Direita derrotada nas eleições chilenas

26/11/2013
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A candidata da coalizão Nueva Mayoría, a socialista Michele Bachelet, saiu na frente na disputa pela Presidência do Chile no dia 17 de novembro, com 47% dos votos, e por pouco não foi vitoriosa já no primeiro turno. Teve uma diferença de 22% em relação à candidata da direita, Evelyn Matthei, da coalizão Alianza, que recebeu 25% dos votos. Os candidatos independentes que ficaram em terceiro e quarto lugar foram, respectivamente, Marco-Enriquez Ominami, egresso do Partido Socialista Chileno, com 11% dos votos, e Franco Parisi, um tecnocrata de centro, com 10%. A soma dos votos dos outros cinco candidatos, que ideologicamente se situavam na direita, no humanismo ou na área ambientalista, mal chegou a 7%. O segundo turno entre Bachelet e Matthei será em 15 de dezembro – e poucos duvidam da vitória da candidata de esquerda.

A Nueva Mayoría é uma coalizão entre os partidos da Concertación – Democrata Cristão (PDC), Socialista (PS), Pela Democracia (PPD) e o Radical Social Democrata (PRSD), que governaram o Chile de 1990 a 2010 – e o Partido Comunista Chileno (PCCh), a Esquerda Cidadã (IC) e o Movimento Amplo Social (MAS). É a primeira vez em uma eleição que essa aliança ocorre em primeiro turno, nas anteriores o PCCh apresentou candidatura própria e apoiou a Concertación somente no segundo turno.

Por sua vez, a Alianza é composta por dois partidos de direita, a Unión Democrata Independente (UDI) e a Renovación Nacional (RN), ambos criados no processo de redemocratização do Chile após a ditadura Pinochet. Nem sempre estiveram unidos em torno de candidaturas únicas desde o primeiro turno, mas em 2009 reuniram forças e elegeram o atual presidente Sebastián Piñera.

O resultado da eleição parlamentar também favoreceu a Nueva Mayoría, que elegeu 70 deputados de um total de 120 na Câmara e 21 senadores de um total de 38. Essa maioria, porém, poderá ser relativa e frágil politicamente, a depender da disposição de Bachelet, uma vez confirmada sua eleição, de implementar integralmente as reformas que fazem parte de seu programa de governo.

A conjuntura foi amplamente favorável à candidatura presidencial de Michele Bachelet e à sua coligação partidária por dois motivos, pelo menos. Em primeiro lugar, devido à mobilização estudantil e popular iniciada em 2011 contra o sistema educacional no Chile, privatizado durante a ditadura Pinochet e mantido assim até hoje, que ela promete reformar. Em segundo lugar, a atitude do atual e impopular presidente Sebastián Piñera, que quer retornar à Presidência em 2017 à frente de uma "nova direita", sem vínculos com a ditadura. Durante a campanha eleitoral tomou a inusitada decisão de transferir da luxuosa prisão Cordillera para prisões comuns dez militares de alta patente condenados por crimes contra os direitos humanos durante a ditadura. Esse fato foi prejudicial à candidatura de Evelyn Matthei, muito identificada com o pinochetismo por suas posições políticas e por ser filha do brigadeiro Fernando Matthei, um dos três membros da junta militar que governou o Chile de 1973 a 1990.  

A questão política central posta hoje para os partidos chilenos é exatamente esta: a superação do legado da ditadura. A direita já percebeu que, se não romper os laços com o pinochetismo, não terá condições de crescer; e a Concertación entendeu que se esgotou a política de conciliação e mudanças cosméticas que levou adiante entre 1990 e 2010.

Por isso, o programa de governo de Michele Bachelet propõe uma série de reformas: tributária, para ampliar os tributos das empresas; educacional, para oferecer um sistema de ensino público e acessível em todos os níveis; eleitoral, que favoreça um sistema multipartidário, em vez do atual sistema distrital, que favorece o bipartidarismo; e uma reforma constitucional geral. Lamentavelmente, reforma trabalhista não consta dos planos da Nueva Mayoría, apesar do apoio da Central Unitaria de Trabajadores (CUT) à candidatura de Bachelet, pois a legislação trabalhista criada pela ditadura pulverizou propositalmente a estrutura sindical para debilitar os sindicatos.

No entanto, a maioria da coligação partidária vitoriosa alcançada na Câmara de Deputados não assegura a aprovação das reformas. Para reformar a Constituição são necessários dois terços dos votos, isto é, 80. Para reforma eleitoral, o mínimo são 72 votos (três quintos) e, para a do sistema educacional, 69 (quatro sétimos). Somente a tributária depende de maioria simples.

Matematicamente, seria possível à Nueva Mayoría aprovar as reformas, com exceção da Constituição, pois mesmo no caso da eleitoral, que requer 72 votos, em tese seria possível negociar o apoio de dois deputados independentes que saíram do movimento estudantil responsável pelas mobilizações dos últimos anos. No entanto, a realidade é mais complexa, pois o partido da Concertación que elegeu mais deputados, 22, é o Democrata Cristão, e este tende a ser mais conservador em relação aos temas em discussão.

A eleição de Michele Bachelet tem um simbolismo importante para reforçar o campo progressista em curso na América Latina, mas o sucesso do próximo governo depende de sua capacidade de inaugurar uma nova fase econômica, social e política no Chile. Os analistas preveem que ela tentará negociar o conteúdo das reformas com a direita e, para tanto, deverá compor um gabinete ministerial que possa construir essa ponte.

No entanto, esse pragmatismo é arriscado, pois a abstenção na eleição foi de 46% do total de eleitores, o que reduz a representatividade dos atuais parlamentares e da presidenta para tomar decisões por meio de "conchavos" de cúpula. Além disso, embora quatro representantes dos estudantes tenham sido eleitos para o Parlamento, incluindo a ex-presidenta da Federação Chilena de Estudantes Universitários Camila Vallejo, pelo PCCh, as novas lideranças já afirmaram que as mobilizações continuarão no próximo governo se não houver mudanças rápidas e profundas.

- Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais
 
Teoria e Debate, Edição 118, 22 novembro 2013
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