Tudo dó
03/09/2014
- Opinión
Uma onda “fundamentalista” tomou conta da campanha eleitoral. Afirma-se, pregando a “nova política”. E eis que de um momento para outro, as certezas desenvolvimentistas enrijeceram as bocas, murcharam as bochechas e sustentam sorrisos amarelos. Para compreendermos a situação, o ponto de partida é percebermos que em política nem sempre as coisas acontecem por acaso e, assim como os espaços vazios podem ser preenchidos, os espaços ocupados podem ser disputados.
O fundamentalismo na política não é uma novidade, há décadas que ouvimos falar dos governos islâmicos, que ganharam maior evidência depois que o bloco socialista soviético se desfez e, o vazio deixado na polarização mundial com o imperialismo estadunidense, foi ocupado por outra força econômica, política e militar, motivada pela ideologia religiosa. Mas no catolicismo, essa inóspita possibilidade, desde Maquiavel vem sendo contestada.
No entanto, desde a antiguidade e em qualquer parte do mundo, os Estados não são laicos nem religiosos, mas simplesmente Estados. Os governos ao utilizarem os instrumentos de dominação é que fazem a diferença segundo os interesses e as crenças que defendem. Aqui também o Estado é capitalista e a disputa não é entre católicos e evangélicos, mas entre os crentes devotos do capital que sustentam a ordem econômica nacionalista ou mais entreguista às empresas externas. Então, o problema não está em saber se o Estado é laico ou religioso ou se o discurso é desenvolvimentista ou fundamentalista, mas com que boca o capital emitirá as ordens para aquela que governará o país. É verdade que há nas ideologias algumas diferenças, além do aventureirismo, uma acredita que Deus é brasileiro, a outra que o endereço para o céu, passa pelos Estados Unidos da América.
Mas por que a suposta pregação fundamentalista ganha aceitação popular a ponto de desbancar o discurso desenvolvimentista depois de mais de uma década de governo com as diversas melhorias apresentadas? A resposta é simples: não basta encher as barrigas e deixar as cabeças vazias! Este é o detalhe: se há alguma novidade na política é o discurso que entra nos vazio das cabeças que comandam as barrigas cheias de assistencialismo despolitizado.
Mas porque as cabeças estão vazias de conteúdo progressista, socialista ou revolucionário se grande parte das forças de esquerda no governo se sentem vitoriosas? Porque no Brasil, quem ganha as disputas eleitorais são os partidos, mas quem governa são os candidatos eleitos. Eles distribuem os cargos aos aliados com o entendimento de que o partido e o governo não podem ser identificados. Por isso o governo se transforma em uma empresa, e os partidos aguardam o chamado para elegerem o gerente.
Se a institucionalidade ajuda a transformar a sociedade, os partidos inseridos nela deveriam governar através do poder popular e educar o povo dando-lhes tarefas, dentre elas a de transformar o Estado e controlar o capital. Mas os partidos disputam as eleições e se retiram de suas bases porque não acham maneiras de questionar a ordem, por isso não renovam a militância e, na hora que mais precisam dela para fazer a agitação nas ruas, obrigam-se a chamar os pobres camponeses que ingenuamente vão prestar socorro, em troca ganham milhares de escolas fechadas e o apoio ao agronegócio exportador.
O futuro é incerto, vê-se pelo tom repetitivo da campanha eleitoral; isto mostra como disse Carlos Marighella, que somos o país de uma nota só: tudo dó, tudo dó, tudo dó.
Ademar Bogo é filósofo, escritor e agricultor.
04/09/2014
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