Manifesto em favor de uma educação escolar indígena de qualidade
22/07/2007
- Opinión
ANTECEDENTES
É fato que nas últimas duas décadas aconteceram conquistas extraordinárias no campo da política de educação escolar indígena no Brasil, em grande medida pela articulação e pressão dos povos indígenas, mas também por maior sensibilidade dos dirigentes do poder público no processo de redemocratização do país iniciados nos anos finais da década de1980. Saímos de algumas poucas escolas em aldeias que tinham por objetivo integrar, civilizar e colonizar os povos indígenas, proibindo suas línguas e condenando suas tradições e culturas, para muitas escolas indígenas bilíngües ou plurilíngües e interculturais de direito e de fato, com autonomia político-pedagógica, nas quais 95% de professores são indígenas, enquanto que ao final da década de 1980, eram apenas 2%, portanto, 98% eram professores não indígenas atuando nas escolas das aldeias.
A partir da aprovação da Lei 9394/96 que instituiu a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional e do Plano Nacional de Educação (2001), ocorreu no Brasil um processo acelerado de expansão da oferta do Ensino Fundamental para as comunidades indígenas. O senso escolar de 2003 já apontava que naquele ano existiam 150.000 estudantes indígenas no Brasil. O Censo Escolar de 2006 revela que esse número de estudantes indígenas subiu para 172.256, dos quais 4.749 são do ensino médio. O número de estudantes no ensino médio parece irrisório, mas representa um crescimento de 400% só nos últimos quatro anos, uma vez que em 2002 eram 1.187. Outro dado curioso é em relação ao ensino superior, aonde se estimam 4000 estudantes indígenas cursando graduação ou pós-graduação, o que representa mais da metade do contingente de estudantes indígenas do ensino médio.
Nos últimos quatro anos foram feitos alguns esforços por parte do Ministério da Educação por meio da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena em busca de maior qualidade na educação escolar indígena, priorizando ações de sensibilização dos sistemas de ensino, mas com poucos resultados no comprometimento destes sistemas quanto às suas obrigações constitucionais. Em termos quantitativos houve progressos consideráveis, como mostra o crescimento da oferta em todos os níveis de ensino, o maior aporte de recursos para a educação escolar indígena principalmente por meio do FUNDEF e hoje FUNDEB, maior articulação com os sistemas de ensino, envolvendo o CONSED e a UNDIME e a criação da SECAD. Outras ações foram igualmente importantes, mas também pontuais e limitadas na sua continuidade, impacto e abragência, como são os cursos de licenciaturas interculturais para professores indígenas (UNEMAT, UFRR, UFMG, UEA, USP, UFG e UFGD), as políticas de quotas nas universidades, editais para produção de materiais didáticos específicos, algumas construções de escolas indígenas e de algumas bolsas de estudos concedidos aos estudantes indígenas de ensino superior distribuídos por vários órgãos do MEC, da FUNAI, da FUNASA e de alguns governos estaduais, mas todo sem nenhuma garantia de continuidade ou de articulação entre si, além de serem absolutamente insuficientes para a permanência digna dos estudantes indígenas nas universidades.
Essas conquistas devem-se em grande parte à mobilização dos índios e às políticas de universalização do ensino básico e de ações afirmativas para os casos de ensino superior que forçaram a ampliação dos recursos financeiros. Avanços conceituais e políticos permitiram o reconhecimento e a institucionalização de categorias sociais estratégicas para os povos indígenas rumo à recuperação de suas autonomias etnoculturais, como professores indígenas, escolas Indígenas e materiais didáticos específicos. Metodologias inovadoras nas práticas educativas aos poucos vão surgindo e ganhando espaço nas escolas, permitindo aos índios oportunidades de escolhas decisivas nas lutas por seus projetos, direitos e interesses.
No entanto, persistem enormes desafios para um patamar aceitável de oferta em quantidade e qualidade da escola indígena. Segundo dados preliminares levantados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COIAB), por meio de um diagnóstico ainda em curso, aponta que na maioria das escolas indígenas na Amazônia, continuam os velhos problemas que vão desde ausência de alimentação e material escolar à falta de prédios escolares e de professores qualificados, o que demonstra que existem problemas na gestão das políticas de educação escolar indígena. Esses problemas são basicamente de cinco ordens:
1. As Leis que estabelecem os direitos indígenas no campo da educação não são respeitadas e cumpridas pelos sistemas de ensino. Hoje temos no Brasil uma legislação que permite transformar ou construir escolas indígenas de acordo com as realidades e perspectivas sócio-culturais dos povos indígenas, mas que é simplesmente ignorada pelos sistemas de ensino. Esse precedente é desanimador, na medida em que não adianta formular ou estabelecer novas regras, normas e leis se as que já existem não são cumpridas.
2. As estruturas político-administrativas e jurídicas baseadas nos sistemas de ensino, que deveriam atuar em regime de colaboração, não funcionam para a educação escolar indígena. Os sistemas municipais, estaduais e federal não atuam de forma articulada e coordenada para atender a totalidade dos direitos e das demandas indígenas. Ninguém assume responsabilidade pela educação escolar indígena na sua integralidade. Quando um município se nega a atender a demanda indígena por educação escolar, ninguém faz nada para resolver o impasse, é o que acontece hoje, por exemplo, nos municípios de Atalaia do Norte e Jutaí, no Estado do Amazonas.
3. Inexistência de recursos financeiros e técnicos para atividades essenciais ao bom desenvolvimento da educação escolar indígena. Hoje não existe nenhum programa e política de financiamento para as atividades essenciais ao desenvolvimento da qualidade da educação escolar indígena, como formação de professores, material didático específico, acesso e permanência no ensino superior e construção e equipamento de escolas. Sem apoio técnico e financeiro do MEC, não é possível pensar em programas e ações voltadas para esses fins prioritários, uma vez que os municípios não conseguem atender essas demandas, mesmo com a existência do FUNDEB.
4. Recursos existentes como o FUNDEB, e a Merenda Escolar não são suficientes ou simplesmente não chegam ou não são aplicadas nas escolas indígenas. A maioria dos municípios e estados que recebem recursos do FUNDEB e da merenda escolar para as escolas indígenas sob suas jurisdições não repassam e não aplicam devidamente os referidos recursos nas escolas indígenas, na medida em que sempre priorizam e privilegiam as escolas urbanas politicamente mais rentáveis. Em alguns casos, quando a merenda escolar não é regionalizada ou descentralizada, a sua distribuição (transporte) a partir das sedes dos municípios é mais cara do que o custo dos produtos, como acontece na maioria dos municípios da Amazônia.
5. Ineficiência dos instrumentos de controle social das políticas de educação escolar indígena. Até hoje não se encontrou modelo institucional que garantisse a participação efetiva e adequada de lideranças indígenas no controle social das políticas de educação escolar indígena tanto no âmbito do MEC, quanto no âmbito dos estados e dos municípios. As experiências da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (MEC), dos Conselhos Estaduais de Educação Escolar Indígena e dos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação se mostraram ineficientes e inadequados para responder a essa demanda e necessidade, uma vez que são imprescindíveis espaços em que os índios sejam ouvidos e participem da formulação, avaliação e acompanhamento informado e qualificado das políticas e ações que lhes dizem respeito conforme estabelece a Constituição Federal e as Leis Internacionais como a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
PAC e PDE: OPORTUNIDADES OU AMEAÇAS?
Hoje a maior preocupação dos povos e organizações indígenas do Brasil está voltada para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que foi lançado recentemente como carro-chefe do segundo governo Lula. E há razões de sobra para a preocupação dos índios, uma vez que entre as prioridades do Programa estão construções de complexos hidrelétricos para geração de energias e de estradas e hidrovias que irão afetar direta e indiretamente os povos indígenas. Independentemente dos impactos que os empreendimentos irão produzir na vida desses povos, sejam eles positivos ou negativos, estudos do Banco Mundial sobre impactos de projetos econômicos na América Latina, independente de seus resultados na esfera macroeconômica, indicam que os povos indígenas sempre foram vítimas desses programas, piorando significativamente as suas condições de vida. Em termos gerais, o PAC não significa nenhuma vantagem aos povos indígenas, uma vez que não contempla nenhum tipo de ação ou investimento específico e significativo destinado às terras ou comunidades indígenas. Na educação escolar indígena, por exemplo, o Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) não acrescenta em nada em termos de recursos ou políticas para melhorar o quadro precário das escolas indígenas e da ausência de programas e políticas de financiamento das gritantes demandas indígenas por ensino médio e acesso e permanência no ensino superior.
PDE INDÍGENA
As terras indígenas hoje representam 13% do território nacional. Na Amazônia Legal, elas somam 23% da região. Essas terras apresentam indiscutível importância estratégica para o país, haja vista a sua inestimável riqueza da sociobiodiversidade, ainda altamente preservada e protegida pelos seus habitantes ancestrais. É inconcebível que em um programa da natureza do PAC e PDE, com a pretensão de criar bases para o desenvolvimento sócio-econômico do país, não dê importância a essa parcela territorial e segmentos sociais importantes do país, principalmente no que diz respeito à oferta de educação adequada e de qualidade, que os tornem também agentes de seu desenvolvimento e de desenvolvimento local, regional e nacional. É preocupante que tanto no PAC quanto no PDE não tenha nada claro e específico a esse respeito. No campo da educação um PDE indígena seria o mínimo que se espera de um governo com reais preocupações com justiça social, com políticas de inclusão social que respeite a sociodiversidade. A escola indígena deveria ser vista e tratada com mais seriedade e resonsabilidade no PDE que o MEC está colocando em movimento.
Os povos indígenas que estão cuidando dos 13% do território nacional e dos 22% da tão cobiçada Amazônia precisam ter educação escolar de alto nível e com muito respeito à diversidade sociocultural e sociolingüística. Afinal de contas quem vai cuidar, gerir e proteger esses 13% do território nacional, a não ser os próprios índios? Não é possível mais pensar que a FUNAI tenha que continuar mandando não índios para serem os chefes de postos nas terras indígenas, uma vez que são os próprios índios que tem que fazer isso, na linha da autonomia e autodeterminação que estabelece a Convenção 169 da OIT. Mas para isso é necessário formação e qualificação de ponta dos índios. Mas como fazer isso se a educação escolar indígena continua muito ruim e sem perspectiva concreta de melhoria, sem programas permanentes nem recursos financeiros garantidos no âmbito do MEC. Para que serve ou o que é possível fazer com oito milhões de reais que a CGEEI dispõe para 2007, diante de tamanha demanda e gravidade da situação? É irresponsabilidade dos gestores federais deixarem todo esse potencial e esse patrimônio nacional nas mãos de gestores municipais inescrupulosos como os de Atalaia do Norte e Jutaí no estado do Amazonas aonde a situação da saúde e a da educação indígena é um verdadeiro caos, sem um amplo e articulado conjunto de medidas de apoio, supervisão, avaliação e correção de rumos de políticas públicas.
Enquanto não se tem um compromisso concreto e substancial por parte do Poder Público, em especial do MEC para elevar o nível de oferta e qualidade da educação escolar indígena, não resta aos povos indígenas outra coisa senão a triste solução de abandono de suas terras em busca de sonhos de dignidade e de direitos nos centros urbanos, aonde só aumentam os problemas de todas as ordens, de que as cidades estão fartos.
Neste sentido, apresentamos a seguir um conjunto de ações prioritárias e emergenciais que precisam ser assumidas pelo Ministério da Educação no âmbito do PAC e do PDE – PDE indígena - única forma de garantir um mínimo de atenção e de inclusão dos povos indígenas no processo de desenvolvimento do país. Um aporte de recurso anual de R$ 40.000.000,00 por parte do MEC seria o mínimo para se começar a dar à educação escolar indígena um novo patamar de importância e qualidade.
PROPOSTAS
1. Elaborar e instituir um novo marco regulatório para a educação escolar indígena, na forma de um Subsistema de Educação Indígena que contemple: 1) os sistemas educativos de cada povo indígena,; 2) as territorialidades (distritos) étnicas e campos socioculturais; 3) o estabelecimento de leis e normas específicas válidas para todos os poderes constituídos do país (tribunais, estados, municípios, Ongs, etc); 4) o estabelecimento de orçamentos específicos (rubricas) para a educação escolar indígena, mas, integrado ao sistema nacional de educação. O subsistema deverá definir com clareza, objetividade e efetividade as responsabilidades e competências do Poder Público em seus diversos níveis, superando o famigerado regime de colaboração que definitivamente não tem funcionado.
2. O MEC precisa buscar mecanismos políticos, administrativos e jurídicos para “forçar” que os estados e municípios apliquem na educação escolar indígena e nas escolas indígenas os recursos relacionados às matrículas indígenas, que para 2007, são mais de 217 milhões de reais só de FUNDEB conforme a matrícula declarada no Censo Escolar 2006 pelos sistemas de ensino.
3. Instituir formas mais eficientes de participação e controle social indígena nas políticas de educação escolar indígena. O governo federal, por meio do MEC, poderia dar o primeiro passo, instituindo o Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena, como órgão regulador da política nacional de educação escolar indígena e com ampla participação de professores e lideranças indígenas e de outros atores envolvidos na oferta da educação escolar indígena, capaz de articular de forma sistêmica os sistemas de ensino, as universidades e organizações da sociedade civil.
4. Consolidar e ampliar a política de formação de professores indígenas em cursos universitários de Licenciatura Intercultural e outras licenciaturas temáticas. Para 2007 seria necessário garantir a instalação de pelo menos mais 04 cursos, para alcançar o número de 2000 professores indígenas em formação. Para isso é necessários garantir oito milhões de reais (R$ 8.000.000,00) para dar continuidade aos quatro cursos já instalados e instalar mais quatro.
5. Garantir apoio técnico e financeiro para a ampliação e a continuidade da formação de professores indígenas em cursos de Magistério Indígena – Nível Médio, das secretarias estaduais e municipais e de ONGs. Os editais de financiamento precisam atender a demanda integral dos cursos do início ao fim, e não como sãos os atuais editais do FNDE, que por serem anuais, nunca se tem a garantia de continuidade e muito menos de conclusão dos cursos iniciados. Para apoiar a formação de 2000 professores indígenas são necessários quatro milhões de reais (R$ 4.000.000,00). Experiências indicam que os municípios e estados, mesmo com os recursos do FUNDEB não garantem atender a demanda reprimida.
6. Garantir apoio técnico e financeiro para implantação do ensino médio integrado nas escolas indígenas articulados aos sistemas produtivos das comunidades e com os projetos de etnodesenvolvimento dos seus diferentes territórios. Para apoiar 20 projetos em 2007, são necessários dois milhões de reais (R$ 2.000.000,00) e não há nenhuma previsão orçamentária este ano para este fim. Os atuais recursos do FUNDEB não são suficientes para ampliar a oferta e nem para melhorar a qualidade dos cursos existentes, que estão muito aquém do mínimo desejado. Os municípios e estados utilizam os recursos do FUNDEB prioritariamente nos centros urbanos.
7. Garantir apoio técnico e financeiro para produção de material didático específico para escolas indígenas de autoria dos próprios índios (livros, CDs, DVDs e outros). Para iniciar seriam necessários pelo menos R$ 2.000.000,00 ao ano.
8. Criar um programa nacional de instalação de rede física adequada para as escolas indígenas em todo o país, respeitando-se as realidades e conhecimentos arquitetônicos das comunidades e com recursos financeiros específicos garantidos. Para construção, reforma ou ampliações de 100 escolas indígenas com aquisição de equipamentos seriam necessários quinze milhões de reais (R$ 15.000.000,00). Construir, reformar ou ampliar 100 escolas por ano não é nenhum exagero se considerarmos que as mais de 2000 escolas indígenas do país estão em péssimas condições ou simplesmente funcionam na casa do professor ou no terreiro da aldeia.
9. Criar um programa de apoio técnico e financeiro destinado a garantir o acesso e permanência dos estudantes indígenas no ensino superior, por meio de bolsas adequadas que leve em consideração as suas demandas e realidades específicas. Atualmente existem mais de 2000 estudantes indígenas no ensino superior, destes, menos da metade recebe algum tipo de bolsa que varia de R$150,00 a R$900,00. Mesmo aqueles que se beneficiam de alguma bolsa, todos tem péssimas condições de estudo, moradia, alimentação e transporte o que prejudica seus rendimentos. Pior são aqueles que não recebem bolsas, sofrem e fazem sofrer seus familiares. Portanto, para melhorar a situação de imediato, seriam necessárias pelos menos 500 bolsas de R$ 900,00 cada uma, totalizando um valor anual de R$ 5.4000.000,00.
10. Realizar a Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena precedida de pré-conferências escolares locais e regionais. Para a conferência e as pré-conferências são necessárias pelo menos R$ 2.000.000,00.
11. Criar condições operacionais e financeiras para elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação escolar indígena com ampla participação indígena, levando-se em conta a necessidade de uma articulação integrada e sistêmica de todos os níveis e modalidade de ensino, da educação infantil a educação superior. Para esta atividade são necessários pelo menos R$ 500.000,00.
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPIN-SUL
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia – COIAB
Centro Indígena de Estudos e Pesquisas – CINEP
Conselho Indígena de Roraima – CIR
Conselho das Aldeias Waiãpi
Conselho Indigenista Missionário – CIMI Norte 1
Conselho Indigenista Missionário – CIMI Nacional
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN
Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena - EPÊ
Grupo de Trabalho Missionário Evangélico - GTME
Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Organização Indígena da Bacia do Rio Içana - OIBI
Representação Indígena no Conselho Nacional de Educação
É fato que nas últimas duas décadas aconteceram conquistas extraordinárias no campo da política de educação escolar indígena no Brasil, em grande medida pela articulação e pressão dos povos indígenas, mas também por maior sensibilidade dos dirigentes do poder público no processo de redemocratização do país iniciados nos anos finais da década de1980. Saímos de algumas poucas escolas em aldeias que tinham por objetivo integrar, civilizar e colonizar os povos indígenas, proibindo suas línguas e condenando suas tradições e culturas, para muitas escolas indígenas bilíngües ou plurilíngües e interculturais de direito e de fato, com autonomia político-pedagógica, nas quais 95% de professores são indígenas, enquanto que ao final da década de 1980, eram apenas 2%, portanto, 98% eram professores não indígenas atuando nas escolas das aldeias.
A partir da aprovação da Lei 9394/96 que instituiu a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional e do Plano Nacional de Educação (2001), ocorreu no Brasil um processo acelerado de expansão da oferta do Ensino Fundamental para as comunidades indígenas. O senso escolar de 2003 já apontava que naquele ano existiam 150.000 estudantes indígenas no Brasil. O Censo Escolar de 2006 revela que esse número de estudantes indígenas subiu para 172.256, dos quais 4.749 são do ensino médio. O número de estudantes no ensino médio parece irrisório, mas representa um crescimento de 400% só nos últimos quatro anos, uma vez que em 2002 eram 1.187. Outro dado curioso é em relação ao ensino superior, aonde se estimam 4000 estudantes indígenas cursando graduação ou pós-graduação, o que representa mais da metade do contingente de estudantes indígenas do ensino médio.
Nos últimos quatro anos foram feitos alguns esforços por parte do Ministério da Educação por meio da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena em busca de maior qualidade na educação escolar indígena, priorizando ações de sensibilização dos sistemas de ensino, mas com poucos resultados no comprometimento destes sistemas quanto às suas obrigações constitucionais. Em termos quantitativos houve progressos consideráveis, como mostra o crescimento da oferta em todos os níveis de ensino, o maior aporte de recursos para a educação escolar indígena principalmente por meio do FUNDEF e hoje FUNDEB, maior articulação com os sistemas de ensino, envolvendo o CONSED e a UNDIME e a criação da SECAD. Outras ações foram igualmente importantes, mas também pontuais e limitadas na sua continuidade, impacto e abragência, como são os cursos de licenciaturas interculturais para professores indígenas (UNEMAT, UFRR, UFMG, UEA, USP, UFG e UFGD), as políticas de quotas nas universidades, editais para produção de materiais didáticos específicos, algumas construções de escolas indígenas e de algumas bolsas de estudos concedidos aos estudantes indígenas de ensino superior distribuídos por vários órgãos do MEC, da FUNAI, da FUNASA e de alguns governos estaduais, mas todo sem nenhuma garantia de continuidade ou de articulação entre si, além de serem absolutamente insuficientes para a permanência digna dos estudantes indígenas nas universidades.
Essas conquistas devem-se em grande parte à mobilização dos índios e às políticas de universalização do ensino básico e de ações afirmativas para os casos de ensino superior que forçaram a ampliação dos recursos financeiros. Avanços conceituais e políticos permitiram o reconhecimento e a institucionalização de categorias sociais estratégicas para os povos indígenas rumo à recuperação de suas autonomias etnoculturais, como professores indígenas, escolas Indígenas e materiais didáticos específicos. Metodologias inovadoras nas práticas educativas aos poucos vão surgindo e ganhando espaço nas escolas, permitindo aos índios oportunidades de escolhas decisivas nas lutas por seus projetos, direitos e interesses.
No entanto, persistem enormes desafios para um patamar aceitável de oferta em quantidade e qualidade da escola indígena. Segundo dados preliminares levantados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COIAB), por meio de um diagnóstico ainda em curso, aponta que na maioria das escolas indígenas na Amazônia, continuam os velhos problemas que vão desde ausência de alimentação e material escolar à falta de prédios escolares e de professores qualificados, o que demonstra que existem problemas na gestão das políticas de educação escolar indígena. Esses problemas são basicamente de cinco ordens:
1. As Leis que estabelecem os direitos indígenas no campo da educação não são respeitadas e cumpridas pelos sistemas de ensino. Hoje temos no Brasil uma legislação que permite transformar ou construir escolas indígenas de acordo com as realidades e perspectivas sócio-culturais dos povos indígenas, mas que é simplesmente ignorada pelos sistemas de ensino. Esse precedente é desanimador, na medida em que não adianta formular ou estabelecer novas regras, normas e leis se as que já existem não são cumpridas.
2. As estruturas político-administrativas e jurídicas baseadas nos sistemas de ensino, que deveriam atuar em regime de colaboração, não funcionam para a educação escolar indígena. Os sistemas municipais, estaduais e federal não atuam de forma articulada e coordenada para atender a totalidade dos direitos e das demandas indígenas. Ninguém assume responsabilidade pela educação escolar indígena na sua integralidade. Quando um município se nega a atender a demanda indígena por educação escolar, ninguém faz nada para resolver o impasse, é o que acontece hoje, por exemplo, nos municípios de Atalaia do Norte e Jutaí, no Estado do Amazonas.
3. Inexistência de recursos financeiros e técnicos para atividades essenciais ao bom desenvolvimento da educação escolar indígena. Hoje não existe nenhum programa e política de financiamento para as atividades essenciais ao desenvolvimento da qualidade da educação escolar indígena, como formação de professores, material didático específico, acesso e permanência no ensino superior e construção e equipamento de escolas. Sem apoio técnico e financeiro do MEC, não é possível pensar em programas e ações voltadas para esses fins prioritários, uma vez que os municípios não conseguem atender essas demandas, mesmo com a existência do FUNDEB.
4. Recursos existentes como o FUNDEB, e a Merenda Escolar não são suficientes ou simplesmente não chegam ou não são aplicadas nas escolas indígenas. A maioria dos municípios e estados que recebem recursos do FUNDEB e da merenda escolar para as escolas indígenas sob suas jurisdições não repassam e não aplicam devidamente os referidos recursos nas escolas indígenas, na medida em que sempre priorizam e privilegiam as escolas urbanas politicamente mais rentáveis. Em alguns casos, quando a merenda escolar não é regionalizada ou descentralizada, a sua distribuição (transporte) a partir das sedes dos municípios é mais cara do que o custo dos produtos, como acontece na maioria dos municípios da Amazônia.
5. Ineficiência dos instrumentos de controle social das políticas de educação escolar indígena. Até hoje não se encontrou modelo institucional que garantisse a participação efetiva e adequada de lideranças indígenas no controle social das políticas de educação escolar indígena tanto no âmbito do MEC, quanto no âmbito dos estados e dos municípios. As experiências da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (MEC), dos Conselhos Estaduais de Educação Escolar Indígena e dos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação se mostraram ineficientes e inadequados para responder a essa demanda e necessidade, uma vez que são imprescindíveis espaços em que os índios sejam ouvidos e participem da formulação, avaliação e acompanhamento informado e qualificado das políticas e ações que lhes dizem respeito conforme estabelece a Constituição Federal e as Leis Internacionais como a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
PAC e PDE: OPORTUNIDADES OU AMEAÇAS?
Hoje a maior preocupação dos povos e organizações indígenas do Brasil está voltada para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que foi lançado recentemente como carro-chefe do segundo governo Lula. E há razões de sobra para a preocupação dos índios, uma vez que entre as prioridades do Programa estão construções de complexos hidrelétricos para geração de energias e de estradas e hidrovias que irão afetar direta e indiretamente os povos indígenas. Independentemente dos impactos que os empreendimentos irão produzir na vida desses povos, sejam eles positivos ou negativos, estudos do Banco Mundial sobre impactos de projetos econômicos na América Latina, independente de seus resultados na esfera macroeconômica, indicam que os povos indígenas sempre foram vítimas desses programas, piorando significativamente as suas condições de vida. Em termos gerais, o PAC não significa nenhuma vantagem aos povos indígenas, uma vez que não contempla nenhum tipo de ação ou investimento específico e significativo destinado às terras ou comunidades indígenas. Na educação escolar indígena, por exemplo, o Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) não acrescenta em nada em termos de recursos ou políticas para melhorar o quadro precário das escolas indígenas e da ausência de programas e políticas de financiamento das gritantes demandas indígenas por ensino médio e acesso e permanência no ensino superior.
PDE INDÍGENA
As terras indígenas hoje representam 13% do território nacional. Na Amazônia Legal, elas somam 23% da região. Essas terras apresentam indiscutível importância estratégica para o país, haja vista a sua inestimável riqueza da sociobiodiversidade, ainda altamente preservada e protegida pelos seus habitantes ancestrais. É inconcebível que em um programa da natureza do PAC e PDE, com a pretensão de criar bases para o desenvolvimento sócio-econômico do país, não dê importância a essa parcela territorial e segmentos sociais importantes do país, principalmente no que diz respeito à oferta de educação adequada e de qualidade, que os tornem também agentes de seu desenvolvimento e de desenvolvimento local, regional e nacional. É preocupante que tanto no PAC quanto no PDE não tenha nada claro e específico a esse respeito. No campo da educação um PDE indígena seria o mínimo que se espera de um governo com reais preocupações com justiça social, com políticas de inclusão social que respeite a sociodiversidade. A escola indígena deveria ser vista e tratada com mais seriedade e resonsabilidade no PDE que o MEC está colocando em movimento.
Os povos indígenas que estão cuidando dos 13% do território nacional e dos 22% da tão cobiçada Amazônia precisam ter educação escolar de alto nível e com muito respeito à diversidade sociocultural e sociolingüística. Afinal de contas quem vai cuidar, gerir e proteger esses 13% do território nacional, a não ser os próprios índios? Não é possível mais pensar que a FUNAI tenha que continuar mandando não índios para serem os chefes de postos nas terras indígenas, uma vez que são os próprios índios que tem que fazer isso, na linha da autonomia e autodeterminação que estabelece a Convenção 169 da OIT. Mas para isso é necessário formação e qualificação de ponta dos índios. Mas como fazer isso se a educação escolar indígena continua muito ruim e sem perspectiva concreta de melhoria, sem programas permanentes nem recursos financeiros garantidos no âmbito do MEC. Para que serve ou o que é possível fazer com oito milhões de reais que a CGEEI dispõe para 2007, diante de tamanha demanda e gravidade da situação? É irresponsabilidade dos gestores federais deixarem todo esse potencial e esse patrimônio nacional nas mãos de gestores municipais inescrupulosos como os de Atalaia do Norte e Jutaí no estado do Amazonas aonde a situação da saúde e a da educação indígena é um verdadeiro caos, sem um amplo e articulado conjunto de medidas de apoio, supervisão, avaliação e correção de rumos de políticas públicas.
Enquanto não se tem um compromisso concreto e substancial por parte do Poder Público, em especial do MEC para elevar o nível de oferta e qualidade da educação escolar indígena, não resta aos povos indígenas outra coisa senão a triste solução de abandono de suas terras em busca de sonhos de dignidade e de direitos nos centros urbanos, aonde só aumentam os problemas de todas as ordens, de que as cidades estão fartos.
Neste sentido, apresentamos a seguir um conjunto de ações prioritárias e emergenciais que precisam ser assumidas pelo Ministério da Educação no âmbito do PAC e do PDE – PDE indígena - única forma de garantir um mínimo de atenção e de inclusão dos povos indígenas no processo de desenvolvimento do país. Um aporte de recurso anual de R$ 40.000.000,00 por parte do MEC seria o mínimo para se começar a dar à educação escolar indígena um novo patamar de importância e qualidade.
PROPOSTAS
1. Elaborar e instituir um novo marco regulatório para a educação escolar indígena, na forma de um Subsistema de Educação Indígena que contemple: 1) os sistemas educativos de cada povo indígena,; 2) as territorialidades (distritos) étnicas e campos socioculturais; 3) o estabelecimento de leis e normas específicas válidas para todos os poderes constituídos do país (tribunais, estados, municípios, Ongs, etc); 4) o estabelecimento de orçamentos específicos (rubricas) para a educação escolar indígena, mas, integrado ao sistema nacional de educação. O subsistema deverá definir com clareza, objetividade e efetividade as responsabilidades e competências do Poder Público em seus diversos níveis, superando o famigerado regime de colaboração que definitivamente não tem funcionado.
2. O MEC precisa buscar mecanismos políticos, administrativos e jurídicos para “forçar” que os estados e municípios apliquem na educação escolar indígena e nas escolas indígenas os recursos relacionados às matrículas indígenas, que para 2007, são mais de 217 milhões de reais só de FUNDEB conforme a matrícula declarada no Censo Escolar 2006 pelos sistemas de ensino.
3. Instituir formas mais eficientes de participação e controle social indígena nas políticas de educação escolar indígena. O governo federal, por meio do MEC, poderia dar o primeiro passo, instituindo o Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena, como órgão regulador da política nacional de educação escolar indígena e com ampla participação de professores e lideranças indígenas e de outros atores envolvidos na oferta da educação escolar indígena, capaz de articular de forma sistêmica os sistemas de ensino, as universidades e organizações da sociedade civil.
4. Consolidar e ampliar a política de formação de professores indígenas em cursos universitários de Licenciatura Intercultural e outras licenciaturas temáticas. Para 2007 seria necessário garantir a instalação de pelo menos mais 04 cursos, para alcançar o número de 2000 professores indígenas em formação. Para isso é necessários garantir oito milhões de reais (R$ 8.000.000,00) para dar continuidade aos quatro cursos já instalados e instalar mais quatro.
5. Garantir apoio técnico e financeiro para a ampliação e a continuidade da formação de professores indígenas em cursos de Magistério Indígena – Nível Médio, das secretarias estaduais e municipais e de ONGs. Os editais de financiamento precisam atender a demanda integral dos cursos do início ao fim, e não como sãos os atuais editais do FNDE, que por serem anuais, nunca se tem a garantia de continuidade e muito menos de conclusão dos cursos iniciados. Para apoiar a formação de 2000 professores indígenas são necessários quatro milhões de reais (R$ 4.000.000,00). Experiências indicam que os municípios e estados, mesmo com os recursos do FUNDEB não garantem atender a demanda reprimida.
6. Garantir apoio técnico e financeiro para implantação do ensino médio integrado nas escolas indígenas articulados aos sistemas produtivos das comunidades e com os projetos de etnodesenvolvimento dos seus diferentes territórios. Para apoiar 20 projetos em 2007, são necessários dois milhões de reais (R$ 2.000.000,00) e não há nenhuma previsão orçamentária este ano para este fim. Os atuais recursos do FUNDEB não são suficientes para ampliar a oferta e nem para melhorar a qualidade dos cursos existentes, que estão muito aquém do mínimo desejado. Os municípios e estados utilizam os recursos do FUNDEB prioritariamente nos centros urbanos.
7. Garantir apoio técnico e financeiro para produção de material didático específico para escolas indígenas de autoria dos próprios índios (livros, CDs, DVDs e outros). Para iniciar seriam necessários pelo menos R$ 2.000.000,00 ao ano.
8. Criar um programa nacional de instalação de rede física adequada para as escolas indígenas em todo o país, respeitando-se as realidades e conhecimentos arquitetônicos das comunidades e com recursos financeiros específicos garantidos. Para construção, reforma ou ampliações de 100 escolas indígenas com aquisição de equipamentos seriam necessários quinze milhões de reais (R$ 15.000.000,00). Construir, reformar ou ampliar 100 escolas por ano não é nenhum exagero se considerarmos que as mais de 2000 escolas indígenas do país estão em péssimas condições ou simplesmente funcionam na casa do professor ou no terreiro da aldeia.
9. Criar um programa de apoio técnico e financeiro destinado a garantir o acesso e permanência dos estudantes indígenas no ensino superior, por meio de bolsas adequadas que leve em consideração as suas demandas e realidades específicas. Atualmente existem mais de 2000 estudantes indígenas no ensino superior, destes, menos da metade recebe algum tipo de bolsa que varia de R$150,00 a R$900,00. Mesmo aqueles que se beneficiam de alguma bolsa, todos tem péssimas condições de estudo, moradia, alimentação e transporte o que prejudica seus rendimentos. Pior são aqueles que não recebem bolsas, sofrem e fazem sofrer seus familiares. Portanto, para melhorar a situação de imediato, seriam necessárias pelos menos 500 bolsas de R$ 900,00 cada uma, totalizando um valor anual de R$ 5.4000.000,00.
10. Realizar a Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena precedida de pré-conferências escolares locais e regionais. Para a conferência e as pré-conferências são necessárias pelo menos R$ 2.000.000,00.
11. Criar condições operacionais e financeiras para elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação escolar indígena com ampla participação indígena, levando-se em conta a necessidade de uma articulação integrada e sistêmica de todos os níveis e modalidade de ensino, da educação infantil a educação superior. Para esta atividade são necessários pelo menos R$ 500.000,00.
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPIN-SUL
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia – COIAB
Centro Indígena de Estudos e Pesquisas – CINEP
Conselho Indígena de Roraima – CIR
Conselho das Aldeias Waiãpi
Conselho Indigenista Missionário – CIMI Norte 1
Conselho Indigenista Missionário – CIMI Nacional
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN
Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena - EPÊ
Grupo de Trabalho Missionário Evangélico - GTME
Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Organização Indígena da Bacia do Rio Içana - OIBI
Representação Indígena no Conselho Nacional de Educação
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