A corrida presidencial

10/03/2006
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Um dos efeitos mais nefastos do neoliberalismo, que torna tudo descartável, reificável, objeto de consumo imediato, é o amesquinhamento da atividade política. Tãofundamental para a vida dos povos, a política é considerada por Aristóteles a suprema razão de ser de nossa existência, intrínseca à natureza humana. Ao nos debruçarmos sobre a história, vemos como grandes figuras políticas exerceram papéis decisivos para evitar que ela se tornasse monopólio de um homem (monarquias absolutas e ditaduras), de uma classe (capitalismo) ou de um partido (socialismo autocrático), embora o segundo modelo ainda predomine, excluindo a maioria do acesso democrático aos bens econômicos. A política é a mais nobre das atividades humanas. Dela dependem existir ou não a miséria, a violência, a alimentação, a saúde e a educação de um povo. Dela emana a nossa segurança pública, o alcance de nossa liberdade, o horizonte de nossa prosperidade e a perenidade de nossa paz. Em si, a política é uma abstração. O que existe de fato é a relação de poderes. Aqui reside o âmago da questão. Sendo o poder uma instância de potencialização exacerbada da vontade (e da vaidade) individual, e o proscênio para o qual convergem todas as atenções (ninguém é indiferente à política, ainda que a odeie), muitos anseiam por ele. Nessa corrida ao pote há, como em qualquer maratona, todo tipo de gente, sérias e cínicas, honestas e corruptas, competentes e meros arrivistas. Nas últimas décadas, a olítica brasileira amesquinhou-se, desprovida de grandeza e dignidade. Não se fala em bem comum, pátria, soberania nacional, reformas de estruturas. Ouve-se apenas o economês proferido pelos devotos da ³mão invisível² do mercado, arautos da responsabilidade fiscal cega à responsabilidade social, empenhados em reduzir a política a meras operações contábeis. O economicismo escanteia as grandes estratégias nacionais. Para qual modelo e Brasil os políticos acenam nos próximos quatro, dez ou vinte anos? Diante desse horizonte vazio de propostas consistentes e convincentes para tirar o Brasil do atraso, do subdesenvolvimento, da condição de eterno ³emergente², que tipo de campanha presidencial teremos pela frente? Receio que nenhum partido ou candidato deixe claro seu compromisso, se eleito, para nos próximos quatro anos incrementar o nosso índice de desenvolvimento humano. Não é o PIB que deve crescer, é a qualidade de vida da população. Como ficará a reforma agrária, capaz de absorver multidão de mão-de-obra no campo e diminuir o desemprego? E a tributária, imprescindível para promover distribuição de renda e reduzir a desigualdade social? E a política, destinada a sanear o poder público de maracutaias e corruptos? Temo que a campanha presidencial seja uma reedição do triste espetáculo das CPIs, que tanto estardalhaço aprontaram sem quase nada apurar e prender ninguém, funcionando apenas como circo dos horrores onde há sustos e medos sem maiores conseqüências. Temo a baixaria na TV, candidatos emporcalhando adversários, diatribes e injúrias se sobrepondo a propostas e programas voltados a erradicar as causas da violência urbana, do desemprego, da má qualidade da educação e do atendimento à saúde. Nas eleições presidenciais de outubro haverá um vencedor. Mas é preciso evitar que o povo saia perdedor. Por isso, a pior atitude é a do avestruz: meter a cabeça na areia e esperar a eleição passar. A hora é agora. Hora de exigir de partidos e candidatos que evitem alianças espúrias, sejam transparentes na contabilidade de campanha, superem o varejo das intrigas e assumam o atacado de estratégias viáveis para mudar a realidade brasileira, falem menos mal do concorrente e mostrem o que de melhor se propõem a fazer. Se os eleitores permanecerem passivos, como meros telespectadores em torno da arena dos leões, os candidatos ficarão isentos de assumir compromissos e, sobretudo, de prestar contas do que prometeram e fizeram ao ocupar funções executivas. Mas isso não basta. É preciso renovar o Congresso, reeleger os deputados e senadores que primam pela ética e cuidado do bem comum, e cassar, pelo voto, os corruptos, os oportunistas, os que fazem na função pública um meio de favorecer-lhes a vida privada. O futuro da nação está, neste ano, em mãos dos eleitores.
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