Facebook Papers: funcionários acusam Zuckerberg de negligenciar negacionismo climático
Em documentos vazados, denúncias vão de empecilhos à moderação de fake news sobre o aquecimento global na plataforma a anúncios de empresas que cometem crimes ambientais.
- Opinión
Pelo menos até abril de 2021, o Facebook não era capaz de moderar a desinformação sobre mudanças climáticas de forma satisfatória, apontam documentos vazados ao Congresso dos Estados Unidos em outubro de 2021 e acessados pela Agência Pública em parceria com o Núcleo Jornalismo. A necessidade de moderar publicações com mentiras sobre o aquecimento global já era apontada pelos funcionários da empresa desde 2019 em discussões internas.
Em setembro daquele ano, um funcionário levantou o debate em tom de puxão de orelha na plataforma de trabalho da rede: “Nós precisamos de mudanças drásticas. Nós precisamos fazer mais para demonstrar nosso comprometimento em ajudar o mundo a resolver esse problema”, escreveu. O nome dos funcionários foi omitido nos documentos por segurança. O post rendeu 96 reações, 36 comentários e 15 compartilhamentos entre os empregados da Big Tech.
A política ambiental do governo Bolsonaro também foi citada na discussão. “A Amazônia está severamente machucada e o Brasil está queimando”, continuou o autor, que considera o aquecimento global uma “ameaça direta à missão da empresa”. “Nossa missão no Facebook é construir comunidades. Hoje, no entanto, a taxa de aquecimento global e o colapso ecológico estão ameaçando comunidades em todo o mundo. Há mais refugiados do clima a cada ano, muitos dos quais nas áreas de crescimento do Facebook.”
Para o autor do post, o Facebook deveria, além de reduzir sua pegada de carbono, exercer um papel na “proteção dessas comunidades vulneráveis” por meio da “elevação de suas vozes”. “Um grande fator da crise climática é o racismo ambiental, que afeta indígenas e comunidades pobres desproporcionalmente compostas por pessoas não brancas”, argumentou. “Isso é tão importante quanto a diversidade! Não existe diversidade em um planeta morto”, concordou outro funcionário. Em 2020, reportagem da Pública mostrou o inédito protagonismo indígena na COP-26, em Glasgow, na Escócia.
Em 2019, primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil identificou a maior extensão de desmatamento na Amazônia desde 2008: 10,9 mil km². O número seria ainda superado por outro recorde, em 2021, quando a floresta registrou incremento de aproximadamente 12 mil km² de destruição — dado omitido pelo governo durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, COP-26.
Essas informações fazem parte dos chamados Facebook Papers, documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA e fornecidos ao Congresso de forma editada pela assessoria legal de Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, em outubro de 2021. As versões editadas recebidas pelo Congresso dos EUA foram revisadas por um consórcio de veículos de notícias. O Núcleo Jornalismo teve acesso aos documentos e fez parceria com a Pública para compartilhar essas informações.
Na mesma publicação, outra pessoa da equipe do Facebook lembrou a “destruição em massa de florestas” para manter o mercado da carne. “A coisa mais importante que a gente [funcionários do Facebook] pode fazer é pressionar o Facebook a responder apropriadamente a essa crise. Mudar os hábitos de gasto de um consumidor rico no mundo desenvolvido causa muito menos impacto do que mudar as prioridades de uma empresa que vale US$ 500 bilhões”, completou um dos trabalhadores no mesmo post.
“Sempre fico surpreso com a pouca tração interna desse tópico e como talvez subestimamos a extensão em que nossa plataforma pode salvar o mundo”, avaliou outro funcionário. “Fiz uma pergunta [sobre o tema] para o Mark [Zuckerberg] no Q & A [perguntas e respostas], mas a resposta não foi além de “medidas internas”. Ainda temos que criar uma visão sobre a influência ambiental que poderíamos ter em nossa comunidade de 3 bilhões [de pessoas]”.
Em outubro daquele mesmo ano, mais um trabalhador voltou ao tema: “Estou escrevendo para descobrir se temos uma política relacionada ao negacionismo climático, em especial quanto ao envolvimento humano no aquecimento global. Isso é coberto por nosso esforço de combate à desinformação?”, perguntou em publicação vista por 545 pessoas. A resposta veio rápido: “Nós não removemos desinformação exceto em casos raros nos quais temos evidências fortes de que o conteúdo pode gerar iminentes danos offline sobre as pessoas. Entretanto, nós aplicamos diferentes tratamentos em conteúdo classificado como falso por checadores de fatos independentes, como ‘down-ranking’” — estratégia que diminui a entrega do conteúdo para o público. “Não temos uma política específica para o negacionismo climático”, acrescentou outro funcionário.
Além de não remover conteúdo falso, a rede fazia sugestões de preenchimento automático “enganosas”, de acordo com os documentos. Em agosto de 2019, um funcionário registrou que quem buscava por “climate change” (mudança climática) recebia como sugestões frases negacionistas como “climate change debunked” (mudança climática desmascarada) ou “climate change is a hoax” (a mudança climática é uma farsa). “Os algoritmos de sugestão de buscas parecem ser um alvo importante para pessoas que tentam manipular a opinião pública, então devemos ter proteções em vigor”, explicou, ressaltando que duas das três sugestões eram problemáticas.
Em retorno à reportagem, a Meta – em referência ao metaverso, nome que o Facebook adotou na semana em que os documentos vazados vieram a público – afirmou que “algumas interpretações estão incorretas e conferem intenções falsas à empresa”, sem especificar a que se referia. “A Meta tem o compromisso de colaborar para o enfrentamento da mudança climática e tem feito mudanças de produto para combater a desinformação climática, incluindo rótulos informativos a resultados de buscas e a posts no Facebook sobre mudança climática. Esses rótulos direcionam as pessoas para nossa Central de Informações sobre o Clima, que está disponível em português e possui recursos como informações oficiais das principais organizações de mudança climática do mundo e uma seção apresentando fatos que desmentem mitos climáticos comuns”.
Em setembro de 2020, a empresa tentou contornar as críticas ao lançar uma plataforma com informação confiável sobre o tema, o Climate Science Information Center (CSIC), em países do norte global, como Estados Unidos, Reino Unido, Inglaterra e França — o Brasil e outros países do sul, como México e África do Sul, foram adicionados à lista cinco meses depois. A intenção do projeto era “demonstrar o comprometimento do Facebook com a ciência climática e combater a desinformação na plataforma”, como registram os documentos.
A funcionalidade, que pode ser acessada ao digitar o termo “climate change” e variações na barra de busca da rede, oferece posts feitos por especialistas e dicas de como as pessoas podem reduzir o impacto das transformações ambientais. Além de reunir informação científica de qualidade, a iniciativa busca recolher doações para organizações não governamentais que atuem na temática.
Porém, “não tem como uma informação que é entregue diretamente no bolso da pessoa, como as fake news são, competir com uma informação que está escondida em uma funcionalidade que pouquíssimas pessoas conhecem e que é de difícil acesso”, avalia David Nemer, pesquisador e professor de estudos das mídias na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.
Sete meses após o anúncio do CSIC, discussões internas atestam que a iniciativa não resolveu o problema. Em 30 de abril de 2021, dois funcionários denunciaram a situação em um post de comemoração pela Semana da Terra, uma campanha da rede: “Que trabalho importante. 1% finalizado”, comentou o primeiro, ao que recebeu uma resposta: “Temos um pequeno grupo de pessoas tentando dimensionar o que os outros 99% parecem ser”. “Poderíamos dar um passo à frente e começar a classificar e remover desinformação sobre mudanças climáticas das nossas plataformas?”, questionou outro, respaldado por 17 curtidas.
“Com o Facebook Papers, ficou muito claro que as redes sociais capitalizam em cima de discurso odioso e comovente, porque é o que gera mais engajamento”, explica Nemer. “Essas redes sociais precisam disso para monetizar. É isso que gera engajamento, é isso que gera dados, e esses dados as plataformas levam para os anunciantes.”
O pesquisador diz que a desinformação sobre o clima tende a ser mais “elaborada” e engajar menos os usuários brasileiros do que outras temáticas, já que “requer um certo tipo de conhecimento”. Para tornar as publicações mais impactantes, exemplifica, os bolsonaristas as conectam a outros temas caros a eles, como o globalismo — o termo é utilizado pela extrema direita para se referir a um suposto plano de dominação das elites ao redor do mundo — e a liberdade individual. O resultado final, diz Nemer, é algo como “os globalistas querem dizer que você não pode usar mais gasolina”.
Para a ambientalista e diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni, Mark Zuckerberg está “sendo cúmplice dos negacionistas”. “Seus funcionários estão falando isso [a importância de frear a crise climática], a ciência está falando isso e os seus usuários estão falando isso. Então, se ele quer se deixar ser manipulado pelos negacionistas, e parece que é isso que ele quer, porque eles podem pagar, ele está no lado errado da história.”
Mesmo que ao menos até abril de 2021 o Facebook não estivesse sendo capaz de barrar a desinformação sobre as mudanças climáticas na plataforma, a rede propagandeava outros feitos: a rede é alimentada por energia renovável desde 2020 e estimou 2030 como prazo para zerar a pegada de carbono em toda a cadeia produtiva. Ana Toni reconhece que se trata de um avanço, mas ressalta que “as empresas têm que perceber que neutralizar o seu carbono, se você é uma empresa de influência, não te exime da sua influência; ao contrário, te traz ainda mais responsabilidade”.
“É como se [o ex-presidente dos EUA Donald] Trump neutralizasse [suas emissões] e plantasse um bando de árvores e continuasse agindo como ele age”, exemplifica. “Se [Jair] Bolsonaro agora resolver neutralizar a pegada de carbono dele, ele continua sendo um canal de influência muito danoso. Tem que deixar concreto dando esse tipo de exemplo. Se Bolsonaro plantar árvores, isso não vai o tornar mais verde se [ele] continuar falando o que ele fala.”
“A gente sabe quais são as soluções [para frear o aquecimento global] e tem grana. Não é um problema técnico, é um um problema político. E mais do que ser um problema político é um problema de mudança de hábitos na velocidade que a gente tem que mudar, que é muito, muito rápido.” A ambientalista defende que as mídias sociais podem ser atores importantes nesse processo de mudança. “Qual é o legado que o Facebook ou essas mídias querem deixar para a sociedade em combater mudanças do clima?”, questiona.
Os bastidores do grande anúncio
Na página de lançamento do CSIC, o Facebook escreve que “a mudança climática é uma crise que só poderemos enfrentar se todos trabalharmos juntos em escala global”. A plataforma afirmou também estar identificando conteúdos desinformativos sobre o tema com o auxílio de checadores de fatos para reduzir seu alcance. “Esperamos que esses esforços demonstrem que o Facebook está comprometido em fazer sua parte e ajudar a inspirar ações reais em nossa comunidade.”
Entretanto, os documentos demonstram que internamente a rede não confiava tanto assim em sua capacidade de barrar a desinformação. Por via das dúvidas, uma ação extra foi tomada para não desviar o foco do lançamento do programa ou colocar em dúvida a efetividade das ações anunciadas.
Às vésperas do lançamento, no dia 14, um funcionário percebeu que não recebia nenhum resultado ao pesquisar vídeos para os termos “climate change” e “climate” (clima) na barra de buscas do Facebook e do Facebook Watch — o último é uma plataforma exclusiva para vídeos da rede. Consultou os colegas sobre o motivo da mudança no grupo Video Search Feedback (Feedback de Busca por Vídeos).
“Os vídeos foram bloqueados na aba superior devido a preocupações do time de ‘Policy’ antes do lançamento do Climate Science Information Center”, respondeu um funcionário em comentário. Outro acrescentou que o pedido de bloqueio temporário dos termos na barra de pesquisa havia vindo diretamente do Policy, definido nos documentos como quem “ajuda os times de Integridade e Produtos a construir regras sobre o que podemos ou não fazer”, composto por responsáveis de assistência jurídica, relações públicas, relações com parceiros, marca e considerações estratégicas. Os “donos” do processo de decisão pediram que os funcionários “agissem rápido” no bloqueio dos termos. De acordo com o trabalhador que executou a ordem, a intenção seria restringir apenas os vídeos da barra de busca principal, e não os resultados do Watch, o que foi logo corrigido.
O receio da empresa nos dias anteriores ao grande anúncio pode ser explicado pelo medo de ser pega em contradição. Em janeiro de 2021, no grupo Watch Feedback, um funcionário afirmou: “Pesquisei ‘mudança climática’ no Watch, no portal e app do FB [Facebook] e encontrei alguns resultados proeminentes de informação enganosa aparente”. Ele conta que “o segundo vídeo nos resultados da busca era de desinformação sobre o clima do portal ‘Turning Point USA’, postado em 17 de janeiro e já com 6,6 milhões de visualizações”. De acordo com o funcionário, o portal já havia sido apontado por um checador de fatos como uma “fonte questionável”, mas permanecia com o “verificado” do Facebook.
“Conservadores são pró-ciência, enquanto esquerdistas são pró-pânico! A mudança climática é uma FARSA” é a legenda do vídeo, que continua no ar, no mesmo link apontado pelo funcionário nos documentos vazados. Na gravação, um jovem questiona um homem que defende que o aquecimento global é natural e não relacionado à ação humana — o que é mentira, de acordo com o sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O homem põe em dúvida a validade do relatório reconhecido em consenso pelos cientistas da área e afirma que o jovem está ignorando os “efeitos positivos da mudança climática”, como a suposta existência de mais terras agricultáveis. Os funcionários levantaram a possibilidade de se tratar de algum tipo de experimento interno, já que o vídeo estava marcado como possível desinformação, mas isso não foi confirmado nas conversas vazadas.
Na data de publicação desta reportagem, o vídeo tinha mais de 8,6 milhões de visualizações, 2 milhões a mais do que quando o funcionário fez seu post, além de 5,2 mil reações e 542 comentários.
A partir da denúncia do primeiro, outro funcionário repetiu a pesquisa no app e no portal e afirmou que recebeu resultados diferentes — os resultados de pesquisa variam de acordo com os usuários e seus históricos —, mas ambos “incluíam potencial desinformação”. De acordo com comentário de outro trabalhador, a moderação para o termo estava funcionando para algumas buscas, mas não para a pesquisa por vídeos.
Falta de transparência
Cinco dias depois do lançamento do CSIC, a rede foi apontada por remover a checagem de um texto de desinformação sobre o clima que havia viralizado no princípio de julho. A denúncia foi feita pelas newsletters Popular Information e Heated e repercutiu entre os funcionários do Facebook, que se irritaram com a atitude da empresa e discutiram entre si na plataforma de trabalho.
De acordo com a apuração dos jornalistas Judd Legum e Emily Atkin, um artigo publicado no início daquele mês no The Daily Wire havia sido checado por sete cientistas qualificados e classificado como “parcialmente falso”, o que fez a plataforma reduzir a distribuição da peça (que já havia sido compartilhada 65 mil vezes) e avisar os usuários de que se tratava de informação enganosa. Porém, a checagem foi retirada do texto depois que o congressista republicano Mike Johnson entrou em contato com o alto escalão de executivos da rede.
Aquela não era a primeira vez que uma checagem independente dos parceiros do Facebook sobre o tema havia sido excluída depois de reclamações. Situação semelhante havia acontecido em meados de 2019, quando a rede pressionou os checadores a remover o rótulo de falso de uma coluna do site Washington Examiner que afirmava que os “modelos climáticos” eram “falhos”. “
“Isso é verdade?? Se sim, qual a explicação??”, perguntou um funcionário. “Que m**** é essa? A gente não está vendo em tempo real o impacto de deixar a desinformação sobre ciência destruir nosso país? Nossos sistemas de checagem de fatos não significam nada se eles podem ser anulados”, comentou outro.
“O Facebook e o Mark [Zuckerberg] não parecem compartilhar dessa preocupação [aquecimento global] e não estão interessados em ouvir o feedback dos empregados sobre as políticas ou o grupo de Policy”, desabafou um funcionário. Ele escreve que chamaram sua atenção por fazer uma crítica e afirma que o fundador da empresa “não acha que os empregos anteriores ou as crenças das pessoas possam interferir em sua capacidade de realizar seu trabalho”. “Para mim, tudo faz todo o sentido quando olho para o alinhamento político e os empregos anteriores de nossos formuladores de políticas. Tudo está funcionando como projetado.” De acordo com investigação de Legum de outubro de 2019, os republicanos de extrema direita têm grande influência nas decisões da empresa. “Todos no poder são republicanos”, afirmou um entrevistado ao repórter.
“Pessoalmente, eu gostaria de uma resposta acerca disso, e, como uma pessoa responsável pelas vendas e em contato direto com a Microsoft, eu estou recebendo perguntas dos meus clientes. O que aconteceu nesse caso particular e em outras reversões de checagens sobre o clima?”, perguntou um dos trabalhadores. “Qual o ponto de haver checadores de fatos independentes se nós [Facebook] podemos interferir?”
“Os processos são tão bons quanto são transparentes e consistentes, ou deixam de ser regras e se transformam em decisões para cumprir certo propósito”, acrescentou outro funcionário.
Em justificativa, o time de Policy afirmou aos jornalistas ter tomado a atitude após “partes interessadas” terem classificado a checagem como “tendensiosa”. O texto foi escondido atrás do paywall e não corrigiu nenhuma informação, mas adicionou um link para a checagem ao final.
“É assustador que o time de comunicação do Facebook tenha afirmado que uma checagem de fatos foi ‘tendenciosa’. Como é possível que uma checagem de fatos seja tendenciosa? São os fatos! Eu quero ver isso respondido, tanto internamente quanto externamente, para que não sejamos vistos como simpáticos aos negacionistas do clima”, criticou um funcionário.
Na mesma discussão, os funcionários abordaram uma campanha lançada no dia 1º de julho pelo grupo Climate Power sobre a necessidade de o Facebook barrar o compartilhamento de informações danosas sobre o clima. O autor do post principal copiou parte da carta aberta lançada pela organização, assinada por 19 ativistas e endereçada ao conselho da empresa: “Mark Zuckerberg (fundador do Facebook) se recusa a reconhecer que ele deve obter os fatos corretos sobre o clima e se recusa a reconhecer que o negacionismo climático em sua plataforma é uma ameaça tão perigosa para as gerações futuras quanto qualquer outra”.
Facebook ignorou sugestões de funcionários
Os documentos vazados mostram que os funcionários levantaram ideias de ações a serem tomadas pela companhia em nível individual e empresarial. Entre elas está encorajar os anunciadores a serem eco-friendly por meio de recompensas; impulsionar companhias ecológicas no ranqueamento de anúncios; e impedir de anunciar ou reduzir o impulsionamento de empresas que “são ruins para o meio ambiente”, como as petrolíferas BP, Shell e BlackRock, citadas nominalmente por um funcionário no post de setembro de 2019.
Entretanto, até a publicação desta reportagem, empresas ligadas ao desmatamento ilegal e denunciadas por crimes ambientais variados continuam anunciando e gerando dinheiro para a empresa. Levantamento da Pública identificou que frigoríficos como Minerva, JBS e Marfrig, ligados ao desmatamento da Amazônia brasileira de acordo com apuração da Repórter Brasil, anunciam no Facebook. A Minerva impulsionou três anúncios em 2022, um deles sobre iniciativas de sustentabilidade tomadas pela empresa. Já a Seara, marca de carne do grupo JBS, lançou 83 anúncios sobre seus produtos entre 1º e 10 de janeiro deste ano; a Marfrig publicou neste ano quatro anúncios sobre vagas de emprego.
A Shell, uma das citadas pelo funcionário do Facebook e condenada por vazamentos em oleodutos na Nigéria, também anuncia na plataforma de Zuckerberg, tanto no Brasil quanto em países como Egito e Cingapura. Na primeira quinzena de 2022, a empresa impulsionou 47 anúncios para o público brasileiro. A petrolífera começou a utilizar os serviços do Facebook para se fazer conhecida em 4 de agosto de 2020; de lá para cá, gastou R$ 8.471 em anúncios identificados pela rede como de temas sociais, eleições ou política — única categoria para a qual o Facebook publica o valor investido.
A ExxonMobil, que pleiteia explorar petróleo em local de risco para a foz do rio São Francisco, como revelou apuração da Pública com o Info SãoFrancisco, também utiliza os serviços do Facebook para contar ao público que “está contribuindo para as soluções climáticas”, como descrito em anúncio que veiculou em dezembro. Ela foi citada diretamente por um dos funcionários em comentário de abril de 2021: “A Exxon e outras empresas pagam por anúncios em nossa plataforma e fazem lobby para distrair os cidadãos e governos da necessidade de reduzir rapidamente o uso de combustíveis fósseis”. “Como podemos combater a indústria do petróleo?”, questionou o trabalhador.
Para o pesquisador David Nemer, o Facebook banir esse tipo de anúncio, que não necessariamente representa compromisso com a causa, representaria “um avanço”. “Hoje em dia, aqui nos Estados Unidos a gente vê muita propaganda dessas empresas querendo passar a ideia de que estão engajadas no combate da mudança climática, que estão se preparando para energias renováveis. Só que até que ponto, isso é verdade a gente não sabe.” Porém, ele explica que a estratégia não pode ser aplicada de forma isolada: “Não adianta banir anúncio quando dentro da plataforma eles não fazem nada para conter esse tipo de desinformação”.
“A partir de 2015 [quando foi assinado o Acordo de Paris] qualquer empresa minimamente séria está tentando se afastar de grandes poluidores”, avalia a ambientalista Ana Toni. “Qual foi o esforço que o Facebook fez para se afastar dessas empresas?”.
Com serviços gratuitos ao usuário, redes sociais como o Facebook e o Instagram, parte da empresa Meta, têm a maior parte de seu lucro arrecadado por meio de anúncios pagos e segmentados na plataforma. No terceiro trimestre de 2021, a companhia registrou lucro de mais de US$ 9 bilhões, o equivalente a R$ 50,4 bilhões na cotação da época.
“Para conter fake news vai ter que conter a renda, e eles não estão dispostos a isso”, avalia Nemer. “As redes colocam o lucro acima de promover um ambiente saudável.”
O documentário que distorce o clima e enriquece o Facebook
Em junho de 2021, a produtora conservadora Brasil Paralelo lançou o filme Cortina de fumaça, que nega o desmatamento e distorce a temática indígena, como mostrou reportagem da Pública na época. A despeito dos recordes de devastação registrados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o documentário, que conta com participação de membros do alto escalão do governo, afirma que há “muito alarde” sobre queimadas e desmatamento na floresta amazônica. Os entrevistados argumentam que um sobrevoo na região demonstra que ela é uma “floresta preservada” e que a defesa do meio ambiente busca frear o desenvolvimento agrícola do Brasil.
A produtora é conhecida por seu alto investimento em publicidade no Facebook. Entre 4 de agosto de 2020 e 10 de janeiro deste ano, pagou às redes mais de R$ 5 milhões em troca de anúncios de temas sociais, eleições ou política. Entre 4 e 10 de janeiro de 2022, gastou mais de R$ 54 mil para divulgar suas produções.
Para divulgar o filme que distorce a discussão sobre as mudanças climáticas, a produtora investiu mais de R$ 100 mil em 440 anúncios tendo homens como o público-alvo. Em um dos textos para publicidade, veiculado na segunda semana de julho, critica a ativista Greta Thumberg, que descreve como “dona de um discurso mais agressivo, ela é muitas vezes apontada por uma fala vazia, sem soluções práticas para as questões ambientais do planeta”. De acordo com a propaganda, o filme mostra “o que há por trás de pessoas e instituições que dizem proteger o meio ambiente”. O anúncio custou de R$ 1 mil a R$ 1.500 e gerou de 90 mil a 100 mil interações, de acordo com dados da biblioteca de anúncios do Facebook.
Via: Agência Pública