pregar respeito a "valores", mas é o caso também de aproveitarmos a deixa para dar o recado do povo brasileiro a todas essas insolentes afirmações. O recado das urnas O pronunciamento do povo brasileiro no último dia 6, que será confirmado dentro de pouco mais de uma semana, revela ao mundo a existência no hemisfério sul de um povo consciente e maduro, disposto a limpar a mancha da dependência externa e das iniqüidades sociais presente ao longo de cinco séculos de história. O Brasil que sai das urnas e desperta a admiração dos países e povos amigos é uma nação que adentra o século 21 preparada para viver sob um regime democrático autêntico e no gozo pleno da soberania nacional. O povo que sufragou e confirmará a vitória de Lula vai tomando consciência também de que esta soberba civilização tropical é uma chave estratégica no hemisfério sul, alvo de cobiças na luta que a superpotência do norte move hoje pela hegemonia do mundo. O novo governo terá respaldo político para corresponder a essa tomada de consciência, constituindo um novo Poder Nacional capaz de se relacionar em pé de igualdade com todas as nações, cultivando os valores democráticos correspondentes à formação histórica e cultural do Brasil, aliando-se com os países e povos com que tenha comunidade de interesses e exercendo comércio bilateral e multilateral não com pingüins mas com quaisquer parceiros individuais ou organizados em blocos, de qualquer latitude, inclusive com os Estados Unidos, se isto corresponder, e certamente corresponderá, aos interesses de ambos.
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