Apocalipse ambiental

24/07/2020
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Geleiras derretendo, nível dos oceanos subindo, temperaturas mais quentes e regime de chuvas sendo alterados. Talvez sejam essas as imagens formadas na mente das pessoas quando se fala em aquecimento global. No entanto, esse aumento repentino da temperatura, promovido pelo espessamento da camada estufa – devido principalmente às emissões de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), derivados da queima dos chamados combustíveis fósseis e da atividade agropecuária – não são as únicas e preocupantes consequências.

 

(Em tempo 1: conforme já alertei no artigo “Aquecimento global e suas consequências: novas descobertas”, o efeito estufa é de extrema importância para a manutenção da vida, uma vez que permite a retenção do calor na Terra, criando uma espécie de “cobertor” ao redor do planeta. Todavia, seu aumento exagerado é que preocupa – tal como se fosse uma “coberta muito grossa”, mantendo o planeta excessivamente aquecido).

 

São vários os pontos que podemos destacar como agravantes pelo aquecimento. Dentre eles, merecem destaque as chamadas “doenças do terceiro mundo”, que podem se tornar cada vez mais presentes em uma escala mundial, gerando novas ondas de pandemia.

 

Casos de dengue, zyka, chikungunya, febre amarela e tantas outras arboviroses, assim como parasitoses como malária e leishmaniose poderão se alastrar por países onde até então não ocorriam. Isso porque o ciclo reprodutivo desses insetos seria favorecido com a amplitude térmica desses locais.

 

A malária, por exemplo, coloca sob risco quase 50% da população do planeta, com uma mortalidade estimada em 1 milhão de pessoas por ano. Essa doença está em expansão mundial, respondendo diretamente às mudanças ecológicas como desmatamento e clima, não se restringindo apenas às regiões tropicais. Previsões de elevação de 3o a 5o C na temperatura global permitem que o metabolismo dos mosquitos transmissores (Anopheles sp.) seja dobrado, o que permitirá expandir a área de transmissão da doença entre 42% a 60% - estudos mostram que a temperatura ideal para esses insetos é por volta de 30 oC, sendo que abaixo de 20 oC sua sobrevivência é prejudicada.

 

No caso da dengue, doença que há tempos vem preocupando vários estados brasileiros, a temperatura também é um fator favorável para seu desenvolvimento e ciclo de vida. Em temperaturas que variam de 25 o a 30 oC, da eclosão dos ovos até o estágio adulto, o tempo total do ciclo do mosquito Aedes aegypti é de aproximadamente 45 dias. Após realizar o repasto sanguíneo, a fêmea irá colocar novos ovos dentro de 3 dias. Com o aumento da temperatura, associado aos regimes de chuvas mais intensos, a quantidade desses insetos aumentará substancialmente pelo encurtamento do ciclo e, associado com a presença do vírus da dengue, atuarão como vetores da doença em maior número de pessoas.

 

Apesar de não apresentar um inseto como vetor, doenças como a cólera, causada por uma bactéria, também são influenciadas pelas alterações ambientais. Estudos projetam que o aumento de apenas 1oC é suficiente para elevar em 10 vezes o número desses microrganismos.

 

E os agravamentos não param por aí. Considerando a questão alimentar, a preocupação é ainda maior. No início do ano, países como Quênia, Somália, Etiópia e Índia sofreram com a maior invasão de gafanhotos dos últimos 70 anos – dizimando plantações de milho, mandioca e cana-de-açúcar, com consumo diário equivalente ao que 350 mil pessoas consumiriam. Mais recentemente, duas nuvens de gafanhotos atingiram o Paraguai e a Argentina, e estava na iminência de chegar ao território brasileiro e Uruguai. De acordo com especialistas, há relação direta com o aquecimento global, associado aos problemas intrínsecos da monocultura e (ab)uso de agrotóxicos, ou seja, além de afetar e favorecer o ciclo reprodutivo dos insetos acelerando sua reprodução, a redução e/ou eliminação de predadores potencializa essa questão. Mais do que os danos nas lavouras, as perdas significativas na oferta de alimentos são gritantes, assim como seus efeitos sociais e econômicos.

 

Soma-se a isso, o uso indiscriminado e abusivo dos agrotóxicos e a legião dos transgênicos, favorecendo ainda mais o desequilíbrio ecológico e o caos ambiental – sem falar na mortalidade cada vez maior das abelhas, responsáveis direto pela polinização de mais de 80% dos alimentos.

 

Percebe-se assim que os fenômenos de alterações ambientais, bem como demais ações do homem no meio ambiente, não devem ser analisadas isoladamente, pois estão interligadas ao ecossistema em sua totalidade, o que gera uma reação em cadeia que foge de nossas expectativas e geram diversos problemas, sendo eles de saúde pública, econômicos e sociais.

 

E o que o atual (des)governo tem feito? Além de negar os dados e fatos comprovados cientificamente, nenhuma atitude concreta tem sido tomada. Pelo contrário: Bolsonaro e sua laia têm apoiado medidas ecocídas, liberando a toque de caixa novos e letais agrotóxicos (a maior liberação em 14 anos!), favorecendo a grilagem, promovendo o genocídio contra os povos indígenas e quilombolas, desmontando e prejudicando a agricultura familiar e ignorando o apelo mundial pela preservação da Amazônia, seguindo aos interesses estadunidenses e sionistas.

 

(Em tempo 2: não à toa, ocupam os cargos de ministros (sic) do Meio Ambiente e Agricultura, dois criminosos – Ricardo “Motosserra” Salles e Tereza Cristina, a “Musa do Veneno” –, bancados com dinheiro do agronegócio, atendendo aos interesses de corporações).

 

Infelizmente esse é o BraZil que (sobre)vivemos. Um país renegado ao viralatismo estadunidense, graças ao canalhismo de Jair Bolsonaro; aquele mesmo que dizia ser patriota, contra a corrupção, mas que revelou-se um pária, um verdadeiro lesa-pátria, corrupto como todo seu clã e suas relações escusas – que vão desde a amizade com seu vizinho que mandou matar Marielle, passando pelas “rachadinhas” até o envolvimento com milícias armadas e digitais.

 

- Luiz Fernando Leal Padulla é Professor, Biólogo, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências, Especialista em Bioecologia e Conservação.

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/208069
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