Índio quer apoio
17/02/2002
- Opinión
Fraternidade e Povos Indígenas é o tema da Campanha da Fraternidade
deste ano, promovida pela CNBB. O lema é "Por uma terra sem males". O
manual da campanha estima que, em 1500, viviam aqui cerca de 6
milhões de indígenas, distribuídos por mais de 900 povos de
diferentes culturas.
Hoje, a população indígena do país é de 550.438 pessoas, pertencentes
a 225 povos e falando cerca de 180 idiomas. No mundo, há 300 milhões
de índios, dos quais 40 milhões no continente americano.
No Brasil, cerca de 350 mil índios vivem em seus territórios, e
outros 191 mil migraram para os centros urbanos. Calcula-se que 900
pertencem a povos ainda não contatados. Das 771 terras indígenas, 68%
ainda não estão definitivamente demarcadas. Em 178 delas, o processo
sequer foi iniciado. Falta ao país aprovar um Estatuto dos Povos
Indígenas, de modo que eles tenham seus direitos rigorosamente
reconhecidos e respeitados.
As escolas deveriam ser as primeiras a valorizar a cultura indígena
como um antídoto à nossa sociedade consumista, que mantém uma relação
utilitarista com a natureza e preconceituosa com os que não dobram os
joelhos diante do dinheiro. Assim, não haveria o risco de
adolescentes queimarem índios como quem malha Judas.
A terra é, para os povos indígenas, o espaço vital, sagrado, onde
residem os espíritos dos ancestrais, e da qual são extraídos os bens
da vida sem prejudicar o equilíbrio ecológico. Dela eles não esperam
lucros, mas bem-estar comunitário. Como dizia Xicão Xukuru,
assassinado em 1998 na luta por seu território, a gente tem a terra
como nossa mãe. Ela nos dá todo fruto de sobrevivência, ela deve ser
zelada e preservada a partir das pedras, das águas e das matas.
É expressiva a influência indígena em nossa cultura, da música à
língua, das danças à nutrição, das crenças aos ritos. No entanto,
nesses últimos 500 anos eles têm sido vítimas de extermínio, através
de genocídio, escravidão, prostituição, destruição de sua
religiosidade, e mediante políticas oficiais que almejam integrá-los
à nossa sociedade, incapaz de reconhecer-lhes o direito à diferença.
No entanto, eles resistem, malgrado as agressões de madeireiros e
garimpeiros, latifundiários e laboratórios farmacêuticos.
A Igreja católica é, hoje, consciente de sua relação ambígua com os
índios no passado. Ao lado de defensores, como Anchieta e Vieira,
havia missionários que favoreciam a exploração da mão-de-obra
indígena através da uma catequização equivocada. Agora, trata-se de
assegurar-lhes o direito à vida, mantendo com eles o diálogo
intercultural e inter-religioso, como fazem as irmãzinhas de Foucauld
entre os tapirapé, no Araguaia, reduzidos a 50 em 1950. Dois anos
depois chegaram as religiosas, sem intenção de catequizá-los ou
impor-lhes novos valores. Queriam apenas ser solidárias. Hoje, a
população tapirapé é de 475 pessoas.
Num encontro de teologia indígena, realizado em 1997 na Bolívia, os
índios propuseram que o missionário cristão, ao chegar a uma cultura
indígena, passe pelo processo de inserção; que compreenda e assimile
os valores, a cosmovisão e as expressões religiosas para, assim,
descobrir nas culturas a manifestação de Deus. Porque inculturação é
diálogo entre o Evangelho e as espiritualidades indígenas.
Ameaçados pelas águas que destruíam o mundo - reza a tradição guarani
apapocuva -, Guiraypoty, que se refugiara com a mulher sobre o teto
de uma casa, entoou o nheengaraí, o canto solene guarani. Quando iam
ser tragados pelas águas, a casa se moveu, girou, flutuou, subiu...
até chegar à porta do céu, onde ficaram morando. Este lugar chama-se
Yvy mara ei (terra sem males). Ali as plantas nascem por si próprias,
a mandioca já vem transformada em farinha e a caça chega morta aos
pés dos caçadores. As pessoas nesse lugar não envelhecem, não morrem
e ali não há sofrimento.
Precisamos dar ouvidos ao apelo de Maninha Xukuru-Kariri: "Esperamos
que em um futuro próximo toda a sociedade assuma a questão indígena
como sua, como parte da construção histórica deste país, história
camuflada com versões enganadoras, românticas, mas que precisa ser
mostrada na sua face real. A sociedade precisa assumir a luta
indígena, assim como as outras lutas sociais, dos sem-terra, dos
meninos de rua e tantas outras, como uma questão de todos" (Porantim
222, p.4).
É esta solidariedade que a Campanha da Fraternidade quer suscitar.
Tomara que, neste ano eleitoral, programas e candidatos também
contemplem a questão indígena. Manter-se indiferente a ela é uma
declaração pública de oportunismo eleitoral, já que é inexpressivo o
voto dos povos da floresta. Mas eles são as nossas raízes e vivem,
quando tribalizados, valores que para nós ainda são utopias.
* Frei Betto é escritor, autor da novela indigenista "Uala, o amor"
(FTD), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/active/1742
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