Carta aberta aos eleitores cristãos
02/10/2006
- Opinión
A 29 de outubro escolheremos quem governará o Brasil nos próximos 4 anos: Lula ou Alckmin. Os dois são cristãos. Os dois nunca deram mostras de tendência fundamentalista, a de querer submeter a política à autoridade de uma Igreja ou religião.
A política é laica, ou seja, neutra em matéria de religião. Ela serve ao conjunto da população, sem levar em conta as convicções religiosas do cidadão ou cidadã. A todos o governo tem a obrigação de servir, assegurando-lhes direitos, proteção e o mínimo de bens para que possam viver com dignidade.
Se nenhuma religião tem o direito de tutelar a política, isso não significa que a política deva se confinar no pragmatismo do jogo de poder. A política se apóia em valores éticos. E nós, cristãos, temos como fonte de valores a Palavra de Jesus. É à luz do Evangelho que avaliamos todas as esferas da atividade humana, inclusive a política – que é a mais importante delas, pois influi em todas as outras.
Para Jesus, o dom maior de Deus é a vida. Está mais próxima do Evangelho a política que favorece condições dignas de vida à maioria da população. É neste ponto que as políticas do PSDB e do PT ganham contornos diferentes. Os dois partidos tiveram desvios éticos? Sem dúvida. Como ironiza Jesus, atire a primeira pedra quem não tem pecado… Errar é humano. Persistir no erro é abominável. Se um membro da família erra, não se pode condenar por isso toda a família. O grave é quando a família toda abraça o caminho do erro.
Este foi o caso do PSDB, partido de Alckmin, nos 8 anos em que FHC (Fernando Henrique Cardoso) governou o Brasil (1994-2002). Empresas públicas foram privatizadas. Grandes empresas brasileiras – Vale do Rio Doce, Embratel, Telebrás, Usiminas etc - patrimônios do povo brasileiro, cujos lucros engordavam os cofres do Estado, foram vendidas a preço de banana, e os lucros passaram a ser embolsados por corporações privadas, muitas delas estrangeiras.
Lula não privatizou o patrimônio público. Eleger Alckmin pode ser o primeiro passo para a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e dos Correios.
No governo FHC, as políticas sociais eram tímidas e assistencialistas. O Comunidade Solidária era uma iniciativa nanica comparada à grandiosidade do Bolsa Família, que hoje distribui renda para mais de 40 milhões de pessoas. Graças a isso, de cada 100 brasileiros que viviam na miséria, nos últimos 4 anos 19 passaram à classe média.
No governo Lula houve, sim, desvios éticos: o caso Waldomiro Diniz; o “mensalão” e os “sanguessugas”; a quebra do sigilo bancário do caseiro de Brasília; o dossiê contra Serra. Não há nenhuma prova de que o presidente soubesse antecipadamente dessas operações inescrupulosas. E ao virem a público, ele tratou de demitir os envolvidos.
No governo FHC, dinheiro público foi usado para tentar socorrer bancos privados: o Proer. O Banco Econômico recebeu R$ 9,6 bilhões. Instalou-se uma CPI que, controlada pelo Planalto, justificou a maracutaia e nunca investigou a Pasta Rosa que continha os nomes de 25 deputados federais subornados pelo Econômico.
Houve ainda os casos dos precatórios; da compra de votos para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC; do socorro aos bancos Marka e FonteCidam no valor de R$ 1,6 bilhão (os tucanos impediram a instalação da CPI para investigar o caso); as falcatruas na Sudam etc. Nada foi apurado, porque o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, conhecido como “engavetador-geral”, engavetou, até maio de 2001, 242 processos contra o governo e arquivou outros 217, livrando os suspeitos de qualquer investigação: 194 deputados federais, 33 senadores, 11 ministros e ex-ministros, e o próprio presidente da República.
O governo FHC tratou os movimentos populares como caso de polícia, e não de política. Remeteu o Exército para reprimir o MST e os petroleiros em greve. Lula jamais criminalizou movimentos sociais e, sob o seu governo, a Polícia Federal levou à prisão gente graúda, dos donos de uma grande cervejaria a juízes, e inclusive petistas envolvidos no caso do dossiê anti-Serra.
O governo Lula reforçou a soberania do Brasil. Repudiou a Alca proposta pelo governo Bush; condenou a invasão do Iraque; visitou a cada ano países da África; abriu as portas de nossas universidades a negros e indígenas; estendeu energia elétrica aos mais distantes rincões; manteve a inflação sob controle; impediu a alta do dólar; reduziu os preços dos gêneros de primeira necessidade; ampliou o poder aquisitivo dos mais pobres, através do aumento do salário mínimo.
Lula ainda nos deve muito do que prometeu ao longo de suas campanhas presidenciais, como a reforma agrária. Porém, o Brasil e a América Latina serão melhores com ele do que sem ele. Se você está convencido disso, trate de convencer também outros eleitores.
Vamos votar na vida – e “vida para todos” (João 10,10). Vamos reeleger Lula presidente!
- Frei Betto é frade dominicano e escritor, autor de 53 livros, e assessor de movimentos sociais.
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