Violência e racismo: a história do Brasil que ainda precisa ser contada

20/11/2013
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Neste início do século 21, ainda há quem defenda a tese de que não há racismo no Brasil ou, numa formulação mais frequente, até há racismo, mas ele é menos intenso do que em outras partes do mundo. Trata-se de uma falácia histórica e factual, mas que encontra mais guarida do que deveria no chamado senso comum. Isso porque há uma grande desinformação por parte da maioria da população brasileira acerca de sua própria história. E a história do Brasil, ao contrário do que ainda repetem muitos livros escolares, é marcada por episódios de grande violência e injustiça. O racismo e as desigualdades sociais que o acompanham não caíram do céu ou brotaram do chão. Na data em que se comemora o Dia da Consciência Negra, cabe recordar algumas das peças que compõem esse mosaico que ainda mescla racismo e desigualdade social no Brasil.
 
Quando os navegantes portugueses chegaram nesta terra que viria a ser chamada de Brasil, não encontraram fome nem pobreza por aqui. Pelo contrário, se depararam com vida em abundância. Em seu livro “O Povo Brasileiro”, Darcy Ribeiro nos conta que os português chegaram em uma terra que abrigava cerca de um milhão de índios, quase a mesma população de Portugal na época. Ele escreve: “Os navegantes, barbudos, fedentos, escalavrados de feridas de escorbuto, olhavam o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas. Os índios, esplêndidos de vigor e de beleza, viam, ainda mais pasmos, aqueles seres que saíam do mar”.
 
As tribos do tronco tupi, que dominavam o litoral naqueles hoje distantes 1500 já haviam domesticado várias plantas, entre elas a mandioca, o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o amendoim, a abóbora, o abacaxi, o mamão, entre muitas outras. Faziam grandes roçados no meio da mata e essa agricultura garantia sua alimentação, juntamente com a caça e a pesca. As décadas que se seguiram a essa chegada, foram um período de muita guerra e morte. Os povos que aqui resistiram a chegada do invasor, mas foram sendo, progressivamente, massacrados e escravizados.
 
O segundo capítulo dessa história começa com a chegada dos negros ao território brasileiros, trazidos, acorrentados, da costa ocidental africana, por volta da metade do século XVI. Os negros escravos foram incorporados à força a uma cultura e a uma nascente sociedade completamente estranha a eles. A maioria deles foi levada para o nordeste açucareiro e para áreas de mineração no centro do país. E submetida a terríveis condições de vida, onde o espancamento, a humilhação e a morte eram companhias diárias. Assim como já havia acontecido com os índios. Sobre essa confluência de escravidões, Darcy Ribeiro diz:
 
“Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos”.
 
As origens da pobreza, da fome e da desigualdade social no Brasil estão enraizadas, portanto, em um regime de escravidão, exploração e racismo. O ciclo da cana de açúcar, nos séculos XVI e XVII, e o da exportação de ouro, nos séculos XVII e XVIII conformaram uma economia voltada quase que inteiramente à exportação, extremamente desigual e marcada pela chaga da escravidão. A fome, a pobreza e a desigualdade social, portanto, não caíram do céu, e a história de sua fabricação não está bem contada até hoje.
 
Vidas perdidas e racismo no Brasil
 
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou terça-feira (19) um estudo intitulado “Vidas Perdidas e Racismo no Brasil”, que calculou, para cada estado do país, os impactos de mortes violentas (acidentes de trânsito, homicídio, suicídio, entre outros) na expectativa de vida de negro e não negros, com base no Sistema de informações sobre Mortalidade (SIM/MS) e no Censo Demográfico do IBGE de 2010.
 
O estudo, de autoria do diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e Democracia (Ipea), Daniel Cerqueira, e de Rodrigo Leandro de Moura, da Fundação Getulio Vargas (FGV), analisou ainda em que medida as diferenças nos índices de mortes violentas podem estar relacionadas a disparidades econômicas, demográficas, e ao racismo.
 
Considerando apenas o universo dos indivíduos que sofreram morte violenta no país no período compreendido entre 1996 e 2010, constatou-se que, para além das características socioeconômicas (escolaridade, gênero, idade e estado civil), a cor da pele da vítima, quando preta ou parda, faz aumentar a probabilidade do mesmo ter sofrido homicídio em cerca de oito pontos percentuais.
 
O Estado de Alagoas foi o local onde a diferença entre negros e não negros se mostrou mais acentuada. A taxa de homicídio para população negra atingiu, em 2010, 80 a cada 100 mil indivíduos. No estado, morrem assassinados 17,4 negros para cada vítima de outra cor. Espírito Santo e Paraíba também foram destaques negativos no ranking elaborado pelo Ipea, com, respectivamente, 65 e 60 homicídios de negros a cada 100 mil habitantes (no Espírito Santo os assassinatos diminuem a expectativa de vida dos homens negros em 2,97 anos; na Paraíba, em 2,81 anos).
 
Conclusão: “O negro é duplamente discriminado no Brasil, por sua situação socioeconômica e por sua cor de pele. Tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros vis-à-vis o resto da população”, afirmam os autores do documento.
 
A tabela divulgada pelo estudo do IPEA a respeito do ranking de homicídios no Brasil (ver abaixo), comparando vítimas negras e não-negras é auto-explicativa e expõe com crueza o quanto o país ainda precisa avançar nesta área.
 
O Estado de Alagoas foi o local onde a diferença entre negros e não negros se mostrou mais acentuada. A taxa de homicídio para população negra atingiu, em 2010, 80 a cada 100 mil indivíduos.
 
O Estado de Alagoas foi o local onde a diferença entre negros e não negros se mostrou mais acentuada. A taxa de homicídio para população negra atingiu, em 2010, 80 a cada 100 mil indivíduos.
 
20/nov/2013
 
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