Por que o impeachment é um golpe?

15/04/2016
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Eduardo Cunha.  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil eduardo cunha   marcelo camargo agencia brasil
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A chave para entender o golpe é o fato de que a presidenta perdeu popularidade junto ao Congresso quando, desde 2011, realizou 'faxinas' em órgãos públicos

 

Não há a menor dúvida que a prática de corrupção significa crime de responsabilidade passível de impedimento de um presidente. Foi por isso que Fernando Collor foi impedido em 1992. Na época, a Câmara de Deputados não estava envolvida em larga escala nos escândalos de corrupção que tragaram o presidente e sua minúscula base de apoio. Além de ter legitimidade para julgar um presidente corrupto, a Câmara se sustentava em um consenso amplo na sociedade a respeito da legitimidade do processo.

 

Nada disso ocorre hoje: os julgadores da presidenta Dilma Rousseff não conseguiram apontar sua associação com crimes de corrupção, cuja investigação ela sempre apoiou. Pelo contrário, a crise de legitimidade do Congresso Nacional resulta exatamente do acúmulo de denúncias de corrupção até o clímax da descoberta das relações entre representantes políticos e mecanismos ilegais de financiamento da política.

 

Há grandes evidências de que os empresários que se apropriam de contratos públicos superfaturados e que financiam campanhas políticas têm relações escusas com parlamentares que, em troca, patrocinam obras superfaturadas através de emendas parlamentares e indicam diretores de órgãos públicos e empresas estatais responsáveis pela contratação. Se alguém pode ser acusado de corrupção, não é a presidenta Dilma Rousseff e sim seus julgadores no Congresso Nacional.

 

Uma chave para entender o golpe é o fato de que a presidenta começou a perder popularidade junto ao Congresso quando, desde 2011, se comprometeu a realizar “faxinas” em órgãos públicos. É claro que a delação de Delcídio Amaral não é de todo crível, mas tornou público um ponto de discórdia entre Dilma e Eduardo Cunha que é comentado há anos: em 2011, ela acabou com o controle corrupto que ele tinha sobre diretorias de Furnas e criou um desafeto vingativo. O mesmo aconteceu com o Partido da República (PR) depois da faxina realizada no Ministério do Transportes que tragou o próprio ministro, Senador Alfredo Nascimento.

 

A procura por um crime de responsabilidade e a hipocrisia dos julgadores

 

Até as pedras sabem que o principal aliado de Temer é o deputado Eduardo Cunha. Foi ele quem acolheu o processo de impeachment no dia 02 de dezembro de 2015, logo depois que os deputados do PT resolveram votar pela abertura de processo contra ele por corrupção explícita, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.

 

É bom lembrar que Cunha rompeu com o governo Dilma em 17 de julho de 2015, quando o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, ofereceu denúncia contra ele diante de provas firmes de corrupção. A cortina de fumaça da acusação feita por Cunha a Dilma Rousseff é que ela influenciou os trabalhos de Janot, muito embora ela tenha conferido autonomia à polícia federal e ao procurador geral para proceder à operação Lava Jato e acusar políticos da base de apoio político do governo e do próprio PT. Para Cunha, o único pecado de Dilma, no fundo, era não abafar as investigações como fazia o engavetador-geral indicado por Fernando Henrique Cardoso, o Procurador Geraldo Brindeiro.

 

A chantagem promovida por Eduardo Cunha claramente envolvia apoiar a presidente em troca da interrupção das investigações. Ela e seu ex-Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, porém, nunca buscaram limitar a Operação Lava-Jato, nem mesmo para conter as arbitrariedades óbvias do juiz Sérgio Moro, de procuradores e policiais federais. Neste contexto, a chantagem corriqueira nas relações entre Congresso e Executivo tornou-se uma questão de vida ou morte para vários congressistas corruptos.

 

Se Dilma Rousseff não pode ser acusada de corrupção, mas precisa ser afastada para que as apurações sobre corrupção parem, é preciso criar um pretexto para afastá-la de qualquer maneira. A acusação do processo de impeachment trata de questões relativas ao orçamento de 2015 e nada tem a ver com as “pedaladas fiscais” de 2014, condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) apesar de serem rotina na administração pública desde sempre.

 

Cabe lembrar que o ministro do TCU que condenou as supostas “pedaladas” de 2014, o ex-deputado do Partido Progressista (PP) entre 2003 e 2005, Augusto Nardes, é citado em processo no Supremo Tribunal Federal (STF) na Operação Zelotes, sob acusação de receber dinheiro de uma consultoria que compraria decisões para reduzir impostos de empresas julgadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

 

Além de ser acusado na Operação Zelotes, Nardes foi implicado há poucos dias (24/03/2016) na própria Operação Lava-Jato: a delação premiada do ex-deputado federal Pedro Corrêa (PE), ex-presidente do PP, alega que Nardes era um dos deputados do PP que recebiam recursos desviados da Petrobrás até ser nomeado ministro do TCU, em 2005.

 

Michel Temer, Aécio Neves, Agripino Maia, Romero Jucá, Antonio Anastasia e tantos outros oposicionistas são citados na Operação Lava-Jato, como Cunha e, agora, Nardes. A lista da Odebrecht, que Sergio Moro convenientemente se recusou a investigar, implica quase metade do Congresso em operações (legais ou ilegais) com a empresa. É exagero dizer que o primeiro objetivo dos políticos que sustentam o golpe contra Dilma é melar as investigações? É coincidência que, diante da iminência da votação do impeachment, Moro afirme que sonha concluir a operação Lava Jato até dezembro de 2016?

 

O pretexto pueril do impeachment

 

Não é apenas a vingança de Eduardo Cunha e de políticos ameaçados pelo combate à corrupção que tornam ilegítimo o pedido de impeachment. Sua base jurídica é o argumento que havia “previsão” de que a meta de poupança do governo (resultado primário) não seria alcançada em 2015, mas o governo teria autorizado “novos gastos” ao longo do ano, por meio de “créditos suplementares” que redistribuíam recursos entre rubricas orçamentárias já autorizadas. Ironicamente, isso foi feito inclusive a pedido de órgãos do Judiciário e próprio TCU!

 

Quanto à suposta “pedalada” de 2015, o atraso (e não a eliminação) do repasse de 3,5 bilhões de reais ao Banco de Brasil para pagamento do Plano Safra está completamente em linha com o padrão histórico para qualquer governo desde a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Foi muito mais do que compensado pelo pagamento de R$72 bilhões de “pedaladas” dos anos anteriores.

 

A reinterpretação da LRF é tão arbitrária, e a acusação é tão pueril que, na bela imagem de Juca Kfouri, se assemelham à punição por cartão vermelho em um jogo de futebol por um lateral cobrado com um pé sobre linha. Isto exigiria no máximo uma advertência para ajustamento de conduta, se tanto. Mais 16 governadores deveriam ser acusados do mesmo crime apenas em 2015, assim como o próprio vice-presidente Michel Temer. Nem Lula nem FHC teriam terminado seus mandatos.

 

A seletividade da acusação não é seu principal vício. O que é pior é que as contas fiscais de 2015 fecharam dentro da meta autorizada pelo Congresso no dia 31 de dezembro, mas o pedido de impeachment é do dia 02 de dezembro! Como escrevi, é o mesmo dia em que o PT declarou apoiar abertura de investigação sobre as contas no exterior de Eduardo Cunha. As contas do governo em 2015 sequer foram analisadas e julgadas pelo TCU, muito menos pelo Congresso. Com esse pretexto absurdo, o impeachment é, simplemente, um golpe.

 

- Pedro Paulo Zahluth Bastos: Professor Livre-Docente do Instituto de Economia da UNICAMP.

 

 

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Por-que-o-impeachment-e-um-golpe-/4/35965

 

https://www.alainet.org/es/node/176772
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