O Brasil, versão gramsciana
18/07/2013
- Opinión
Observo duas reações opostas e erradas, mas de alguma forma convergentes, ao fermento produzido no País pelas manifestações de protesto que têm agitado centenas de praças brasileiras. A dos conservadores e reacionários, bem representados pela “grande imprensa”, foi denunciada pelos setores democráticos e, no fim das contas, facilmente desmascarada. Tinha fôlego curto: simplório demais foi o jogo de cavalgar a indignação juvenil, depois de instintivo rechaço inicial, em razão meramente antigovernamental. E agora o cobertor deles está curto. De qualquer forma, quando vejo a direita executar seu mister habitual, nunca me escandalizo além do mínimo tolerável para minha saúde: egoísta, classista, imoral ou até sujo, sempre repito, seja o papel dela. Seria estranho o contrário.
Mais contraditória e problemática, do ponto de vista dos interesses progressistas, é a reação de certos setores da esquerda, que oscila entre o silêncio embaraçoso e a superficial simpatia, mas que de fato esconde prevenção e se distancia dos movimentos de contestação social. Essa atitude pode fazer o jogo dos adversários.
Ponto de partida da minha reflexão é que os protestos recentes, prescindindo das modalidades, merecem a admiração de todos aqueles que cultivam a esperança em um Brasil melhor, mais democrático e justo. Foi a indignação pela degradação dos hábitos políticos e da convivência civil, a sede de igualdade e novos direitos, que levantou a parte mais generosa dos cidadãos. E isso constitui condição preliminar para qualquer evolução duradoura.
“Descuidar e, pior, desprezar os movimentos ditos ‘espontâneos’, ou seja, renunciar a dar-lhes uma direção consciente, a elevá-los a um patamar superior, inserindo-os na política, pode ter frequentemente consequências muito sérias e graves. Ocorre quase sempre que um movimento ‘espontâneo’ das classes subalternas seja acompanhado por um movimento reacionário da ala direita da classe dominante, por motivos concomitantes: por exemplo, uma crise econômica determina, por um lado, descontentamento nas classes subalternas e movimentos espontâneos de massa, e, por outro, determina complôs de grupos reacionários que exploram o enfraquecimento objetivo do governo para tentar golpes de Estado. Entre as causas eficientes desses golpes de Estado deve-se pôr a renúncia dos grupos responsáveis a dar uma direção consciente aos movimentos espontâneos e, portanto, a torná-los um fator político positivo.” Não encontrei palavras mais significativas do que essas de Antonio Gramsci (Cadernos do Cárcere, Volume 3) para expressar meu ponto de vista em relação aos acontecimentos recentes. Longe de mim considerar o pensamento do ilustre sardo como dogma infalível, mas, mutatis mutandis, me parece que sua reflexão teórica se encaixa perfeitamente na atual realidade brasileira.
O PT, partido que 30 anos atrás se forjou por meio de lutas populares, hoje esquecidas, hesita entre a inércia e as tímidas ações de retaguarda. Pego no contrapé por iniciativa política alheia, tem evidente dificuldade em reconhecer um sujeito social – o movimento – ainda pouco definido e que, sobretudo, escapa dos seus cânones de interpretação política. Muitos intelectuais próximos ao PT, mais realistas do que o rei, competem entre si para encontrar reservas ou distinções que nada constroem na direção “gramsciana”, mas que, expressando desconfiança, só conseguem alienar-se da simpatia dos jovens indignados e seus aliados.
Na pradaria política que se abriu entre a direita sem projeto e a esquerda “tradicional” fechada em seu fortim destaca-se a constante e premonitória iniciativa política de Marina Silva, que não por acaso cresce impetuosamente nas intenções de voto. Verdade se diga, as motivações dos protestos se estabelecem em sua visão como em nenhuma outra e sua rede se oferece, hoje mais do que nunca, como receptora ideal de novas e antigas reivindicações.
Na impossibilidade objetiva de construir sérias reformas, políticas ou estruturais, nesse Parlamento em mãos conservadoras, o PT e seu chefe indiscutível, Lula, tomariam iniciativa construtiva se abrissem finalmente diálogo e colaboração com Marina, em vez de hostilizá-la como o pior dos inimigos, porque sua imprevisível força no novo Parlamento poderia constituir base de inéditas e promissoras alianças.
https://www.alainet.org/es/node/77815?language=en
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