Estado Mínimo Reacionário contra o Estado de Bem-Estar Social
O libertário conservador discursa em oposição à engenharia social, porém tenta fazer uma reengenharia social contra os derrotados em uma eleição.
- Análisis
O conservadorismo liberal é uma ideologia política cujo ideário combina costumes sociais pregados por religiosos com elementos econômicos liberais. Seus adeptos dão apoio à economia de mercado, se os mercadores atuarem em favor da manutenção de comportamentos conservadores.
A estratégia aparentemente contraditória do conservadorismo libertário é se apropriar do Estado para buscar impor, autoritariamente, suas posições conservadoras em termos culturais. O libertário conservador discursa em oposição à engenharia social, porém tenta fazer uma reengenharia social contra os derrotados em uma eleição.
Mistura a postura ideológica conservadora do status-quo e os princípios econômicos austeros, tais como o conservadorismo fiscal, o respeito pelos contratos e, principalmente, a defesa da propriedade privada pelo aparelho repressivo. Para esta finalidade, considera válido usar a “mão-militar” do Estado.
Friedrich Hayek, Ludwig von Mises e Milton Friedman são descritos como conservadores libertários. Seus seguidores fazem oposição contra todas as formas de intervenção estatal econômica, e defendem o conservadorismo social e cultural. Apelam para a Falácia do Espantalho. Atacam o chamado por eles de “globalismo marxista cultural”.
Especialmente a partir dos anos 1980, o neoliberalismo passou a ser um termo mais empregado, na Economia do Desenvolvimento, em substituição a termos como monetarismo, neoconservadorismo, Consenso de Washington, etc. Seus adeptos assumem uma perspectiva crítica para descrever o ressurgimento de ideias derivadas do capitalismo do laissez-faire.
Os defensores do neoliberalismo não empregam esse termo para autodesignação por o acharem pejorativo. Preferem se definir como “liberais” ao advogarem em favor de políticas de liberalização econômica extensas, como as privatizações, austeridade fiscal, desregulamentação, livre comércio, e o corte de despesas governamentais a fim de reforçar o papel do setor privado na economia.
O neoliberalismo tentava se apresentar como uma “terceira via”, capaz de resolver o conflito entre o liberalismo clássico e a economia planificada coletivista. Buscava evitar a repetição das falhas de mercado, originadoras de crise como a de 1929. A desregulamentação provocou sim a bolha imobiliária nos EUA e o crash em 2008.
Os neoliberais tupiniquins tendem a divergir da doutrina radical do laissez-faire do liberalismo clássico. Promovem, em lugar dele, uma economia de mercado sob a orientação e regras de um Estado militar, seja sob ditadura, seja sob controle do crime organizado miliciano. Suas propostas foram associadas às reformas pró-business, entre as quais o regime previdenciário de capitalização, implementadas no Chile, nos anos 1970, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Ela contou com a colaboração de Hayek, Friedman e seus Chicago’s Boys.
Por isso, o adjetivo “neoliberal” não apenas adquiriu uma conotação negativa para os críticos das reformas liberalizantes pró livre mercado – no mercado de trabalho, na Previdência Social, na estrutura tributária, na administração pública, etc. –, como mudou de significação. Deixou de ser considerado como uma forma moderada de liberalismo, para ser entendido como um conjunto de ideias mais radicalmente favoráveis ao capitalismo do laissez-faire. Os acadêmicos passaram a, então, o dissociar do monetarismo de Milton Friedman, oriundo da Escola de Chicago, e o associar mais às teorias de Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, elaboradas pela Escola Austríaca.
O monetarismo estava associado ao conjunto de políticas econômicas introduzidas por Augusto Pinochet, no Chile, Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos. Ele fracassou no intuito de angariar apoio global ao provocar, com o choque de juros, a Grande Crise da Dívida Externa nos anos 80.
O fim do padrão-ouro em 1971 e a decorrente flexibilização do câmbio se somaram ao Consenso de Washington, imposto durante as décadas de 1980 e 1990, em favor das práticas neoliberais como a desregulamentação, a desintermediação bancária e a abertura externa. Combinadas, essas medidas foram consideradas a raiz da “financeirização” da economia. Esta teria como efeito a crise de 2008.
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial prescreviam o neoliberalismo como forma de nortear o crescimento econômico sustentável em países em desenvolvimento. Porém, recentemente, com a mudança de seu economista-chefe, o FMI publicou um artigo alertando as políticas neoliberais terem efeitos nocivos em longo prazo. Em vez de gerar crescimento, aumentam a desigualdade social, colocando em risco uma expansão econômica duradoura, isto é, impedindo o crescimento sustentável.
A Escola Austríaca adota a Lei de Say para criticar a ideia da alavancagem financeira por crédito. Defende só a poupança ser canalizada para investimento, de maneira a manter o idealizado equilíbrio entre demanda agregada e oferta agregada. Essa ideia veio a ser contestada por Keynes com o Princípio da Demanda Efetiva.
Ele formulou ideias capazes de orientar as políticas econômicas de combate aos efeitos socialmente nocivos da Grande Depressão. Colaboraram também para a construção, na década de 1930, de um Estado de bem-estar social ou welfare state. Seu exemplo mais bem-acabado foi o Estado Escandinavo, isto é, o modelo adotado pelos países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia), através da socialdemocracia. Foram eleitos os partidos de origem trabalhista, organizados por lideranças sindicais.
O Estado de Bem-Estar Social é um tipo de organização política, econômica e sociocultural onde o Estado é um agente da promoção social e organizador da economia. Nesta orientação, torna-se o agente regulador de toda a vida nacional, em parceria com empresas privadas e sindicatos, além de instituições de acordo com os costumes de cada país. Cabe ao Estado de Bem-Estar Social garantir serviços públicos e proteção à população, provendo dignidade aos habitantes da Nação.
O Estado-Providência, na realidade, nasceu na década de 1880, na Alemanha, com Otto von Bismarck. Surgiu como um reformismo social, alternativo ao liberalismo econômico e ao socialismo radical. Este era a favor da estatização de todos os meios de produção.
Pelos princípios do Estado de Bem-Estar Social, todo indivíduo tem direito, desde seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços. Seu fornecimento seria garantido, seja diretamente através do Estado, seja indiretamente mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Nele se inclui gratuidade e universalidade do acesso à educação, à assistência médica, ao auxílio ao desempregado, à aposentadoria, bem como à proteção maternal, à infantil e à senil.
Contra as recomendações de quem pregava um “maior ajuste orçamentário”, para sair da Grande Depressão, Gunnar Myrdal, economista sueco premiado com o Nobel de Economia, liderou a pregação oposta. As políticas sociais não são só uma questão de redistribuição de renda. São vitais para o próprio desenvolvimento socioeconômico. Têm como objetivo principal o aumento do PIB e daí possibilitar uma maior arrecadação fiscal para a assistência social. A Escola de Estocolmo pensava em termos dinâmicos.
No contraponto de Friedrich Hayek, com quem Myrdal dividiu o Prêmio Nobel, o poder coercitivo do Estado Previdenciário se assemelha a um modelo de economia planificada. Resulta na agressão à liberdade dos indivíduos escolherem os seus próprios meios de proteção social.
Além disso, os planejadores centrais sofrem da impossibilidade do conhecimento de todo o sistema econômico, levando à uma alocação de capital pior em lugar de um ambiente competitivo. Assim, mesmo permitindo a atuação de agentes privados, caso esses sofram regulação excessiva, com controle de preços e dirigismo contratual, deixa de existir uma competição de verdade porque o totalitarismo afeta a livre formação de preços relativos indicadores de decisões.
Hayek critica a redistribuição de renda e riqueza ter se tornado o principal objetivo do seguro social – e não mais o apoio aos pobres. Para a retórica reacionária, a luta contra a desigualdade natural é utópica e arbitrária – e acaba por produzir mais pobreza. O modelo norte-americano com tributos baixos garantiria um mínimo existencial.
Alinhado com Hayek, o economista americano Milton Friedman propôs uma solução: o imposto de renda negativo, uma espécie de Renda Básica de Cidadania. Todas as prestações públicas diretas seriam eliminadas, não haveria escolas ou hospitais públicos. Ao invés disso, cada cidadão receberia uma renda universal – um “voucher” – para gastar como e onde bem entendesse. Assim, os cidadãos escolheriam os seus prestadores de serviços sociais privados.
A proposta de Milton Friedman evitaria o monopólio estatal na prestação de serviços sociais, possibilitando a competição também na área social. No entanto, seus críticos consideram a proposta do voucher de difícil implementação de maneira socialmente justa e com custosa fiscalização burocrática. No Brasil, a ideia tomou a forma mais simples do Programa Bolsa-Família, implementado massivamente pelo governo sob a hegemonia do Partido dos Trabalhadores.
- Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Ciclo: Intervalo entre Duas Crises” (2019; download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/).
19/02/2020
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