O Brasil não prioriza a redução das emissões
09/02/2007
- Opinión
Mesmo sendo ao lado da China e da Índia um dos três países em desenvolvimento que mais emitem gases causadores de mudanças no clima da Terra, o Brasil segue sem ter uma política nacional para enfrentar o problema. Tampouco desenvolveu uma estratégia nacional que ajudasse a enfrentar o que os ambientalistas chamam de "vulnerabilidades" e não dá evidência de que planeja uma estratégia de âmbito nacional para enfrentar o problema.
Nem mesmo após a divulgação do quarto e mais desanimador relatório do Painel Intergovenamental de Mudanças Climáticas, da ONU, no 5 de fevereiro em Paris, o Brasil anunciou qualquer intenção de assumir as suas responsabilidades ambientais. Ao contrário, o governo vem ratificando a sua menina dos olhos, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o mais ambicioso programa de crescimento econômico das últimas décadas, que reforça todas as premissas do modelo de desenvolvimento que levou o país a ocupar a desonrosa posição de um dos líderes da poluição global.
Segundo números fornecidos pelo Brasil à Convenção do Clima, da ONU, em 1994 (último ano pesquisado), o país emitiu quase 1,47 bilhões de tonelada de gases causadores do Efeito Estufa. A China, campeã dos poluidores entre os países menos desenvolvidos (aqueles que, pela Convenção, não têm obrigação de reduzir emissões), no mesmo ano emitiu 3,65 bilhões de toneladas. A Índia, também no grupo de nações das duas primeiras, emitiu 1,23 bilhões de toneladas em 2004. Os EUA, que teriam obrigação de reduzir emissões, poluíram a atmosfera com 6,3 bilhões de toneladas em 2004.
Os números de emissões dos países em desenvolvimentos não são atualizados anualmente. O argumento oficial é de que esse levantamento seria "caro" e, portanto, estaria além da possibilidade desse grupo de nações. Outro argumento, este aparentemente mais apropriado, que explicaria a carência de dados mais recentes seria a falta de acesso dos países empobrecidos a supercomputadores capazes de realizar os cálculos extremamente complexos para se chegar a um número minimamente confiável das emissões nacionais de gases causadores das mudanças no clima.
O Brasil não padece de nenhum desses problemas. Anualmente, destina somente cerca de 50 milhões de dólares para aquilo que o convenciona chamar de "política de clima". Entretanto, gastará, até o final de 2007, nada menos do que 90 bilhões de dólares para pagar suas dívidas interna e externa, boa parte dela referenciada em uma taxa de juros (a mais alta do planeta) definida pelo próprio governo.
Supercomputadores também não são um problema. O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que conseguiu romper essa barreira (os EUA dificultam ao máximo a venda desse equipamento no mercado internacional, por temerem que ele seja utilizado na fabricação de armas de destruição de massa) e há muito realiza supercálculos de alta complexidade, como aqueles necessários à utilização de modelos matemáticos de clima.
O governo brasileiro reconhece a parcela de responsabilidade do país nas emissões. Mas, prefere lembrar que as alterações na atmosfera nos dias de hoje são resultado de emissões feitas pelos países enriquecidos, principalmente os EUA e a Inglaterra, ao longo de 200 anos, desde a Revolução Industrial, no século 18.
"Esse é um argumento que, no extremo, pode levar ao imobilismo", rebate o biólogo Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM). "Praticamente nada se tem no Brasil que possa ser chamado de política pública ou nacional para mudanças no clima", diz Moutinho, que junto com outros pesquisadores já elaborou, e entregou ao governo, uma lista mínima de ações coordenadas que contribuiriam para diminuir a quantidade de emissões no País.
Misto de organização não governamental e centro de pesquisas científicas, o Ipam é especialista naquela região brasileira, a Amazônia, onde acontecem as mais extensas queimadas de floresta do país. "E as queimadas significam 75% das emissões totais do Brasil", alerta Moutinho.
As emissões provenientes da agricultura brasileira são o Calcanhar de Achilles dos governos nacionais . E não somente porque todo assunto que diga respeito à Amazônia ganha rapidamente as manchetes internacionais e se transforma em poderosas armas protecionistas dos países ricos.
É justamente nessa parte do Brasil, que representa cerca de 52% do seu território, que o Estado brasileiro está menos presente—apesar de ali viverem pelo menos 20 milhões de brasileiros. O Brasil até possui instrumentos para fazer a detecção online de queimadas e outros tipos de desmatamento, mas simplesmente não dispõe de infraestrutura, nem de vontade política, para agir rapidamente ou, até, preventivamente contra os degradadores do ambiente.
Além disso, a fronteira no Brasil inteiro, e também na Amazônia, representa a entrada imediata de dólares com os quais os sucessivos governos brasileiros, o de Lula inclusive, contam para aumentar a produção agrícola (este ano, vamos bater o recorde nacional, com a produção de 128 milhões de toneladas de grãos) e, assim, pagar os compromissos financeiros nacionais e internacionais assumidos pelo governo. Antes, quando assinava acordos anuais com o Fundo Monetário Internacional, o Brasil deveria produzir um superávit fiscal da ordem de 4,25% do seu Produto Interno Bruto. Ou seja, deveria cortar seu orçamento em saúde, educação, por exemplo, para atender às exigências do Fundo e, indiretamente, garantir o pagamento de dívidas com todos os tipos de credores.
É por essa razão, entre outras, que Paulo Moutinho atribuiu a pouca importância que governantes dão para o tema das mudanças climáticas. "As alterações climáticas só se manifestam em centenas de anos, enquanto os políticos estão mais interessados em tomar atitudes que gerem impactos no período de seus mandatos—que giram entre quatro a seis anos, em média", explica o biólogo do Ipam.
"O Brasil não está preparado para enfrentar as mudanças no clima", afirma José Antonio Marengo, cientista do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). Ele entregará em 26 de fevereiro ao Ministério do Meio Ambiente um estudo realizado por sua equipe, que avaliou as tendências do clima no Brasil e gerou os cenários possíveis em 2100.
"Adaptamos os modelos globais às características do Brasil", explicou. "Nosso estudo, realizado com modelos produzidos pela Universidade de São Paulo e pelo Inpe, onde foi rodado em um supercomputador, é um mini IPCC", disse, referindo-se ao quarto relatório divulgado em Paris na sexta-feira, dia 5 de fevereiro, pelo Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC, pela sua sigla em inglês), da ONU.
O IPCC alerta que há 90% de certeza de que as mudanças no clima do planeta são causadas por atividades humanas e que a temperatura da Tera pode aumentar em até 5 C até o final do século, alterando o regime de chuvas, a extensão das faixas habitáveis nos litorais de vários países e as quantidades de alimento produzido pela humanidade.
Em 2005, Marengo já havia entregue para o Núcleo de Ações Estratégicas, órgão de assessoramento pessoal do Presidente do Brasil, um estudo com resultados semelhantes, mas que utilizava modelos gerais.
"A população pobre é quem mais sofrerá no Brasil", alerta o pesquisador do Inpe. No Brasil, a região mais afetada seria um quadrilátero no interior do semi-árido no Nordeste brasileiro. Ele fica entre o oeste do estado Piauí, o sul do Ceará, o norte da Bahia e o oeste de Pernambuco", precisa o cientista.
"Aí estão algumas das cidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil. De acordo com nossas projeções, elas podem enfrentar secas de 10 ou mais anos seguidos. Lá, o governo brasileiro está muito pouco preparado para atender a situações de emergência. Pode, no máximo, distribuir algumas cestas de alimentos básicos", criticou.
Segundo o estudo do professor Marengo, as vulnerabilidades do nordeste atingem mais fortemente o ser humano. Na região norte, onde está a floresta amazônica, o maior impacto seria a perda de diversidade biológica.
Moutinho e Marengo concordam que a atenção ao tema das mudanças do clima é tão insuficientemente tratado pelo governo brasileiro, que nem o programa plurinanual de investimentos (que vai de 2007 a 2010, último ano do segundo mandato do governo Lula) levou em consideração a variante ambiental.
Divulgado pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva e mais de 30 ministros no dia 22 de fevereiro, o PAC prevê investimentos de 250 bilhões de dólares em hidrelétricas, estradas, usinas atômicas, produção de petróleo, ampliação de portos e aeroportos, construção de supernavios e plantação de milhões de hectares de espécimes oleaginosas para produção de combustíveis não fósseis.
Olhando de perto, o PAC revela-se uma enorme colcha de retalhos, que recolhe ações diversas do próprio governo, junta a algumas expectativas de investimento por parte de estados e municípios e sinaliza ao capital privado que as agências oficiais de fomento estão com os cofres lotados para financiar-lhes grandes obras.
Esse é o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), uma organização pouco conhecida até do Congresso brasileiro, mas que teve em 2006 um orçamento de 30 bilhões de dólares—quase 10% acima do orçamento do Banco Mundial.
Do Bndes sairá boa parte dos recursos para financiar os investimentos do PAC, que continua a reforçar o modelo de desenvolvimento que tem levado o Brasil a figurar entre os três maiores emissores de gases causadores da mudança no clima, entre os países em desenvolvimento.
O PAC, principal programa de governo, com o qual Lula pretende alcançar 5% de crescimento anual do PIB e, assim, garantir a reeleição de seu partido, confirma o papel histórico do Brasil de provedor internacional de mercadorias agrícolas de baixo poder agregado localmente, na medida em que define ações e políticas que facilitam a exportação de recursos brasileiros, em atendimento aos fluxos internacionais de comércio (como, por exemplo, o pesadíssimo incentivo governamental à indústria de papel e celulose, que exporta quase 98% de sua produção), sem dar atenção suficiente ao atendimento às demandas históricas da sociedade brasileira.
A interface ambiental do PAC poderia ter sido desenvolvida para o governo pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que o presidente Lula criou por decreto no ano 2000 para "conscientizar e mobilizar a sociedade para a discussão e tomada de posição sobre os problemas decorrentes da mudança do clima por gases de Efeito Estufa, bem como sobre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)".
O Fórum, que formalmente reúne 12 ministros e é presidido por Lula, além de alguns representantes de organizações não governamentais e cientistas, deveria "auxiliar o governo na incorporação das questões sobre mudanças climáticas nas diversas etapas das políticas públicas". Mas, até hoje, realizou apenas alguns eventos universitários e não conseguiu sugerir uma ação de política pública sequer.
"Os ambientalistas se prendem à crítica às vulnerabilidades. Mas, o furacão Katrina mostrou que nem os EUA estão preparados pera enfrentar esse tipo de problema", observa José Domingos Gonzalez Miguez, que desde 1994 coordena, no Ministério de Ciência e Tecnologia, uma comissão governamental de mudanças globais do clima.
Funcionário do governo mais graduado no assunto, Miguez, que ajudou a elaborar as propostas brasileiras que foram incorporadas ao texto do Protolo de Kyoto, chama a atenção para a contribuição do Brasil à solução dos problemas climáticos.
"Produzimos duas grandes premissas que orientam toda a discussão do clima, como, por exemplo, as contribuições históricas dos países desenvolvidos para as emissões de gases do Efeito Estufa", lembra Miguez, sobre a proposta brasileira que recebe o aplauso dos ambientalistas. "Fazemos até mais do que somos obrigados pelo Protocolo. Não temos obrigações de reduzir emissões, mas já temos 206 projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo no Brasil. Eles representam 10% dos projetos de MDL de todo o mundo", chama a atenção Miguez.
Ele também avalia que há um "superdimensionamento" do problema das mudanças e do papel dos países em desenvolvimento. "Se acontecer um furacão agora, nossa contribuição terá sido muito pouca. O Brasil, que só contribuiu com 2% das emissões, começou a emitir quando se industrializou, há cerca de 50 anos. Dois séculos depois que os países ricos começaram a despejar os gases na atmosfera".
Miguez também observa que é difícil para um país com problemas sociais, como o Brasil, ter aplicar na superação das vulnerabilidades . "O governo tem de escolher entre investir em saúde, educação e saneamento ou preparar-se para as mudanças do clima. Mesmo assim, investimos cerca de 50 milhões de dólares por ano e as queimadas, principal fonte de nossas emissões, já diminuíram 50% nos últimos dois anos", disse.
Miguez reconhece que o desmatamento se reduziu porque também caíram as cotações internacionais das mercadorias agrícolas, principalmente soja, cujo plantio em áreas de florestas pressionam fortemente o desmatamento.
O governo de Lula também agiu para prevenir o desmatamento e, segundo levantamento do Ipam, em 2004 e 2005 criou 240,000 km2 de novas áreas protegidas na Amazônia, principalmente onde o desmatamento é mais intenso. "Essas áreas terão um efeito importante na redução de futuras emissões de carbono, resultantes de desmatamento", informa o relatório "A Amazônia em Clima de Mudança", do Ipam, do Centro de Pesquisas Woods Hole (EUA) e da Universidade Federal de Minas Gerais.
Frequentemente, entretanto, as áreas desmatadas para plantio ou criação de gado vão até os limites das áreas protegidas, sem que o governo brasileiro tenha funcionários e equipamentos para reprimir eventuais transgressões dos limites.
Recentemente, o governo brasileiro precisou aprovar, no Congresso, uma lei que permite a concessão de áreas de florestas à exploração da iniciativa privada, e, assim, tentar repassar a capitais privados a responsabilidade por resolver a equação do século: estimular o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, preservar os mais variados recursos da floresta.
A nova Lei de Concessões de Florestas é um implícito reconhecimento de que, na situação como se encontra hoje, não ter condições de fiscalizar a legislação ambiental brasileira, ter sérias dúvidas quanto à regularidade fundiária de milhões de hectares de florestas.
- Carlos Tautz é jornalista no Rio de Janeiro. Colabora com várias publicações internacionais, O Programa das Américas em www.ircamericas.org, e é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Fonte: Programa de las Américas del International Relations Center (IRC)
www.ircamericas.org
Nem mesmo após a divulgação do quarto e mais desanimador relatório do Painel Intergovenamental de Mudanças Climáticas, da ONU, no 5 de fevereiro em Paris, o Brasil anunciou qualquer intenção de assumir as suas responsabilidades ambientais. Ao contrário, o governo vem ratificando a sua menina dos olhos, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o mais ambicioso programa de crescimento econômico das últimas décadas, que reforça todas as premissas do modelo de desenvolvimento que levou o país a ocupar a desonrosa posição de um dos líderes da poluição global.
Segundo números fornecidos pelo Brasil à Convenção do Clima, da ONU, em 1994 (último ano pesquisado), o país emitiu quase 1,47 bilhões de tonelada de gases causadores do Efeito Estufa. A China, campeã dos poluidores entre os países menos desenvolvidos (aqueles que, pela Convenção, não têm obrigação de reduzir emissões), no mesmo ano emitiu 3,65 bilhões de toneladas. A Índia, também no grupo de nações das duas primeiras, emitiu 1,23 bilhões de toneladas em 2004. Os EUA, que teriam obrigação de reduzir emissões, poluíram a atmosfera com 6,3 bilhões de toneladas em 2004.
Os números de emissões dos países em desenvolvimentos não são atualizados anualmente. O argumento oficial é de que esse levantamento seria "caro" e, portanto, estaria além da possibilidade desse grupo de nações. Outro argumento, este aparentemente mais apropriado, que explicaria a carência de dados mais recentes seria a falta de acesso dos países empobrecidos a supercomputadores capazes de realizar os cálculos extremamente complexos para se chegar a um número minimamente confiável das emissões nacionais de gases causadores das mudanças no clima.
O Brasil não padece de nenhum desses problemas. Anualmente, destina somente cerca de 50 milhões de dólares para aquilo que o convenciona chamar de "política de clima". Entretanto, gastará, até o final de 2007, nada menos do que 90 bilhões de dólares para pagar suas dívidas interna e externa, boa parte dela referenciada em uma taxa de juros (a mais alta do planeta) definida pelo próprio governo.
Supercomputadores também não são um problema. O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que conseguiu romper essa barreira (os EUA dificultam ao máximo a venda desse equipamento no mercado internacional, por temerem que ele seja utilizado na fabricação de armas de destruição de massa) e há muito realiza supercálculos de alta complexidade, como aqueles necessários à utilização de modelos matemáticos de clima.
O governo brasileiro reconhece a parcela de responsabilidade do país nas emissões. Mas, prefere lembrar que as alterações na atmosfera nos dias de hoje são resultado de emissões feitas pelos países enriquecidos, principalmente os EUA e a Inglaterra, ao longo de 200 anos, desde a Revolução Industrial, no século 18.
"Esse é um argumento que, no extremo, pode levar ao imobilismo", rebate o biólogo Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM). "Praticamente nada se tem no Brasil que possa ser chamado de política pública ou nacional para mudanças no clima", diz Moutinho, que junto com outros pesquisadores já elaborou, e entregou ao governo, uma lista mínima de ações coordenadas que contribuiriam para diminuir a quantidade de emissões no País.
Misto de organização não governamental e centro de pesquisas científicas, o Ipam é especialista naquela região brasileira, a Amazônia, onde acontecem as mais extensas queimadas de floresta do país. "E as queimadas significam 75% das emissões totais do Brasil", alerta Moutinho.
As emissões provenientes da agricultura brasileira são o Calcanhar de Achilles dos governos nacionais . E não somente porque todo assunto que diga respeito à Amazônia ganha rapidamente as manchetes internacionais e se transforma em poderosas armas protecionistas dos países ricos.
É justamente nessa parte do Brasil, que representa cerca de 52% do seu território, que o Estado brasileiro está menos presente—apesar de ali viverem pelo menos 20 milhões de brasileiros. O Brasil até possui instrumentos para fazer a detecção online de queimadas e outros tipos de desmatamento, mas simplesmente não dispõe de infraestrutura, nem de vontade política, para agir rapidamente ou, até, preventivamente contra os degradadores do ambiente.
Além disso, a fronteira no Brasil inteiro, e também na Amazônia, representa a entrada imediata de dólares com os quais os sucessivos governos brasileiros, o de Lula inclusive, contam para aumentar a produção agrícola (este ano, vamos bater o recorde nacional, com a produção de 128 milhões de toneladas de grãos) e, assim, pagar os compromissos financeiros nacionais e internacionais assumidos pelo governo. Antes, quando assinava acordos anuais com o Fundo Monetário Internacional, o Brasil deveria produzir um superávit fiscal da ordem de 4,25% do seu Produto Interno Bruto. Ou seja, deveria cortar seu orçamento em saúde, educação, por exemplo, para atender às exigências do Fundo e, indiretamente, garantir o pagamento de dívidas com todos os tipos de credores.
É por essa razão, entre outras, que Paulo Moutinho atribuiu a pouca importância que governantes dão para o tema das mudanças climáticas. "As alterações climáticas só se manifestam em centenas de anos, enquanto os políticos estão mais interessados em tomar atitudes que gerem impactos no período de seus mandatos—que giram entre quatro a seis anos, em média", explica o biólogo do Ipam.
"O Brasil não está preparado para enfrentar as mudanças no clima", afirma José Antonio Marengo, cientista do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). Ele entregará em 26 de fevereiro ao Ministério do Meio Ambiente um estudo realizado por sua equipe, que avaliou as tendências do clima no Brasil e gerou os cenários possíveis em 2100.
"Adaptamos os modelos globais às características do Brasil", explicou. "Nosso estudo, realizado com modelos produzidos pela Universidade de São Paulo e pelo Inpe, onde foi rodado em um supercomputador, é um mini IPCC", disse, referindo-se ao quarto relatório divulgado em Paris na sexta-feira, dia 5 de fevereiro, pelo Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC, pela sua sigla em inglês), da ONU.
O IPCC alerta que há 90% de certeza de que as mudanças no clima do planeta são causadas por atividades humanas e que a temperatura da Tera pode aumentar em até 5 C até o final do século, alterando o regime de chuvas, a extensão das faixas habitáveis nos litorais de vários países e as quantidades de alimento produzido pela humanidade.
Em 2005, Marengo já havia entregue para o Núcleo de Ações Estratégicas, órgão de assessoramento pessoal do Presidente do Brasil, um estudo com resultados semelhantes, mas que utilizava modelos gerais.
"A população pobre é quem mais sofrerá no Brasil", alerta o pesquisador do Inpe. No Brasil, a região mais afetada seria um quadrilátero no interior do semi-árido no Nordeste brasileiro. Ele fica entre o oeste do estado Piauí, o sul do Ceará, o norte da Bahia e o oeste de Pernambuco", precisa o cientista.
"Aí estão algumas das cidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil. De acordo com nossas projeções, elas podem enfrentar secas de 10 ou mais anos seguidos. Lá, o governo brasileiro está muito pouco preparado para atender a situações de emergência. Pode, no máximo, distribuir algumas cestas de alimentos básicos", criticou.
Segundo o estudo do professor Marengo, as vulnerabilidades do nordeste atingem mais fortemente o ser humano. Na região norte, onde está a floresta amazônica, o maior impacto seria a perda de diversidade biológica.
Moutinho e Marengo concordam que a atenção ao tema das mudanças do clima é tão insuficientemente tratado pelo governo brasileiro, que nem o programa plurinanual de investimentos (que vai de 2007 a 2010, último ano do segundo mandato do governo Lula) levou em consideração a variante ambiental.
Divulgado pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva e mais de 30 ministros no dia 22 de fevereiro, o PAC prevê investimentos de 250 bilhões de dólares em hidrelétricas, estradas, usinas atômicas, produção de petróleo, ampliação de portos e aeroportos, construção de supernavios e plantação de milhões de hectares de espécimes oleaginosas para produção de combustíveis não fósseis.
Olhando de perto, o PAC revela-se uma enorme colcha de retalhos, que recolhe ações diversas do próprio governo, junta a algumas expectativas de investimento por parte de estados e municípios e sinaliza ao capital privado que as agências oficiais de fomento estão com os cofres lotados para financiar-lhes grandes obras.
Esse é o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), uma organização pouco conhecida até do Congresso brasileiro, mas que teve em 2006 um orçamento de 30 bilhões de dólares—quase 10% acima do orçamento do Banco Mundial.
Do Bndes sairá boa parte dos recursos para financiar os investimentos do PAC, que continua a reforçar o modelo de desenvolvimento que tem levado o Brasil a figurar entre os três maiores emissores de gases causadores da mudança no clima, entre os países em desenvolvimento.
O PAC, principal programa de governo, com o qual Lula pretende alcançar 5% de crescimento anual do PIB e, assim, garantir a reeleição de seu partido, confirma o papel histórico do Brasil de provedor internacional de mercadorias agrícolas de baixo poder agregado localmente, na medida em que define ações e políticas que facilitam a exportação de recursos brasileiros, em atendimento aos fluxos internacionais de comércio (como, por exemplo, o pesadíssimo incentivo governamental à indústria de papel e celulose, que exporta quase 98% de sua produção), sem dar atenção suficiente ao atendimento às demandas históricas da sociedade brasileira.
A interface ambiental do PAC poderia ter sido desenvolvida para o governo pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que o presidente Lula criou por decreto no ano 2000 para "conscientizar e mobilizar a sociedade para a discussão e tomada de posição sobre os problemas decorrentes da mudança do clima por gases de Efeito Estufa, bem como sobre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)".
O Fórum, que formalmente reúne 12 ministros e é presidido por Lula, além de alguns representantes de organizações não governamentais e cientistas, deveria "auxiliar o governo na incorporação das questões sobre mudanças climáticas nas diversas etapas das políticas públicas". Mas, até hoje, realizou apenas alguns eventos universitários e não conseguiu sugerir uma ação de política pública sequer.
"Os ambientalistas se prendem à crítica às vulnerabilidades. Mas, o furacão Katrina mostrou que nem os EUA estão preparados pera enfrentar esse tipo de problema", observa José Domingos Gonzalez Miguez, que desde 1994 coordena, no Ministério de Ciência e Tecnologia, uma comissão governamental de mudanças globais do clima.
Funcionário do governo mais graduado no assunto, Miguez, que ajudou a elaborar as propostas brasileiras que foram incorporadas ao texto do Protolo de Kyoto, chama a atenção para a contribuição do Brasil à solução dos problemas climáticos.
"Produzimos duas grandes premissas que orientam toda a discussão do clima, como, por exemplo, as contribuições históricas dos países desenvolvidos para as emissões de gases do Efeito Estufa", lembra Miguez, sobre a proposta brasileira que recebe o aplauso dos ambientalistas. "Fazemos até mais do que somos obrigados pelo Protocolo. Não temos obrigações de reduzir emissões, mas já temos 206 projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo no Brasil. Eles representam 10% dos projetos de MDL de todo o mundo", chama a atenção Miguez.
Ele também avalia que há um "superdimensionamento" do problema das mudanças e do papel dos países em desenvolvimento. "Se acontecer um furacão agora, nossa contribuição terá sido muito pouca. O Brasil, que só contribuiu com 2% das emissões, começou a emitir quando se industrializou, há cerca de 50 anos. Dois séculos depois que os países ricos começaram a despejar os gases na atmosfera".
Miguez também observa que é difícil para um país com problemas sociais, como o Brasil, ter aplicar na superação das vulnerabilidades . "O governo tem de escolher entre investir em saúde, educação e saneamento ou preparar-se para as mudanças do clima. Mesmo assim, investimos cerca de 50 milhões de dólares por ano e as queimadas, principal fonte de nossas emissões, já diminuíram 50% nos últimos dois anos", disse.
Miguez reconhece que o desmatamento se reduziu porque também caíram as cotações internacionais das mercadorias agrícolas, principalmente soja, cujo plantio em áreas de florestas pressionam fortemente o desmatamento.
O governo de Lula também agiu para prevenir o desmatamento e, segundo levantamento do Ipam, em 2004 e 2005 criou 240,000 km2 de novas áreas protegidas na Amazônia, principalmente onde o desmatamento é mais intenso. "Essas áreas terão um efeito importante na redução de futuras emissões de carbono, resultantes de desmatamento", informa o relatório "A Amazônia em Clima de Mudança", do Ipam, do Centro de Pesquisas Woods Hole (EUA) e da Universidade Federal de Minas Gerais.
Frequentemente, entretanto, as áreas desmatadas para plantio ou criação de gado vão até os limites das áreas protegidas, sem que o governo brasileiro tenha funcionários e equipamentos para reprimir eventuais transgressões dos limites.
Recentemente, o governo brasileiro precisou aprovar, no Congresso, uma lei que permite a concessão de áreas de florestas à exploração da iniciativa privada, e, assim, tentar repassar a capitais privados a responsabilidade por resolver a equação do século: estimular o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, preservar os mais variados recursos da floresta.
A nova Lei de Concessões de Florestas é um implícito reconhecimento de que, na situação como se encontra hoje, não ter condições de fiscalizar a legislação ambiental brasileira, ter sérias dúvidas quanto à regularidade fundiária de milhões de hectares de florestas.
- Carlos Tautz é jornalista no Rio de Janeiro. Colabora com várias publicações internacionais, O Programa das Américas em www.ircamericas.org, e é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Fonte: Programa de las Américas del International Relations Center (IRC)
www.ircamericas.org
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