O Mercosul e a Vaca Morta
24/06/2014
- Opinión
Nas encostas da Serra da Vaca Morta – cadeia de montanhas andinas localizadas no Sul da Argentina – encontra-se uma formação de xisto betuminoso de cerca de 30 mil km2, área superior a do Estado de Alagoas. O xisto betuminoso é uma rocha sedimentar e porosa, rica em material orgânico, cujas camadas contêm grandes quantidades de gás natural e petróleo. As maiores reservas mundiais desse mineral estão localizadas na Rússia, seguidas dos EUA, China e Argentina. Segundo a consultora internacional Wood Mackenzie, o óleo de Vaca Morta está avaliado entre os melhores do mundo, sendo considerado de qualidade "excelente".
O campo de Vaca Morta foi encontrado por um geólogo da Standart Oil (atual Chevron) nos anos trinta do século passado. Na época da descoberta o cartel das Sete Irmãs dispunha do monopólio mundial da exploração do petróleo e reinava de forma inconteste. Atualmente, as reservas de Vaca Morta estão estimadas em 22 bilhões de barris de petróleo, volume duas vezes superior ao do Campo de Libra, encontrado no pré-sal, na bacia de Santos. Mantido o atual padrão de produção e consumo, as duas reservas juntas garantiriam o fornecimento de petróleo e gás natural para os países do Mercosul durante os próximos150 anos.
O processo de exploração do xisto betuminoso é tecnicamente complexo e economicamente caro, o que inviabilizou o seu aproveitamento comercial por muitos anos. Há alguns anos, porém, os Estados Unidos, o maior consumidor de energia do mundo, desenvolveram o método da fratura hídrica, ou fracking, revolucionando a exploração do xisto e a geopolítica energética no mundo. O método consiste na injeção de água sob altíssima pressão, misturada com areia e produtos químicos, utilizados para quebrar a rocha e provocar a liberação do gás e do óleo.
Os riscos que podem ser causados pelo fracking são altamente temidos, o que levou alguns países europeus, como a França, a proibir o seu uso em território nacional. Nos Estados Unidos e no Canadá os movimentos sociais resistem bravamente ao seu emprego. Eles dizem que a contaminação do solo e dos lençóis freáticos são alguns danos previsíveis que o método poderia acarretar. Isso sem falar nos incêndios, doenças e abalos sísmicos.
No Brasil, onde a prática do fracking não foi banida, a ANP leiloou blocos para mapeamento e extração do óleo e do gás de xisto em doze Estados. Já se sabe que o Paraná é o Estado que possui as maiores reservas entre eles. Mas há apenas um "pequeno" detalhe: elas se localizam em cima do Aquífero Guarani, o maior reservatório subterrâneo de água doce da América do Sul. Os riscos de contaminação de uma das grandes riquezas naturais do planeta são imensos.
Sendo o Brasil e a Argentina os dois maiores sócios do Mercosul, uma coisa é certa: ao mesmo tempo em que as novas descobertas fortalecem o papel do bloco no cenário energético mundial, elas também trazem sérios riscos para os países da região, e por isso precisam ser avaliados e enfrentados conjuntamente.
Interesses muito poderosos estão por trás de tudo o que diz respeito ao petróleo. Os Estados Partes do Mercosul deveriam se precaver e adotar políticas públicas regionais para proteger este patrimônio comum. Nem que seja apenas para impedir a sua exploração, dados os riscos da operação. Independente da tímida institucionalidade do Mercosul, é necessário criar mecanismos de gestão integrada de nossos recursos naturais, como é o caso da bacia do Rio da Prata, do Aquífero Guarani, das reservas de xisto, entre outros.
Também não se pode ser ingênuo. Os ataques recentes dos fundos abutres contra a Argentina não são apenas uma forma de intimidar os europeus, evitando que eles flertem com saídas heterodoxas da crise, como bem apontou o colunista Emir Sader em seu blog neste portal. São também uma maneira de puni-la pela renacionalização da YPF. A estatal argentina controla 12 mil km2 das novas reservas de gás e petróleo. Os demais blocos já estão sob o comando das multinacionais. Querem quebrar a soberania do país para melhor explorar os seus recursos naturais.
Os abutres, por mal dos pecados, estão de olho na vaca morta.
- José Renato Vieira Martins é professor de Sociologia da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA.
O campo de Vaca Morta foi encontrado por um geólogo da Standart Oil (atual Chevron) nos anos trinta do século passado. Na época da descoberta o cartel das Sete Irmãs dispunha do monopólio mundial da exploração do petróleo e reinava de forma inconteste. Atualmente, as reservas de Vaca Morta estão estimadas em 22 bilhões de barris de petróleo, volume duas vezes superior ao do Campo de Libra, encontrado no pré-sal, na bacia de Santos. Mantido o atual padrão de produção e consumo, as duas reservas juntas garantiriam o fornecimento de petróleo e gás natural para os países do Mercosul durante os próximos150 anos.
O processo de exploração do xisto betuminoso é tecnicamente complexo e economicamente caro, o que inviabilizou o seu aproveitamento comercial por muitos anos. Há alguns anos, porém, os Estados Unidos, o maior consumidor de energia do mundo, desenvolveram o método da fratura hídrica, ou fracking, revolucionando a exploração do xisto e a geopolítica energética no mundo. O método consiste na injeção de água sob altíssima pressão, misturada com areia e produtos químicos, utilizados para quebrar a rocha e provocar a liberação do gás e do óleo.
Os riscos que podem ser causados pelo fracking são altamente temidos, o que levou alguns países europeus, como a França, a proibir o seu uso em território nacional. Nos Estados Unidos e no Canadá os movimentos sociais resistem bravamente ao seu emprego. Eles dizem que a contaminação do solo e dos lençóis freáticos são alguns danos previsíveis que o método poderia acarretar. Isso sem falar nos incêndios, doenças e abalos sísmicos.
No Brasil, onde a prática do fracking não foi banida, a ANP leiloou blocos para mapeamento e extração do óleo e do gás de xisto em doze Estados. Já se sabe que o Paraná é o Estado que possui as maiores reservas entre eles. Mas há apenas um "pequeno" detalhe: elas se localizam em cima do Aquífero Guarani, o maior reservatório subterrâneo de água doce da América do Sul. Os riscos de contaminação de uma das grandes riquezas naturais do planeta são imensos.
Sendo o Brasil e a Argentina os dois maiores sócios do Mercosul, uma coisa é certa: ao mesmo tempo em que as novas descobertas fortalecem o papel do bloco no cenário energético mundial, elas também trazem sérios riscos para os países da região, e por isso precisam ser avaliados e enfrentados conjuntamente.
Interesses muito poderosos estão por trás de tudo o que diz respeito ao petróleo. Os Estados Partes do Mercosul deveriam se precaver e adotar políticas públicas regionais para proteger este patrimônio comum. Nem que seja apenas para impedir a sua exploração, dados os riscos da operação. Independente da tímida institucionalidade do Mercosul, é necessário criar mecanismos de gestão integrada de nossos recursos naturais, como é o caso da bacia do Rio da Prata, do Aquífero Guarani, das reservas de xisto, entre outros.
Também não se pode ser ingênuo. Os ataques recentes dos fundos abutres contra a Argentina não são apenas uma forma de intimidar os europeus, evitando que eles flertem com saídas heterodoxas da crise, como bem apontou o colunista Emir Sader em seu blog neste portal. São também uma maneira de puni-la pela renacionalização da YPF. A estatal argentina controla 12 mil km2 das novas reservas de gás e petróleo. Os demais blocos já estão sob o comando das multinacionais. Querem quebrar a soberania do país para melhor explorar os seus recursos naturais.
Os abutres, por mal dos pecados, estão de olho na vaca morta.
- José Renato Vieira Martins é professor de Sociologia da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA.
Créditos da foto: Arquivo
25/06/2014
https://www.alainet.org/es/node/86652
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