Ação do Ministério Público gaúcho contra o MST é política
25/06/2008
- Opinión
Para o jurista Dalmo Dallari, proposta do Ministério Público não tem consistência jurídica; “É surpreendente que o Conselho Superior do MP tenha aprovado uma proposta dessas", diz o jurista
A decisão do Conselho Superior do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul de pedir em relatório a “dissolução” do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e a “declaração de sua ilegalidade” não tem consistência jurídica. A avaliação é de especialistas, que acreditam que a medida, além de ferir a Constituição Federal, é política e não judicial.
De acordo com o jurista Dalmo Dallari, professor de direito da Universidade de São Paulo (USP), “é surpreendente que o Conselho Superior do MP tenha aprovado uma proposta dessas. O aspecto jurídico foi completamente esquecido”, acredita. No documento do MPE, o promotor Gilberto Thums afirma: “Voto ainda no sentido de que sejam tomadas as seguintes medidas cabíveis: 1 – Com vista à suspensão das marchas, colunas ou outros deslocamentos em massa de sem-terra....”.
Direito constitucional
Para Dalmo Dallari, a afirmação de Thums não tem embasamento jurídico, “porque os integrantes do MST têm o direito de locomoção garantido pela Constituição”. Segundo ele, o movimento é “o agrupamento de pessoas no exercício do direito constitucional de reunião e manifestação de opinião”.
O relatório do Ministério Público já serviu de base para oito ações judiciais contra integrantes do MST, como proibições de marchas, autorização de despejos e deslocamento de acampamentos.
Quebrar a espinha
Um dos trechos do relatório que mais chamam a atenção é o que afirma: "Cabe ao MP-RS agir agora: quebrar a espinha dorsal do MST. O momento é histórico no país e se constitui no maior desafio já apresentado à instituição desde o pós-1988: a defesa da democracia".
Para o professor de direito da USP, tais palavras demonstram o teor de um manifesto político, não de um documento jurídico. “Essa terminologia de 'quebrar a espinha' não tem nada de jurídico, é lamentável. Essas palavras representam a negação da democracia, são uma demonstração de intolerância política”, define Dallari.
Violência policial
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), “o caso é muito grave e precisa ser investigado”. Paim presidiu a audiência pública realizada dia 24 em Porto Alegre para denunciar a violência policial contra os movimentos sociais no Rio Grande do Sul.
Segundo ele, “depois da ditadura militar, não tinha visto cenas tão chocantes. A polícia não pode continuar tratando o povo desta forma”, referindo-se à cenas de um filme que foi passado na audiência com cenas de pancadaria promovidas pela Brigada Militar na manifestação contra o governo de Yeda Crucius no dia 13 de junho.
Despejos violentos
Apenas no mês de junho, duas mobilizações da Via Campesina foram reprimidas com violência e dois acampamentos, em áreas cedidas ao MST, foram despejados na região norte. Centenas de famílias ligadas ao MST foram despejadas de dois acampamentos no município de Coqueiros do Sul, no dia 17. Barracos, plantações, criações de animais, o posto de saúde e a escola montada pelos sem-terra foram destruídos.
Na ação civil pública apresentada pelos promotores Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Benhur Biancon Junior, do MP gaúcho, pedindo a desocupação consta que os acampamentos Jandir e Serraria são “verdadeiras bases operacionais destinadas à prática de crimes e ilícitos civis causadores de enormes prejuízos não apenas aos proprietários da Fazenda Coqueiros, mas a toda sociedade”.
Anti-capitalista
A comparação com o período da ditadura civil militar também foi feita pelo procurador do Estado aposentado e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, Jacques Távora Alfonsin. De acordo com ele, o MP do RS “se voltou à época da ditadura para sustentar esse ataque”.
Alfonsin aponta que na petição inicial, os promotores baseiam-se no fato de que o MST é um movimento anti-capitalista e esquerdista. “Quer dizer, tudo aquilo que as universidades estudam em sociologia com a maior liberdade. Qual é o crime de ser anti-capitalista e esquerdista?”, questiona. Para embasar a denúncia, explica o ex-procurador, os promotores usam como suporte o Estatuto da Terra, votado durante a ditadura militar, que acabou com as Ligas Camponesas (movimento camponês exterminado após o golpe de 1964) “para mostrar que o MST, então, se equipararia às ligas”.
Inconsistência jurídica
De acordo com Alfonsin, a defesa do MST está preparando recursos judiciais para contestar “essas infelizes ações”, e disse que “não se descarta a hipótese de fazer uma petição com urgência para a comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)”.
No entanto, para o jurista Dalmo Dallari, apesar da decisão lembrar o período da ditadura, “quando os grupos que desagradavam eram rotulados de subversivos e serem uma ameaça à soberania nacional”, ela é “tão inconsistente, surpreendente, totalmente inútil juridicamente, que não pode ter conseqüência nenhuma”, afirma.
Fim da criminalização
Para protestar contra a criminalização do MST por parte do governo do RS, o movimento elaborou um manifesto contra “uma verdadeira ofensiva de forças conservadoras do Estado, que não só querem impedir a divisão da terra, como determina a Constituição, mas querem criminalizar os que lutam pela reforma agrária e impedir a continuidade do movimento”. No abaixo assinado, o MST pede à sociedade civil que envie cartas de protesto para a governadora Yeda Crusius e ao procurador-geral de Justiça, Mauro Renner, que é nomeado pela governadora e coordena o Ministério Publico Estadual.
No documento, o MST afirma que relatório do MPE “merece repulsa de toda a sociedade (...). Como não bastasse a tentativa de declarar o MST ilegal, o Ministério Público decidiu “(...) pela intervenção nas escolas do MST a fim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST.”
Ainda de acordo com o abaixo-assinado, “o MST vem se notabilizando como um dos movimentos sociais mais importantes da nossa história, justamente pela sua opção de luta utilizando a não-violência. Portanto, receba nosso mais veemente repúdio pela decisão tomada no Conselho Superior do Ministério Público, pelo seu Estado Maior da Brigada Militar e pela decisão do Ministério Público Federal. Declaramos nosso apoio à luta do MST”.
A decisão do Conselho Superior do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul de pedir em relatório a “dissolução” do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e a “declaração de sua ilegalidade” não tem consistência jurídica. A avaliação é de especialistas, que acreditam que a medida, além de ferir a Constituição Federal, é política e não judicial.
De acordo com o jurista Dalmo Dallari, professor de direito da Universidade de São Paulo (USP), “é surpreendente que o Conselho Superior do MP tenha aprovado uma proposta dessas. O aspecto jurídico foi completamente esquecido”, acredita. No documento do MPE, o promotor Gilberto Thums afirma: “Voto ainda no sentido de que sejam tomadas as seguintes medidas cabíveis: 1 – Com vista à suspensão das marchas, colunas ou outros deslocamentos em massa de sem-terra....”.
Direito constitucional
Para Dalmo Dallari, a afirmação de Thums não tem embasamento jurídico, “porque os integrantes do MST têm o direito de locomoção garantido pela Constituição”. Segundo ele, o movimento é “o agrupamento de pessoas no exercício do direito constitucional de reunião e manifestação de opinião”.
O relatório do Ministério Público já serviu de base para oito ações judiciais contra integrantes do MST, como proibições de marchas, autorização de despejos e deslocamento de acampamentos.
Quebrar a espinha
Um dos trechos do relatório que mais chamam a atenção é o que afirma: "Cabe ao MP-RS agir agora: quebrar a espinha dorsal do MST. O momento é histórico no país e se constitui no maior desafio já apresentado à instituição desde o pós-1988: a defesa da democracia".
Para o professor de direito da USP, tais palavras demonstram o teor de um manifesto político, não de um documento jurídico. “Essa terminologia de 'quebrar a espinha' não tem nada de jurídico, é lamentável. Essas palavras representam a negação da democracia, são uma demonstração de intolerância política”, define Dallari.
Violência policial
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), “o caso é muito grave e precisa ser investigado”. Paim presidiu a audiência pública realizada dia 24 em Porto Alegre para denunciar a violência policial contra os movimentos sociais no Rio Grande do Sul.
Segundo ele, “depois da ditadura militar, não tinha visto cenas tão chocantes. A polícia não pode continuar tratando o povo desta forma”, referindo-se à cenas de um filme que foi passado na audiência com cenas de pancadaria promovidas pela Brigada Militar na manifestação contra o governo de Yeda Crucius no dia 13 de junho.
Despejos violentos
Apenas no mês de junho, duas mobilizações da Via Campesina foram reprimidas com violência e dois acampamentos, em áreas cedidas ao MST, foram despejados na região norte. Centenas de famílias ligadas ao MST foram despejadas de dois acampamentos no município de Coqueiros do Sul, no dia 17. Barracos, plantações, criações de animais, o posto de saúde e a escola montada pelos sem-terra foram destruídos.
Na ação civil pública apresentada pelos promotores Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Benhur Biancon Junior, do MP gaúcho, pedindo a desocupação consta que os acampamentos Jandir e Serraria são “verdadeiras bases operacionais destinadas à prática de crimes e ilícitos civis causadores de enormes prejuízos não apenas aos proprietários da Fazenda Coqueiros, mas a toda sociedade”.
Anti-capitalista
A comparação com o período da ditadura civil militar também foi feita pelo procurador do Estado aposentado e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, Jacques Távora Alfonsin. De acordo com ele, o MP do RS “se voltou à época da ditadura para sustentar esse ataque”.
Alfonsin aponta que na petição inicial, os promotores baseiam-se no fato de que o MST é um movimento anti-capitalista e esquerdista. “Quer dizer, tudo aquilo que as universidades estudam em sociologia com a maior liberdade. Qual é o crime de ser anti-capitalista e esquerdista?”, questiona. Para embasar a denúncia, explica o ex-procurador, os promotores usam como suporte o Estatuto da Terra, votado durante a ditadura militar, que acabou com as Ligas Camponesas (movimento camponês exterminado após o golpe de 1964) “para mostrar que o MST, então, se equipararia às ligas”.
Inconsistência jurídica
De acordo com Alfonsin, a defesa do MST está preparando recursos judiciais para contestar “essas infelizes ações”, e disse que “não se descarta a hipótese de fazer uma petição com urgência para a comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)”.
No entanto, para o jurista Dalmo Dallari, apesar da decisão lembrar o período da ditadura, “quando os grupos que desagradavam eram rotulados de subversivos e serem uma ameaça à soberania nacional”, ela é “tão inconsistente, surpreendente, totalmente inútil juridicamente, que não pode ter conseqüência nenhuma”, afirma.
Fim da criminalização
Para protestar contra a criminalização do MST por parte do governo do RS, o movimento elaborou um manifesto contra “uma verdadeira ofensiva de forças conservadoras do Estado, que não só querem impedir a divisão da terra, como determina a Constituição, mas querem criminalizar os que lutam pela reforma agrária e impedir a continuidade do movimento”. No abaixo assinado, o MST pede à sociedade civil que envie cartas de protesto para a governadora Yeda Crusius e ao procurador-geral de Justiça, Mauro Renner, que é nomeado pela governadora e coordena o Ministério Publico Estadual.
No documento, o MST afirma que relatório do MPE “merece repulsa de toda a sociedade (...). Como não bastasse a tentativa de declarar o MST ilegal, o Ministério Público decidiu “(...) pela intervenção nas escolas do MST a fim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST.”
Ainda de acordo com o abaixo-assinado, “o MST vem se notabilizando como um dos movimentos sociais mais importantes da nossa história, justamente pela sua opção de luta utilizando a não-violência. Portanto, receba nosso mais veemente repúdio pela decisão tomada no Conselho Superior do Ministério Público, pelo seu Estado Maior da Brigada Militar e pela decisão do Ministério Público Federal. Declaramos nosso apoio à luta do MST”.
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
https://www.alainet.org/en/node/128365
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