Análise de conjuntura - outubro 2006

07/11/2006
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Apresentação

Esta análise tem dois grandes focos: o primeiro é a relação do Brasil com os demais povos da América Latina e Caribe, tendo em vista a preparação da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Aparecida; o segundo é o processo eleitoral brasileiro e seus resultados, que revela traços nem sempre lembrados da realidade social e política do nosso País. Completa o texto uma breve chamada de atenção para fatos relevantes do cenário internacional.

O Brasil na América Latina

Se for pedido a uma amostra de brasileiros, inclusive gente com instrução de nível superior, que tracem de memória o mapa do Brasil, o resultado mais provável é que o litoral corresponda aproximadamente à realidade, mas não as linhas fronteiriças com os vizinhos. De fato, é pequeno nosso conhecimento dos outros povos e países do continente. Neste contexto, a preparação da 5ª Conferência do CELAM, a realizar-se em maio de 2007, será para o Brasil uma excelente oportunidade de tomada de consciência latino-americana e de busca de um desenvolvimento integral e integrado. Será o Brasil o grande beneficiário, pois hoje não é mais possível um desenvolvimento sem cooperação regional. Tomando como referência as quase três décadas desde a Conferência de Puebla, aparecem no campo da realidade social e política fatos que nos desafiam e merecem atenção.

Realidade Social

Persiste, no conjunto dos nossos países, a situação de pobreza e miséria, porque persiste a concentração da riqueza, da renda e da terra. A promessa capitalista de que se fosse "aumentado o bolo" ficaria mais fácil reparti-lo, não se realizou. O crescimento econômico do pós-guerra até os anos 1970 foi desfeito pela dívida externa e o modelo neoliberal aplicado desde os anos 1980 deu resultados pífios em termos de crescimento econômico, apesar de seu alto custo social (notadamente o desemprego). Daí a persistência, senão o agravamento da desigualdade social: num pólo, uma diminuta mas poderosa classe empresarial inserida no mercado global (em grande parte pela exportação de produtos primários), no outro, uma enorme massa de pessoas sem lugar no mercado, sobrevivendo no subemprego, na economia informal, da assistência social ou mesmo de atividades ilícitas. Entre esses dois pólos, uma camada intermediária formada por diferentes classes sociais da cidade e do campo, algumas inseridas no setor moderno da economia (agricultura, indústria e serviços), outras agregadas aos aparelhos do Estado e ainda outras conservando formas tradicionais de vida, principalmente no campo. Neste contexto, a "opção preferencial pelos pobres", que agora compreende também e principalmente os excluídos do mercado, é ainda mais atual do que foi no século passado.

Conseqüência visível dessa desigualdade é o crescimento da violência, principalmente nas cidades e nas zonas onde atua o narcotráfico. Os índices de mortalidade entre os jovens atingem tais níveis, que seus efeitos já podem ser percebidos em estudos demográficos. Eles e elas são mais vítimas do que agentes da violência, mas são eles que amedrontam a sociedade com sua contra-cultura de contestação. Também aqui se aplica, com enorme pertinência, a "opção pelos jovens" feita em Puebla.

Também em conseqüência da situação de desigualdade, cresce a migração, principalmente de jovens, para a América do Norte. Embora muito úteis para desempenharem funções econômicas pouco ou não-qualificadas, esses e essas migrantes são socialmente discriminados e têm sua vida seriamente ameaçada: só em 2005, 464 pessoas perderam a vida tentando atravessar a fronteira entre os EUA e o México, grande parte no deserto do Arizona. Para evitar sua entrada, o governo dos EUA quer construir o novo "muro da vergonha", de modo a separar o rico norte do sul empobrecido. A face mais cruel desse processo migratório é o tráfico de mulheres e crianças, iludidas ou forçadas a deixarem sua terra para satisfazerem o apetite sexual de pessoas frustradas. O tráfico de pessoas, no sentido mais amplo, é o 3º negócio mais rentável do mundo (só perde para as armas e drogas). Isso provoca a fragmentação dos valores familiares, que estão na base de nossa cultura. Pesquisas mostram que não se trata tanto de perda de valores, mas, sobretudo, da fragilidade das famílias ou das pessoas para resistirem às investidas do mercado que lhes promete todo tipo de vantagens materiais. Por serem as famílias atingidas em sua integridade, ganha muita atualidade a "opção pela família".

Não podemos, contudo, deixar de ver que ao lado dessas realidades tenebrosas há também realidades luminosas em Nossa América, pois estão crescendo em volume e em qualidade as reações da sociedade contra a secular situação de injustiça e desigualdade. Sob a forma genérica de movimentos sociais e populares, multiplicam-se as organizações que trazem propostas alternativas. A mais visível é, certamente, o Fórum Social Mundial, que não por acaso tomou forma na AL, anunciando para os demais povos que "outro mundo é possível". Não é ele, porém, o único sinal de vitalidade de nossos povos: movimentos de povos indígenas, de camponeses, de mulheres, de negros e de tantos outros grupos, estão construindo novas formas de economia solidária, de mobilizações pela Paz e por Direitos Humanos, enfim, reavivam a esperança de um mundo mais justo, democrático e pacífico. Cabe acrescentar que a Igreja tem sido parceira - e muitas vezes também a parteira - desses movimentos e organizações na busca de uma "civilização do amor".


Cultura

Os Estados Nacionais têm como matriz cultural uma herança colonial de difícil superação: a valorização exacerbada do que vem de fora (principalmente dos EUA e da Europa), em detrimento da cultura, da história, das tradições nacionais e latino-americanas. Tal matriz cultural foi agravada pela experiência escravista ou servil vivida pela maioria dos nossos países, gerando preconceito racial contra afrodescendentes e indígenas. Em vários países, porém, assistimos a movimentos indígenas em busca de reconhecimento de sua identidade e reivindicando a reparação pelo uso de suas terras. Povos do México, Equador, Bolívia, Guatemala, Peru e Brasil têm muitas experiências positivas neste campo. Também movimentos contra o preconceito a afrodescendentes têm crescido e em alguns países - como Cuba e Brasil - importantes passos foram dados. Assim, a cultura latino-americana e caribenha tem suas bases latinas e cristãs enriquecidas pela contribuição de outros povos ou tradições.

Política e economia

No pano de fundo de toda análise da realidade atual precisa estar a memória do projeto colonial: nossos países foram formados para serem economicamente explorados pela metrópole. Este era o escopo do mercantilismo que marcou o império português e espanhol dos séculos 16 a 18 e também do capitalismo de mercado que tomou seu lugar desde o século 19, sem, contudo, eliminar formas de trabalho escravo e servil. Nossos povos ainda não se libertaram inteiramente daquela situação subalterna e continuam na periferia do sistema econômico mundial, mas hoje percebemos fatos muito significativos nesse processo de emancipação nacional e de desenvolvimento social e econômico:

1- Emergência dos pobres, principalmente operários e indígenas cuja participação na política nunca havia ido além do papel de atores coadjuvantes, como protagonistas no cenário político. Nos dois últimos decênios do século 20 deram importante contribuição ao processo de derrubada dos regimes militares de segurança nacional e de democratização dos nossos países, e, neste início de século estão trazendo para as instâncias mais altas de governo um projeto nascido dos setores populares.

2- Nova consciência de ética na política, diante de sistemas políticos baseados na corrupção, no clientelismo e que sempre asseguraram aos poderosos a certeza da impunidade. Essa consciência se expressa em mobilizações sociais que vêm ganhando vulto cada vez maior. Um exemplo disso é a revisão das leis que impediam a apuração de tortura e outras violações aos direitos humanos, cometidas por militares.

3- A falência da economia argentina expôs o fracasso do Neoliberalismo na América Latina e motivou uma virada de vários países para propostas de centro-esquerda: a própria Argentina, Venezuela, Brasil, Uruguai, Chile e Bolívia. Essa reconfiguração do panorama político motivou a busca de outro modelo de integração latino-americana. Seu primeiro efeito foi a desarticulação da ALCA, com a conseqüente pressão dos Estados Unidos para que os países mais dependentes assinem o TLC (Tratado de Livre Comércio), cujas cláusulas são mais desfavoráveis ao seu desenvolvimento.

4- Diante da globalização da economia, aumenta o número de países que buscam a integração da economia regional, para juntos saírem de uma posição periférica e, em bloco, participarem do comércio mundial em situação de paridade. O Mercosul é um desses sinais de uma política econômica regional capaz de romper os antigos vínculos de submissão de nossas economias aos interesses dos EUA.

Cabe aqui a informação de que o Senado Federal aprovou no dia 12/09/06 a criação e implantação do Parlamento do Mercosul, já aprovado pela Câmara dos Deputados. Seu Protocolo foi assinado pelos governos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e espera ratificação dos parlamentos desses países para a sua instalação. A expectativa é que o Parlamento do Mercosul seja inaugurado em novembro deste ano, devendo aumentar a transparência e sintonizar as posições políticas das sociedades dos países do Bloco. A sessão inaugural na data prevista ocorrerá em um momento de ajuste no Mercosul, que recebeu a adesão da Venezuela e o possível ingresso do Chile e Bolívia, mas enfrenta as críticas dos sócios menores - Uruguai e Paraguai - que anunciaram sua intenção de buscar acordos de livre comércio com os Estados Unidos.

Ecologia

Foi despertada a consciência de que somos responsáveis pela vida do Planeta, hoje ameaçada. O movimento que nos anos 1980 era pouco mais que uma curiosidade, ganhou vulto e já é hoje um fator de peso nas decisões políticas. A esta consciência social contrapõe-se a economia de mercado, que não considera os direitos da Terra quando se trata de contabilizar lucros. Sua hegemonia coloca em risco a própria vida da Terra, pois o mercado insiste em ultrapassar os limites dos recursos renováveis, não tendo em conta que a vida do Planeta deve ser o parâmetro do desenvolvimento econômico.

Conseqüência desta nova consciência ecológica é que está se iniciando um movimento de âmbito regional em defesa da Amazônia e do Pantanal, cujas bacias atingem quase todos os países da América do Sul. A defesa destas duas bacias e de seus ecossistemas, impondo projetos de desenvolvimento ecologicamente sustentáveis, tende a ser uma das bandeiras capazes de unirem todo o continente.

O atual mapa eleitoral do Brasil

O mapa político que emerge do primeiro turno das eleições tem lógica: na disputa presidencial, dois candidatos de orientações diferentes quanto ao papel do Estado, ligados a partidos formados ao final da ditadura militar e com forte marca paulista. De São Paulo ao sul, centro e oeste do país (até o Acre), os eleitores preferiram quem prega menos Estado, menos impostos, maior autonomia dos estados federados, menos empresas estatais, mais capitalismo liberal, ALCA e volta à política externa de FHC. Os estados do Norte (com exceção de Roraima) e Nordeste, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo sufragaram o candidato que estancou as privatizações; orientou a política externa para as relações com países emergentes e os vizinhos; cobrou mais impostos e empreendeu política social de transferência direta de renda para os mais pobres.

Outro mapa é o da Câmara Federal, onde o PMDB fez a maior bancada (89 deputados). Sua votação em todo o território nacional é a vitória de um "centrão" sem ideologia nem forte pensamento doutrinário, tendo no interesse político local e regional a cola que liga seus líderes. Em seguida veio o PT (83 deputados), fruto de sua expansão dos grandes centros urbanos para o interior. Depois, vem o PSDB (66), também urbano, e o PFL (65), o maior representante das oligarquias regionais, aliados na defesa dos interesses dos lideres "modernos". Os partidos considerados médios assim ficaram: PP com 41; PSB, 27; PDT, 24; PL, 23; PTB, 22; PPS, 22; PCdoB, 13; e PV, 13. As cadeiras restantes foram para os partidos menores. Ou seja, a disputa presidencial está nas mãos dos partidos do Brasil urbano e moderno, enquanto na Câmara predominam são os interesses conservadores e a política dos caciques regionais.

Na Câmara dos Deputados houve uma renovação de 48% para o próximo mandato; o índice é superior aos verificados nas duas eleições anteriores - 1998 e 2002. Dos 236 novos eleitos, 41 já foram deputados em outras legislaturas e 195 o foram pela primeira vez.
O quadro é de difícil interpretação: de um lado, foram reeleitos 53 deputados que respondem a processos ou estão sendo investigados por algum crime; do outro, as urnas exprimem o desejo difuso de renovação ética pela reeleição de parlamentares que se empenharam em favor da moralização dos costumes políticos e na rejeição de parlamentares com imagem negativa, como Severino Cavalcanti e Nei Suassuna.

Ainda é cedo para avaliar se o novo quadro da Câmara é mais conservador que a anterior porque a volta de deputados experientes poderá compensar a perda daqueles que projetaram uma imagem positiva do Congresso, como Luiz Eduardo Greenhalgh, Antonio Carlos Biscaia, Sigmaringa Seixas, Orlando Fantazzini, Paulo Delgado, Walter Barelli e Ângela Guadagnin.

Destacaram-se nestas eleições como bons de urna: o ex-ministro Ciro Gomes, com 616.979, 16% do total dos votos válidos do Ceará; ACM Neto com 436.966 votos e Paulo Maluf com quase 740 mil votos. Bizarra foi a vitória de Clodovil com quase 500 mil votos. Já o percentual de votos nulos cresceu 66%, e o de brancos, 34%, em relação à eleição passada.

No Senado Federal, os resultados das urnas alteram a representação partidária com os novos 27 eleitos. Se não houver nenhuma mudança em virtude do segundo turno das eleições nos estados (senadores são candidatos) e se nenhum eleito resolver trocar de sigla (o que é garantido pela legislação eleitoral em vigor), o PFL passa de 16 para 19 senadores, com a maior bancada na Casa. O PMDB, por sua vez, recuaria de 22 para 17 senadores. Dos chamados grandes partidos, a bancada do PSDB desce de 15 para 14 senadores e a do PT de 12 para 11. Crescem o PCdoB (de 1 para 2 senadores), o PDT, de 4 para 5, e o PSB, de 2 para 3. Mantêm os mesmos números o PTB (4), o PL (3) e o PRB (1). O PSOL fica sem representação, enquanto assume uma vaga na Casa, cada um, o PPS e o PRTB de Fernando Collor.

Bancada evangélica diminui

O escândalo da CPI dos Sanguessugas atingiu em cheio a bancada evangélica da Câmara. Apenas 15 dos 60 deputados que hoje compõem a Frente Parlamentar Evangélica, continuarão no cargo a partir do ano que vem. Entre os que não se reelegeram ou não se candidataram, 16 foram citados como envolvidos no esquema de compra superfaturada de ambulâncias. Mesmo com a entrada de novos deputados, a Frente Parlamentar Evangélica não ultrapassará os 40 integrantes. Uma redução significativa porque desde 2002 estava com 60 deputados e três senadores, sem contar os parlamentares evangélicos que não aderiram à frente. Adelor Vieira, coordenador da bancada evangélica, não foi reeleito.

Atualmente, a Assembléia de Deus é a igreja evangélica com a maior representação no Parlamento, 22 deputados. Em seguida, vem a Universal, com 16 congressistas. Os 22 membros da Assembléia de Deus se candidataram à reeleição, mas somente cinco garantiram vaga na próxima legislatura. Entre os que não se reelegeram, dez são suspeitos de participação na máfia das ambulâncias. A Igreja Universal reagiu de maneira diferente: proibiu a candidatura de parlamentares sob suspeita. Apenas dois membros da igreja tentaram a reeleição e não conseguiram manter o mandato. A decadência da Igreja Universal no Parlamento começou quando o ex-deputado Carlos Rodrigues, líder da bancada da igreja no Congresso, foi envolvido nos principais escândalos que abalaram o país nos últimos anos: bingos, Correios e mensalão.

Bancada ruralista diminui, mas reelege seus líderes

O grupo perdeu alguns deputados (caiu de 111 para 95), mas a reeleição de líderes importantes e de expoentes do agronegócio pode garantir a manutenção da força dos defensores do latifúndio no Congresso. Estudo realizado pelo DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) classifica como integrante da bancada ruralista quem, mesmo não sendo proprietário rural ou da área do agronegócio, assume a defesa dos pleitos da bancada, seja em plenários e nas comissões, seja em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário. Dos 95 parlamentares ruralistas, 64 são deputados reeleitos e os outros são novos. O forte lobby ruralista - é o mais poderoso grupo de interesse no poder legislativo - tem garantido a atual estrutura agrária. Suas campanhas dispendiosas contrastam com candidaturas mais humildes de quem defende a agricultura familiar e o campesinato. Outros dados revelam o aumento do número de empresários e de pessoas com patrimônio superior a R$1 milhão (são 165, sendo o maior deles com quase R$260 milhões).

As conseqüências da cláusula de barreira

A cláusula de barreira está se tornando o "bicho-papão" da nova legislatura. Foi criada para reduzir o número de partidos no cenário nacional. Especialistas defendem que o dispositivo é importante para coibir a criação das chamadas "legendas de aluguel". Porém, alguns sustentam que ela tem o efeito colateral de impedir o surgimento de partidos ideológicos com pouca estrutura. Instituída em 1995 para vigorar em 2006, ela exige dos partidos 5% do eleitorado nacional e pelo menos 2% em nove unidades da federação.

Nesta primeira eleição com a lei em vigor apenas PMDB, PT, PSDB, PFL, PP, PSB e PDT atingiram aquele patamar, enquanto 14 outros não terão direito a: a) participar de comissões, b) votar e ser votado para dirigir órgãos colegiados das Casas do Congresso, c) ser membro da Mesa Diretora, d) constituir liderança, e) ter acesso ao horário eleitoral gratuito, e f) receber os recursos do fundo partidário. Os parlamentares desses partidos poderão promover fusão ou incorporação de seu partido com outros, ou mudar para um partido que tenha atingido a cláusula de barreira. O TSE apresentou outras interpretações da lei da cláusula de barreira, mas ainda não foram esclarecidas.

Executivo moderno e legislativo atrasado

É preciso ter em mente que o Legislativo é constituído conforme as regras eleitorais do voto proporcional de lista aberta, enquanto o Presidente da República é eleito pelo voto majoritário. Como estes dois modelos operam? A partir do processo de urbanização massiva ocorrida após o inicio do desenvolvimento capitalista no Brasil, o eleitorado se concentrou majoritariamente no sudeste do país e nas áreas metropolitanas. Como o voto majoritário dá a cada eleitor um voto, a disputa para a Presidência da Republica alça políticos de dois partidos urbanos, o PT e o PSDB. Não por acaso, são políticos de São Paulo, estado que abriga quase 1/4 do eleitorado brasileiro.

O voto proporcional introduzido na Constituição de 1946, assegura pelo menos sete representantes por estado federado independentemente do tamanho de sua população. Na medida em que aumenta a população de um estado, diminui a relação entre ela e seus representantes, porque setenta é o número máximo de deputados para um estado. De modo que temos um Executivo de feição urbana e um Legislativo de feição regional.

Alckmin teria mais facilidade de fazer arranjos no Legislativo federal para garantir a governabilidade porque há uma tradicional aliança entre a elite do sudeste e seus parceiros federados menos privilegiados. Difícil é quando se quer mudar o rumo desta política na direção social-democrata. Diante da turbulência do próximo governo, caso Lula seja o vitorioso, outro cenário intranqüilo se adianta: dois candidatos fortes para as eleições de 2010, Aécio Neves e Jose Serra. Desta vez, Minas e São Paulo. É este cenário que pode levar a um novo rearranjo partidário: o lulismo, talvez descolado do PT, somado - quem sabe? - a Minas com Aécio e parte do PMDB. Seria o que tem sido chamado o "terceiro turno" das eleições, para a governabilidade.

Eleições e Movimentos Sociais

A historia recente do Brasil conta com um protagonista nem sempre bem visto por setores da elite: os movimentos sociais. Sua presença varia de acordo com a região geográfica e seus problemas específicos. Em todas as eleições presidenciais pós-redemocratização, os movimentos sociais agiram praticamente em bloco apoiando candidaturas vinculadas às suas lutas e agendas.

Na eleição de 2006 esse bloco sofreu uma fratura, pois alguns movimentos decidiram manter-se neutros enquanto outros apoiaram a candidatura que lhes parecia mais próximas de seus interesses ou projetos. Assim, foi grande o número de antigos ativistas distantes da campanha eleitoral. Isto se deve em parte à frustração da expectativa de grandes mudanças com a vitória de Lula em 2002 e à crise política de 2005, mas sua raiz está na crise da própria democracia representativa.

O 2º turno provocou o reposicionamento nos movimentos sociais, devido às diferenças entre os projetos em disputa. Embora os dois candidatos proponham gestão macro econômica semelhantes, diferem quanto à concepção de Estado. Um exemplo claro é o estímulo do governo Lula à realização de conferências, conselhos e outras formas de participação, enquanto os oito anos de PSDB não deixaram saudade nos movimentos sociais: a repressão à greve dos petroleiros e a persistente tentativa de criminalização do MST marcaram uma visão de Poder Público de costas para os movimentos sociais.

Mesmo atuando em bloco, como historicamente fazem em momentos cruciais, observa-se que a adesão à candidatura Lula não desperta o entusiasmo geral. Em setores beneficiados pelas conquistas econômicas e pelo alargamento dos espaços de participação social, o apoio é total, mas noutros setores predomina o apoio pelo "negativo", ou seja, o receio da volta da agenda do estado mínimo.

Em todo caso, o processo eleitoral que em breve se encerra deixa a sensação de uma eleição sem entusiasmo nem paixão, porque faltou profundidade aos debates sobre o que os brasileiros e brasileiras queremos neste inicio de século: distribuir renda e riqueza com equidade; exercer ética e democraticamente o poder; junto com nossos vizinhos, contribuir para a paz mundial; encontrar o justo equilíbrio ecológico; e favorecer uma cultura humanista e bela.

Independentemente do resultado das eleições de 29 de outubro, os movimentos sociais criaram espaços comuns de formulação de alternativas, a exemplo da Coordenação dos Movimentos Sociais e a Assembléia Popular. O primeiro procura articular a mobilização dos atores sociais em torno de uma pauta mais imediata e o segundo procura estimular a reflexão sobre os impasses históricos do Brasil e as saídas possíveis na perspectiva de um projeto popular. Assim fazendo, continuarão para além do resultado eleitoral na sua saga de despertar, organizar e mobilizar o povo na sua busca por um outro Brasil Possível.

Ética na Política

O tema da corrupção e da ética foi abordado numa análise de conjuntura do final de 2003, após um ano do governo Lula. O país parecia viver uma transição positiva nas relações políticas entre a sociedade e o poder, apesar de o Estado continuar sendo reflexo e instrumento dos "donos do poder". Parecia haver um salto qualitativo para a superação da cultura patrimonialista que legitima a apropriação indevida dos orçamentos e de outros bens públicos.

Com a vitória do Lula, havia esperança de instauração de um novo jeito de fazer política. Mas parece que o sistema dominante tradicional da vida política brasileira revelou-se mais forte que as boas intenções do PT. Era possível fazer oposição dentro do sistema, mas impossível fazer oposição ao próprio sistema. A vitória deste ficou mais chocante porque não se esperava uma aprendizagem e adaptação tão rápidas ao sistema por parte do partido que pretendia marcar o cenário político por uma nova visão ético-política. Assim, o sistema político continua funcionando na base do nepotismo, clientelismo, políticas de favores e outras formas patológicas do exercício do poder que estão a um passo da corrupção.

Só vai haver verdadeiramente ética no tratamento da coisa publica, quando houver a necessária vontade política. Na atual cultura política do país, a reprovação ética manifesta pela sociedade fica circunscrita à moral individual: reprova-se o político que bota a mão no dinheiro público, porque é um ladrão. Mas como tratar a moralidade na própria ação política, nas organizações políticas e institucionais?

No contexto hegemônico de globalização financeira e econômica, parece que a única resposta seja de ordem de uma ética imperativa interpelando as vontades individuais. O debate político não pode ficar estruturado pelos pólos da economia e da moral privada, pois nesta configuração desaparece o bem-comum e esvazia-se a função do político, que consiste em exercer o papel de árbitro entre interesses heterogêneos. Em outras palavras a despolitização vigente submete a esfera política à moral individualista, às categorias econômicas e ao direito privado. Neste quadro, o debate ético sobre a conduta virtuosa dissimula o que está em jogo nas escolhas coletivas e no conteúdo conflitual das relações sociais. A sociedade precisa dar a devida consideração à organização política e institucional, pois aí há um déficit tanto da esfera do político, como da ética social.

A crise da ética na política resulta em boa parte da crise do político. Por falta de visão política em termos de bem comum e de construção de uma verdadeira democracia, tudo se tornou negociável. A lógica da barganha e de outras negociatas domina o cenário do congresso e de outras instâncias do poder. A disputa por cargos públicos é a característica dominante deste sistema aético. A focalização excessiva sobre a moralidade privada resulta do desaparecimento da vida pública, da banalização da política. Trata-se para superar o vazio ético e político, de instaurar uma vida pública autêntica, juntando ética e política como dimensões inseparáveis.

O Mundo se arma

Os projetos de desenvolvimento nuclear do Irã e da Coréia do Norte levantam sérias questões sobre a segurança regional, os riscos de utilização da arma atômica, e até onde se pode controlar ou impedir a construção da bomba por um país decidido a consegui-la.

O presidente do Irã, Ahmadinejad, conservador nacionalista, eleito em junho de 2005, reafirmou o "direito inalienável" de seu país de controlar o ciclo do combustível nuclear. Tendo retomado o enriquecimento do urânio, Teerã anunciou em abril que o país dispunha de novas armas para responder a qualquer ataque dos "inimigos" e que o país seria uma "futura superpotência mundial". No final de julho, o Conselho de Segurança exigiu a suspensão das atividades sob pena da aplicação de sanções e deu o prazo até o final de agosto para a execução da resolução. As sanções atingiriam os programas balísticos e nucleares do Irã. Os EUA pedem muito mais: a interdição de viajar ao estrangeiro para os dirigentes iranianos, o congelamento dos bens financeiros iranianos. Não descartam o uso da força. Moscou e a China são mais resistentes às sanções sem descartá-las totalmente. O Secretário Geral da ONU, Kofi Annan não acredita na eficácia das sanções.

O caso iraniano diz respeito à paz não só no Oriente médio, mas no mundo todo. Os paises ocidentais consideram que a fabricação duma bomba nuclear pelo Irã é uma grave ameaça à segurança na região. Israel tem a bomba atômica e a utilizará com o aval dos EUA se sentir-se ameaçada pelo Irã. Por outro lado, o Irã é uma potência regional e tanto pode ter um papel estabilizador quanto desestabilizador. O país é o quarto produtor mundial de petróleo. A Rússia está construindo ali uma central nuclear para a produção de eletricidade. Para preservar os seus interesses, os países querem evitar a confronto.

No caso coreano, país muito mais pobre do que o Irã, não há ameaça de uso da bomba, pois faltariam ao país os foguetes adequados para seu transporte. De todo modo, a proliferação nuclear representa um perigo real para a paz mundial, que não pode ser ameaçada pela fabricação descontrolada das armas nucleares. No entanto, nada garante que as atuais potências nucleares estejam impedidas de usar suas armas mortais contra reais ou pretensos inimigos. As declarações do presidente Bush sobre este assunto não são nada tranqüilizadoras. Nestes como noutros conflitos internacionais, não há solução fora do diálogo e das negociações. Os que preconizam o uso da força são perigosos.

Tão ou mais perigosa que a proliferação nuclear, é a conquista do espaço como estratégia militar. Empreendimento científico, tecnológico, industrial e comercial, ele coloca em jogo interesses essenciais para ficar ou entrar no "clube das nações mais avançadas": construir foguetes e pôr satélites em órbita, com fins pacíficos ou não, e assim dominar o espaço é essencial para quem pretende manter ou conquistar a hegemonia mundial.

A nova política espacial definida pelo presidente Bush, tornada pública em outubro, representa uma virada importante. O documento afirma que "a segurança nacional depende de maneira crucial dos meios no espaço... os EUA entendem preservar os seus direitos, seus meios e sua liberdade de ação no espaço". Se necessário "impedirão seus adversários de usar suas capacidades de armamentos hostis aos interesses nacionais americanos". Para Washington, "a liberdade de ação no espaço é tão importante que seu poder aéreo e marítimo". O recado é claro: os EUA pretendem ficar totalmente livres na sua política de conquista do espaço, e se oporão a qualquer tipo de tratado ou legislação internacional, impedindo ou limitando os meios de defesa (satélites espiões) ou de expansão comercial (satélites de comunicação) utilizando o espaço.

Peritos militares consideram que esse documento é mais um importante passo na política militar norte-americana. Recusando participar em eventuais negociações sobre a militarização do espaço, os EUA vão aumentar as suspeitas sobre suas intenções de reforçar os seus programas militares. Segundo a diretora do Centro de informação sobre a defesa: "mesmo se o documento não diz explicitamente que os EUA vão destruir satélites ou instalar armas no espaço, ele abre novas possibilidades que isso aconteça". Os EUA estabelecem unilateralmente seus direitos sem reconhecer os dos outros. Hoje têm a supremacia do espaço, pois a Rússia perdeu o essencial dos seus meios e a China ainda está engatinhando nesta disputa.

Contribuíram para esta análise Pe. Bernard Lestienne SJ, Daniel Seidel,
Gilberto Souza, Pe. José Ernanne Pinheiro, Lúcia Avelar e Pe. Thierry Linard.

- Pedro A. Ribeiro de Oliveira é professor da Universidade Católica de Brasília e Membro da Equipe de ISER-Assessoria
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