O que está acontecendo no campo brasileiro?
13/12/2000
- Opinión
O governo FHC vem implementando desde 1994 um novo modelo agrícola
subordinado ao projeto neoliberal. Ele está centrado no pressuposto de que
deve ocorrer uma seletividade dos produtores rurais, permanecendo no mercado
apenas os que são capazes de enfrentar a concorrência mundial. Essa política
significa a completa mercantilização e desnacionalização do nosso campo,
entregando seu controle às multinacionais e inviabilizando a agricultura
familiar.
Em termos práticos, essa política, friamente elaborada e executada, afeta
milhões de brasileiros. Ela é responsável pelo aumento da exclusão social.
Segundo o IBGE, no período de 95/99, cerca de 4,2 milhões de brasileiros
abandonaram a zona rural e 906 mil pequenas propriedades desapareceram. E a
continuar a sua implementação, garante o próprio idealizador desse modelo, o
ex-secretário executivo do Ministério da Agricultura, professor Guilherme
Dias, haverá espaço apenas para 10% das grandes fazendas e 18% dos atuais
pequenos proprietários.
A outra conseqüência lógica desse modelo é a continuidade da concentração da
terra. De 1992 a 1998, os latifundiários ampliaram suas propriedades em 80
milhões de hectares. Basta lembrar o caso da construtora CR Almeida, que
abocanhou 4 milhões de hectares numa área contínua no Pará, transformando-se
no maior latifúndio do mundo. Outros 1.030 grandes fazendeiros são donos de
62 milhões de hectares - 15% da área total de imóveis do país. Eles
acumularam, nesse mesmo período, 20 milhões de hectares, segundo dados do
próprio Incra.
Durante 15 anos de intensas lutas, o MST e o sindicalismo rural conseguiram
conquistar cerca de 12 milhões de hectares desapropriados, pagando com muitas
vidas de companheiros. Enquanto isso, apenas mil fazendeiros acumularam
sorrateiramente, através das benesses do poder público e da política
econômica, uma área total de quase o dobro da conquistada por 350 mil
famílias. Essa é a prova maior de que a política do governo perpetua e
aumenta a desigualdade social.
Resistência crescente
Para o governo e as classes dominantes, o ideal seria implantar esse modelo
agrícola num contexto social sem sobressalto, com a cooptação das
representações políticas e sindicais dos agricultores - sem oposição e
resistência. No entanto, durante este ano os trabalhadores rurais mostraram
firme determinação de lutar contra a ofensiva neoliberal no campo.
São exemplos desta resistência os protestos em Porto Seguro (BA), nas
comemorações oficiais dos 500 anos; as ações do "Levante no Campo", contra os
transgênicos e as importações agrícolas; as mobilizações de setembro, com o
acampamento na fazenda de FHC; e a participação ativa das organizações dos
trabalhadores rurais no plebiscito da dívida externa.
Nesse contexto, as lutas de massas atrapalham a estratégia do governo de
implantar rapidamente o novo modelo agrícola. Por isso, as classes
dominantes passaram a adotar uma tática neste ano que visa isolar e derrotar
politicamente o MST. E por quê o MST? Porque ele é um mau exemplo aos pobres
do campo. Lógico que após a sua derrota, as elites certamente se voltarão
contra todos os demais movimentos que organizem pobres no campo.
Ações do governo
Assim, o Palácio do Planalto articulou todas as suas forças para desenvolver
diversas atividades na implementação dessa tática. Sob a coordenação do
general Cardoso, chefe geral da ABIN, o novo serviço de inteligência do
governo, várias medidas têm sido adotadas. As principais são:
1) Campo jurídico. Orientou todos os setores para abrir o maior numero
possível de processos, por qualquer motivo, contra lideranças do MST. Só nos
últimos meses já são mais de 180 processos;
2) Repressão. Articulou as PMs para operar sistematicamente contra as
ocupações. Organizou o novo DOPS rural - o departamento de conflitos
agrários da Policia Federal, com um delegado em cada Estado operando
unicamente contra o MST. E sinalizou aos setores conservadores do judiciário
e dos latifundiários com a impunidade. Resultado: seis companheiros
condenados a oito anos de prisão e outros dez assassinados. Na historia do
MST, com exceção dos casos de massacre, nunca foram mortos tantos militantes
num só ano.
3) Ação na imprensa. Articulou colunistas fiéis ao governo e outros órgãos
suscetíveis às pressões e aos recursos de publicidade para promover uma
verdadeira campanha de desmoralização do MST na opinião pública.
Sintomático, o próprio ministro Jungmann revelou à imprensa que um dos
objetivos era produzir notícias para prejudicar o PT na campanha eleitoral.
4) Corte de recursos para a produção. O governo imaginava que a liberação de
créditos para os assentados ligados ao MST representaria maior apoio à
organização e consolidação dessa base social. Por isso, fez de tudo para
evitar que os recursos fossem liberados antes das eleições.
Apoio da sociedade
Felizmente, para toda ação há uma contradição. E apesar dessa triste sanha
do governo, de mentir à opinião pública, os seus resultados não afetaram o
MST. A eleição confirmou a derrota do governo.
FHC esconde da sociedade que o que produz mais luta e indignação é o aumento
da pobreza e da desigualdade social. E o papel do MST é e será continuar a
organizar essa indignação. Felizmente, muitos setores compreendem e vieram
em nossa defesa, sejam intelectuais, jornalistas que colocam em risco seus
empregos, parlamentares, partidos de oposição, religiosos, sindicalistas e
estudantes.
A luta pela reforma agrária transformou-se, mais do que nunca, em luta de
classes clara. Qualquer ocupação de terras, pressão sobre prédios públicos
ou manifestação dos sem terras torna-se agora uma luta contra o modelo
agrícola.
De nossa parte, seguiremos a luta de sempre, na missão histórica de organizar
os trabalhadores. Ampliaremos nossa ação, não só contra o latifúndio, mas
contra a ofensiva neoliberal. Somaremos com todos aqueles que querem
derrotar esse modelo e construir, de fato, um projeto popular para o Brasil.
A história está do nosso lado. Já FHC será tristemente lembrado pelos
brasileiros, que não o suportam mais. Apesar da propaganda, há dois anos seu
índice de aceitação popular não passa dos 19%!
* João Pedro Stédile é membro da direção nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
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